Segundo a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos, pelo menos 16 instituições enfrentam restrição de atendimento no Rio Grande do Sul. Estes 16 hospitais são referência de atendimento para 259 municípios – sem levar em conta os 156 municípios que têm como referência o Hospital de Pronto Socorro de Canoas, que está com atendimento restrito há duas semanas. Ou seja, mais da metade do Estado já sente o reflexo da crise. Veja o que pode ter levado a situação a chegar quase ao colapso:
1 - Heranças do governo anterior
O governo Sartori iniciou a gestão com uma dívida de R$ 463 milhões na área da saúde herdada do governo Tarso Genro. Deste valor, R$ 255 milhões eram devidos aos hospitais e R$ 208 milhões aos municípios. Logo no começo do governo, em janeiro de 2015, essa dívida foi renegociada e parcelada. Porém, o Estado não conseguiu honrar o pagamento de todas as parcelas. Com o agravamento da crise do Estado, o passivo na saúde só aumentou: segundo a Famurs, hoje são R$ 500 milhões devidos aos municípios e, a Federação das Santas Casas, cobra outros R$ 140 milhões em dívidas aos hospitais.
2 - Defasagem da remuneração da tabela SUS
Na avaliação do superintendente da Associação das Santas Casas, Jairo Tessati, uma das principais causas do déficit da saúde tem origem na histórica defasagem da remuneração da tabela de procedimentos médicos feitos pelo SUS. Ano após ano, na tentativa de minimizar as perdas com baixa remuneração, hospitais buscam empréstimos que resolvem a situação em um mês, mas não a longo prazo.
— A remuneração do SUS é deficitária desde sempre, então, a gente vive trabalhando com déficit. O que muda o cenário de cada instituição é se ela tem condições de atender convênios, o que torna a remuneração mais equilibrada. A crise se apresenta onde o SUS é predominante.
3- Atrasos nos repasses do IPE
De acordo com Tessati, a precária remuneração do Instituto de Previdência do Estado (IPE) aos hospitais também agrava o cenário. A entidade afirma que, apenas em 2018, o IPE acumulou dívidas de R$ 131 milhões junto aos hospitais:
— De cada 10 dias trabalhados, o IPE só consegue pagar sete. Então, você pega o SUS defasado, pega o IPE, onde as contas são mais ou menos equilibradas, mas que ainda assim está pagando com atraso, e dá nisso. Somado a tudo isso, ainda tem o fato de que o Estado, desde agosto, não comparece com sua parte no valor dos incentivos que ele mesmo criou.
O IPE não confirmou o valor da dívida, mas informou que o pagamento a hospitais e clínicas está com atraso de 29 dias.
4 - Saída dos médicos cubanos das periferias e de áreas distantes
As dificuldades da atenção primária, acentuadas pela saída de cubanos do programa Mais Médicos das áreas de periferia, pioram mais a situação, na avaliação de Tessati. Sem posto de saúde com atenção básica, as pessoas recorrem direto aos hospitais.
5 - Déficit recorrente mês após mês
Secretário do governo Sartori do começo da gestão até início de abril deste ano, João Gabbardo afirma que a Secretaria Estadual da Saúde trabalha com déficit todos os meses. A conta nunca fecha.
Ele aponta que os recursos enviados pelo Ministério da Saúde são insuficientes para pagar todos os prestadores de serviços – hospitais, clínicas e laboratórios —, o que faz com o Estado precise complementar os recursos. O Ministério da Saúde, por sua vez, informa que, em 2018, até outubro, enviou ao Rio Grande do Sul, para a gestão SUS e demais programas de saúde, R$ 3,9 bilhões. Em 2017, foram repassados R$ 3,8 bilhões, e, em 2016, R$ 3,5 bilhões. Segundo o Ministério, os valores enviados são definidos conforme a população de cada Estado.
— O orçamento da Secretaria é insuficiente para atender todas as demandas que foram criadas. Só tem duas soluções: ou se coloca mais dinheiro na saúde, com aumento da arrecadação, ou se diminui os incentivos, mas isso enfrentaria uma resistência muito grande dos hospitais — enfatiza Gabbardo.
6 - Todo o ano, o mesmo aperto
A situação dos hospitais, neste momento, é mais grave do que nos anos anteriores, mas não é inédita. Durante sua gestão, Gabbardo recorreu, no final dos anos de 2015, 2016 e 2017, a empréstimos com juros menores para pagar a dívida atrasada dos hospitais. Foi uma solução paliativa. Agora, em 2018, o atual secretário de Saúde, Francisco Paz, afirma que ainda está avaliando junto ao departamento jurídico a possibilidade de fazer ou não um novo empréstimo, que seria herdado pelo próximo governo.
7- Incentivos criados no passado
A crise na situação financeira se acentuou com uma série de incentivos criados pelo Estado para qualificar os atendimentos, como médicos especialistas em ambulatórios e verba de complementação para UTIs. Gabbardo acredita que não se obedeceu a um critério de capacidade financeira do Estado ao se criar estes benefícios, e hoje sofre-se a consequência disso.
Na época, com cenário econômico diferente, tinha-se dinheiro para pagar, o que hoje o Estado, com cenário adverso nas contas, não consegue honrar.
Os incentivos foram criados a partir de 2013 com a regulamentação da lei que fixou a obrigação aos Estados de aplicar no mínimo 12% do orçamento em saúde. A partir daí, o RS, que em 2012 aplicava 9,7% em saúde (R$ 1,9 bi) passou a direcionar 12,3% no ano seguinte (R$ 2,8 bi).
8- Judicialização da saúde
A judicialização da saúde também agrava dramaticamente essa situação, na visão do ex-secretário João Gabbardo. Quando uma avalanche de processos judiciais obriga o estado a comprar medicamentos ou executar um serviço, normalmente caros, acaba que os recursos usados para cumprirem as sentenças atendem um ou dois pacientes, em detrimento de procedimentos que poderiam beneficiar um número maior de pessoas. Apenas em 2018 a secretaria já desembolsou, em ações judiciais para medicamentos e tratamentos, R$ 257 milhões.