Costuma-se dizer, com uma nota de ironia ou reprovação, que no Brasil o ano só começa depois do Carnaval. Estamos, portanto, às vésperas deste "novo" 2017, quando grande parte das pessoas prepara a despedida do período tradicional de férias e a retomada do trabalho, dos estudos e dos demais compromissos de rotina. A época de transição é propícia para refletir: você se sente motivado com a vida que está levando?
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Mecanismo propulsor que coloca o indivíduo na rota dos objetivos almejados, a motivação é essencial para que se possa extrair significado, ensinamentos e prazer das tarefas que preenchem o dia a dia. Sem motivação, é impossível, ou pelo menos muito difícil, chegar a qualquer lugar.
Ainda que não seja viável dedicar tempo e esforço apenas àquilo que nos interessa, é necessário que o cotidiano contenha uma boa parcela de atividades capazes de entusiasmar, servindo como compensação ao que não é tão estimulante assim, mas que também precisa ser feito. Isso vale para todas as esferas do cotidiano: pessoal, familiar, profissional.
Definir os objetivos pretendidos é primordial para desenvolver a motivação. Qualificar-se com um curso de especialização, mudar de carreira, fazer uma viagem incrível de férias, perder peso – para se motivar e se manter motivado, você precisa saber em que direção vai andar.
Uma pesquisa recente realizada pelo núcleo brasileiro da International Stress Management Association (Isma-BR), instituição voltada à pesquisa, à prevenção e ao tratamento do estresse, revelou as características mais marcantes das pessoas motivadas: elevada autoestima, flexibilidade e criatividade. Confiantes em seu potencial, elas se mostram flexíveis para encontrar saídas – se o plano A deu errado, dispõem ainda dos planos B e C – e são criativas para driblar obstáculos ou extrair algo positivo deles, o popular "fazer do limão uma limonada".
Pense, por exemplo, no funcionário que precisará trabalhar no feriado de
Ano-Novo, uma das datas mais cobiçadas do calendário. Enquanto quase todos os amigos estarão curtindo a folga, ele terá de encarar uma desgastante escala de plantão – poderá se sentir infeliz, contemplando as fotos dos festejos alheios nas redes sociais, ou se animar pensando no dinheiro extra que entrará na conta e será investido em algo legal no futuro.
– Focar no que não gostamos gera desmotivação. As pessoas motivadas conseguem manipular, mudar o ambiente, seja no trabalho ou em casa, criando condições que energizam. Se não estou gostando de alguma coisa, penso: como posso mudar isso aqui para me motivar? – explica a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR.
O cumprimento dos objetivos deve ser organizado em etapas, como um caminho a ser percorrido até que se consiga chegar ao destino final (leia mais ao lado). Não se pode pensar em um esquema rígido, imutável – pelo contrário, permita-se mudar de ideia e adaptar o que não está funcionando conforme avança.
A coach Vera Martins, consultora organizacional e autora dos livros Seja Assertivo! e O Emocional Inteligente, diz que é preciso estar sempre avaliando a própria performance. Se o seu plano naufragou, pergunte-se: "O que fiz de errado? O que não fiz?" Ao comemorar a vitória, identifique as apostas e as estratégias que contribuíram para o êxito. E tenha cuidado para não estabelecer objetivos inalcançáveis.
– Quando você cria metas muito ousadas, "vou abraçar o mundo e conseguir tudo", não consegue atingi-las. O que isso causa no circuito de motivação? Dá frustração.
Enquanto a frustração servir como lição, para eu aprender que tenho de ser mais factível, é bom. Mas quando eu insisto, não aprendo a lição, não melhoro e fico com objetivos ousadíssimos que não vou atingir nunca, a frustração é recorrente. Chega uma hora em que você fala: "Não vou mais fazer regime nenhum". E se desmotiva – descreve Vera.
Antes de tomar decisões mais radicais, como abandonar um projeto ou pedir demissão do emprego que o tem deixado entediado, faça uma análise ampla e criteriosa do cenário onde está inserido. Observe o seu papel e o dos demais personagens envolvidos, evitando a vitimização e assumindo a sua parcela de culpa, se houver. Segundo a psicóloga Crismeri Corrêa, consultora de desenvolvimento corporativo e de pessoas, não se deve desistir antes de tentar implementar mudanças para reverter essa insatisfação.
