Desde que um surto de toxoplasmose foi confirmado em Santa Maria, na última quinta-feira (19), o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) se divide entre reuniões, entrevistas e cobranças – vindas de todos os lados. Às voltas com técnicos municipais e dados epidemiológicos, Pozzobom reclama do "alarmismo" difundido por "alguns órgãos de imprensa", garante que a prefeitura está monitorando os casos desde o "primeiro momento" e insiste que não há motivos para pânico, embora não saiba dizer, ainda, se é pela água que a doença é transmitida na cidade. A seguir, confira os principais trechos da entrevista concedida pelo gestor a GaúchaZH por telefone, no início da tarde.
Prefeito, o surto de toxoplasmose em Santa Maria está provocando grande preocupação. Como a situação chegou a esse ponto?
Na verdade, a situação está mais alarmante do que preocupante. Chegaram a falar que havia mil pessoas com sintomas, 900 pessoas com toxoplasmose, e isso não é verdade. Novecentas pessoas tiveram surto febril e dor muscular, que são características da doença, mas em apenas 59 delas foi feito o certificado e em 14 se confirmou a doença. Criou-se a sensação de que é o maior surto de toxoplasmose da história, do mundo. E não é verdade.
Mas já têm grávidas em tratamento e têm esses 59 casos...
Não, o que temos são 59 certificados. Detectados não são 59. O que são certificados? São aqueles que têm todos os sintomas. Desses, tiraram 14. Teremos mais? Pode ser, não estou dizendo que não. Quanto às gestantes, é importante que se diga, nem todas são de Santa Maria.
O senhor não está minimizando a situação?
Não, óbvio que eu não estou minimizando. Não estou minimizando em hipótese alguma. Desde o primeiro momento, a prefeitura está acompanhando tudo, todos os passos, com a Vigilância Sanitária, com todos os órgãos responsáveis. Hoje de manhã (sexta-feira, 20), chamamos a Corsan, que esteve aqui no gabinete, e já marcamos uma reunião com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O que o senhor pediu à Corsan?
Oficiei a Corsan para que forneça oficialmente ao município todas as análises que foram feitas na água e os laudos de limpeza dos reservatórios de 2017 e 2018. Também pedi os exames laboratoriais e as coletas de água feitas em parceria com a universidade federal. São documentos que pedimos para a Corsan, porque estão dizendo que o problema é a água, e isso precisa ser esclarecido. Também temos poços artesianos no município. Se não me engano, são 3 mil ou 6 mil clientes da Corsan que também têm poços artesianos. Se tu me perguntar agora: Jorge, pode ter toxoplasmose na água, lá na origem? Tecnicamente, me disseram que não, mas se pegou um cocô de gato, ou alguma coisa desse tipo, isso é extremamente importante a gente identificar.
Se o alerta sobre a doença foi dado no início de abril, por que o exame específico para detectar toxoplasmose na água ainda não foi feito? Por que só agora a Corsan foi atrás do laboratório especializado? Hoje já é dia 20.
Primeiro, o que a Corsan faz ou deixa de fazer é outra coisa. Aí, quem tem de responder é a Corsan. O que eu estou dizendo... Eu também sou leigo nisso e estou me inteirando. O que eles (os infectologistas) me explicaram? Quantas vezes tu já teve febre e teve dor muscular? Eu já tive várias vezes, mas isso não significa que é toxoplasmose.
Mas o alerta não foi dado no início de abril?
Não, os dados foram sendo contabilizados, foram computados pelos órgãos de vigilância do Estado e da Secretaria de Saúde do município até chegar nesse momento. Bom, a partir de agora, se toma as providências conjuntas. Ah, por que não foi feito no primeiro dia? Tecnicamente, não sei dizer, até posso te passar para a minha secretária (da Saúde), para que explique melhor, mas o que quero deixar claro é que, desde o primeiro momento, há um monitoramento completo disso.
Já existe uma radiografia dos casos detectados?
Sim, desde o primeiro momento. Dos 14 casos que pegamos aqui, temos o endereço de cada um deles, e não há um local concentrado. É um em cada parte da cidade. Não temos sequer dois casos num mesmo bairro ou numa mesma região.
