Do lado de fora da emergência superlotada do Hospital de Pronto Socorro de Canoas (HPSC), Carlos Alberto Pinheiro lamenta a falta de remédios, a demora no atendimento e o jogo de empurra que tem feito ele ir de um hospital a outro sempre que precisa de atendimento. Desde que quebrou o braço direito, há três semanas, o auxiliar de serviços gerais acompanhou de perto os efeitos que a falta de repasses do governo do Estado tem causado na saúde pública: pelo menos 21 municípios restringiram o atendimento de pacientes desde a semana passada.
Canoas registra um dos piores cenários. Foi uma das primeiras a suspender consultas e exames, e logo em três hospitais: Universitário, Pronto Socorro e Nossa Senhora das Graças. Os serviços de emergência e urgência têm sido mantidos, mas as dificuldades de arcar com os custos de manter a infraestrutura e os funcionários — que, em algumas localidades, não estão recebendo os salários em dia — se refletem também em uma demora maior nos atendimentos que ainda estão sendo realizados.
— Fui atendido rapidamente no início do mês. Mas, nas últimas duas semanas, tem sido pior. Do Pronto Socorro, me mandam para a Ulbra (o Hospital Universitário de Canoas), e de lá para cá. Ainda dizem que não têm remédio, que estão com poucos médicos. Está bem difícil — afirma Pinheiro.
No Hospital Universitário, a situação é semelhante. Aguardando o momento de visitar o marido, internado há quase dois meses após sofrer um AVC, ao lado das filhas e netas, Rosângela Belzareno relata uma série de problemas com falta de materiais básicos, como os necessários para inserir um cateter, e também com produtos e utensílios de limpeza.
— Estamos aguardando que seja realizada a cirurgia no coração deles, mas a operação tem sido adiada toda hora. A equipe é ótima, mas parece que não consegue fazer mais com o que tem. Ficamos só esperando, no meio desse caos — lamenta Rosângela.
Os problemas em Canoas revelam o cobertor curto da saúde pública: sem receber recursos suficientes do Estado, os hospitais municipais de diversas cidades diminuem ou suspendem os atendimentos eletivos. Concentrando os esforços na urgência e emergência, porém, ainda sentem os efeitos da falta de repasses, que leva a consequências como o atraso de salários e a menor quantidade de material hospitalar disponível. Assim, a população ainda tem acesso aos serviços fundamentais, mas espera mais por isso — e nem sempre recebe tratamento com toda a qualidade necessária.
Até o início da semana, a restrição no atendimento dos hospitais, provocada pela falta de repasses do governo do Estado, afetava 11 municípios, conforme apuração da reportagem de Rádio Gaúcha e Zero Hora. Nesta quinta-feira (22), um levantamento feito em parceria com a Federação das Santas Casas do Rio Grande do Sul e a Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) viu esse número quase dobrar.
Os prejuízos no atendimento à saúde da população afetam tanto município grandes, como Canoas (345 mil habitantes) e São Leopoldo (235 mil habitantes), quanto locais bem menores, como Boa Vista do Buricá (6,7 mil habitantes). Além das dívidas do governo do Estado com os hospitais filantrópicos — estimada em R$ 150 milhões —, a Famurs avalia ainda que o Estado deva cerca de R$ 500 milhões para as prefeituras, para a manutenção dos serviços de saúde.