– Tem de ver a relação custo-benefício: quanto esforço estou fazendo e quanto estou recebendo de volta. A motivação é algo muito individual. É preciso se usar como instrumento, se ver. Você tem ânimo para fazer aquilo? Talvez você precise estudar mais, exercitar mais alguma coisa, explorar algo diferente, ter o estímulo de alguém que lhe mostre. Às vezes, a gente não se motiva porque não conhece – afirma Crismeri.
Abaixo, a consultora organizacional Vera Martins dá algumas sugestões para encarar o problema.
Objetivos SMART
Na hora de pensar em quais projetos colocar em prática, inspire-se em um conceito muito utilizado no mundo empresarial. Seus objetivos precisam ser específicos, mensuráveis, atingíveis, realistas e definidos no tempo – as iniciais dos cinco pré-requisitos, no original em inglês, formam a palavra SMART (specific, measurable, attainable, realistic, time-bound).
Não estipule, na ânsia de resolver logo suas pendências, metas dificílimas ou prazos absurdos. Se o seu desejo é emagrecer, determine uma quantidade razoável de quilos a serem eliminados. Exemplo: quero emagrecer quatro quilos por mês ao longo dos próximos três meses, fazendo uma reeducação alimentar que prevê a eliminação de bebida alcoólica e doces e a prática de exercícios.
Não deixe a peteca cair... nem a saúde
Compare uma pessoa motivada e uma desmotivada em ação. As características são evidentes: a primeira aceita desafios, está sempre disposta, investe tempo e energia no que faz, contribui com ideias inovadoras, colabora, topa todas. A segunda? Não se engaja, produz pouco, é resistente a regras, rejeita inovações, tira o corpo fora. Até na aparência as diferenças entre os dois tipos saltam aos olhos: o motivado é mais agradável no convívio, pega leve consigo mesmo e com os outros, enquanto o desmotivado sorri menos, é mais fechado e dispersivo.
Identificar as razões da desmotivação é fundamental para que o desânimo não se prolongue indefinidamente, com potencial para provocar danos à saúde. Indivíduos desmotivados podem sofrer com sintomas físicos, como dores musculares, cansaço excessivo e insônia, e também emocionais – estados de ansiedade, frustração e culpa. Quadros mais sérios acabam resultando até em depressão. A psicóloga Crismeri Corrêa destaca que mau humor, instabilidade e insatisfação não devem se tornar habituais. É tarefa de cada um se observar e avaliar o que não está indo bem.
– Se você não se conhece e não faz nada para mudar, a doença aparece, emocionalmente e também fisicamente. Você não é uma pessoa linear nunca, mas, quando não está bem, tem de ver por que, tomar uma atitude, mudar alguma coisa – recomenda Crismeri.
Manter hábitos saudáveis é imprescindível no processo de motivação e conquista de objetivos. Uma noite ruim de sono pode comprometer seriamente o desempenho durante o dia. Às vezes, o problema é pontual e de fácil solução: se você não consegue descansar por causa do barulho que vem da rua, adquira tampões de ouvido ou considere a instalação de uma janela antirruído. Técnicas de relaxamento e controle da respiração beneficiam quem tem dificuldade de se desligar dos problemas ao encostar a cabeça no travesseiro ou enfrenta picos de ansiedade e nervosismo em determinadas situações.
A psicóloga Ana Maria Rossi ensina: bote para fora todo o ar, depois comece a inspirar pelo nariz e a expirar pelo nariz ou pela boca, devagar e repetidas vezes. Concentre-se unicamente no movimento da respiração.
– Quem tem muita atividade mental ou se sente desmotivado pode fazer isso. A pessoa começa a treinar em um momento calmo e, nos momentos mais críticos, já vai saber como fazer. Isso fortalece – diz Ana Maria.
Praticar atividade física pelo menos três vezes por semana, lembra a psicóloga, é uma excelente maneira de descarregar as emoções negativas.
O CUSTO DA DESMOTIVAÇÃO
Pesquisa realizada pela International Stress Management Association
(Isma-BR) com trabalhadores entre 23 e 65 anos, das áreas de educação, finanças e saúde, residentes em Porto Alegre e São Paulo, apontou as consequências da falta de motivação.