O senhor diz que a Corsan é responsável pelo que faz ou deixa de fazer, mas o município é quem contrata o órgão. A prefeitura vai acompanhar esse exame que será feito na água? Como vai agir em relação à Corsan?
Nós estamos cobrando da Corsan, evidentemente, para que traga esses resultados para nós e para que nos informe o que está sendo feito. Mas não cabe ao município acusar a Corsan, porque daqui a pouco não é a água que está causando a doença. Pode ser algum produto hortifrutigranjeiro, algum poço artesiano. Como estão todos, inclusive infectologistas, dizendo que pode ser da água, bom, então a Corsan, que é a concessionária, tem a obrigação de trazer todos os dados. O que eu fiz: oficiei eles hoje (sexta-feira, 20) formalmente.
Por que só hoje?
Porque demos a coletiva ontem (quinta-feira, 19) e, a partir da coletiva, determinamos os procedimentos. Exigi que eles procurem a universidade para ajudar, e eles já tinham procurado, exigi que me tragam todos os testes que foram feitos, e eles já têm tudo isso pronto. Estamos desde o primeiro dia tratando disso de maneira interna. O que pedi ontem, na coletiva, é que a imprensa tem o papel fundamental de nos ajudar, não a amenizar a situação, mas a não criar um pavor maior. Chegou a um ponto de hoje de manhã, em várias unidades de saúde, gestantes terem ido buscar o remédio.
A questão é que ninguém sabe de onde está vindo isso. É compreensível a preocupação das pessoas. O exame na água já não deveria ter sido solicitado?
O que a Corsan fez ou deixou de fazer é problema da Corsan.
Mas a Corsan é contratada pelo município. A prefeitura pode exigir mais agilidade.
A questão da qualidade da água faz parte, sim, mas não posso exigir coisa que eu não tinha. Nem tu sabe se é a água da Corsan a causa. Tu sabe? Não, então como vou exigir isso deles? Pegamos toda a metodologia, juntamos tudo, para a partir daí, agir de maneira conjunta, com universidade federal, vigilância do Estado e do município, órgãos municipais. Amanhã (sábado, 21), terei seis unidades de saúde abertas em macrorregiões para esclarecer e tranquilizar a população. Todas as providências que tínhamos de tomar foram tomadas desde o primeiro momento.
A prefeitura estuda, por exemplo, algum tipo de medida em relação aos gatos de rua, que são vetores da doença?
Não é o gato o principal vetor. Tem vários e vários vetores. Todas as informações que estão chegando estão sendo anexadas. Agora, às 17h30min, estão indo representantes da prefeitura, da Corsan, do hospital universitário e da universidade federal a uma reunião dentro da universidade para tratar ações conjuntas.
No episódio da boate Kiss, uma das críticas que se fez à prefeitura foi a de não ter tomado as rédeas do caso. O senhor está fazendo tudo o que pode neste momento?
Tenho certeza absoluta de que sim. Se tem alguma coisa que não acontece no meu governo é a palavra omissão. Estamos desde o primeiro momento tratando com os infectologistas. Minha secretária da Saúde tem expertise. Antes de dizer: "Está acontecendo isso, ah, pode vir do hortifrutigranjeiro, do tomate". Aí ninguém mais come tomate. "Ah, pode vir da carne vermelha". Aí ninguém mais come carne mal passada. Antes disso, vem uma questão metodológica.
O senhor preferiu ter cautela para evitar pânico? É isso?
Exatamente, e não é só cautela. É ter as informações concretas para que a gente possa tomar as devidas providências com os órgãos competentes. Segunda-feira (23) tenho reunião com o secretário estadual da Saúde, Francisco Paz. Na terça-feira (24), vou estar com o ministro da Saúde e já autorizei a compra de mais medicamentos por precaução. Então, o município está preparado para todo e qualquer problema, e nós não abrimos mão da absoluta transparência. Se o problema for gravíssimo, vamos reconhecer. Se for grave, vamos reconhecer que é grave. A questão é que nós não vamos sonegar informações.