O talude do Arroio Dilúvio, na Avenida Ipiranga, em Porto Alegre, teve 11 trechos que cederam de julho de 2023 até maio deste ano, sendo quatro deles em pontos que já tinham apresentado problemas e que haviam sido recuperados, segundo o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). O órgão afirma que nove desses 11 pontos foram provocados pela chuva de maio, responsável pela enchente que atingiu a Capital (veja a lista abaixo).
A prefeitura confirmou que seis partes do talude cederam em 2023, mas diz que foram consertadas. Os quatro pontos que voltaram a desmoronar foram nas esquinas com a Silva Só e São Manoel (nos dois sentidos), na Salvador França e perto da Rua Lucas de Oliveira, próximo à subestação de energia elétrica. Em setembro do ano passado, reportagem de Zero Hora já citava desabamentos na Rua Silva Só e na Avenida Salvador França. Outro trecho fica Ipiranga com a Avenida Erico Verissimo, que não aparece na lista da prefeitura, mas foi constatado pela reportagem.
A reportagem percorreu a extensão do Dilúvio na última segunda-feira (1º), passando pelos trechos indicados pela prefeitura. Nas proximidades do Centro Esportivo da PUCRS, é possível ver o trecho que desmoronou antes da chuva que causou a enchente e que agora conta com uma contenção provisória de pedras.
Acostumado a passar pela região de carro, o técnico de informática Márcio Luzardo, 53 anos, conta que opta por usar a faixa da direita para evitar o trecho que ainda precisa passar por obras no talude.
— Eu sabendo que tem uma obstrução na pista, já tendo passado em outros momentos, sabendo que a pista tem cavaletes ou está rompida, eu não vou pegar a faixa da esquerda pra ter que mudar de pista em cima da hora. Isso aí eu vou causar transtorno pro (sic) pobre coitado que vem atrás de mim, ele não tem culpa. Então é melhor se prevenir — ressalta.
Perto da PUCRS, a ciclovia conta com uma placa informando o bloqueio emergencial e orientando o uso da calçada. Ali, o guarda-rail está caído e é possível ver rachaduras no asfalto. Mesmo assim, alguns usuários ignoram a sinalização e estão utilizando a via tanto para andar de bicicleta, quanto para praticar exercícios. A EPTC argumenta que "tem fiscalizado e recolocado incessantemente os isolamentos ao longo da ciclovia da Ipiranga e informado da situação em suas redes sociais" (confira o posicionamento completo abaixo).
Perto do cruzamento com a Salvador França, onde é possível ver a areia no ponto em que o talude cedeu, um cadeirante utilizava a ciclovia para se deslocar pela Avenida Ipiranga. Do outro lado, na calçada, o estudante Felipe Jasper Ramires, 15 anos, conta que usa a bicicleta todos os dias e que notou um maior desgaste após a chuva de maio.
— Às vezes dá medo, deu uma piorada — comenta.
No ano passado, Zero Hora mostrou que a prefeitura interditou o espaço para ciclistas em setembro, quando também houve desabamentos. Parte da pista exclusiva para bicicletas havia sido liberada em janeiro deste ano, após avaliações. A gestão municipal afirma que, atualmente, oito quilômetros da estrutura estão interditados preventivamente, entre as avenidas João Pessoa e Antônio de Carvalho.
A prefeitura afirma que está fazendo monitoramento, mas não tem um prazo específico de quando o talude será reconstruído. Dos 11 trechos, dois, que ficam perto do centro esportivo da PUCRS, passaram por serviços.
Em frente ao Planetário, o deslizamento do talude deixa uma faixa de terra que destoa da grama. Também há um buraco onde deveria ficar o guard-rail. Na parada de ônibus do outro lado, a estudante Ana Carolina Prates, 21 anos, diz que passa bastante pela região e que o problema já é recorrente.
— Tenho que atravessar a Ipiranga e já está há bastante tempo esse desmoronamento. Piorou bastante (com a chuva) — analisa.
Voltando a desabar, trecho da Silva Só tem tubo de gás aparente e ciclovia em pedaços
O talude entre as ruas Silva Só e São Manoel foi o trecho mais prejudicado encontrado pela reportagem. No sentido Centro x Bairro, parte da ciclovia veio abaixo e ainda há pedaços do asfalto caídos na faixa de areia, onde um tubo de gás natural ficou aparente. Pedaços do guard-rail estão quase atingido a água.
Na manhã de segunda-feira (1º), uma equipe da prefeitura estava atuando na área afetada. Conforme um funcionário, está sendo monitorado o solo para que futuramente seja realizado o conserto que cobrirá o tubo de aço da rede de gás natural que ficou exposto e colocará uma contenção provisória. A estrutura, que já tem histórico de deslizamentos, cedeu ainda mais pela água da chuva e elevação do nível do Dilúvio, infiltrando e amolecendo o solo. Cones e cavaletes sinalizam o trecho.
A reportagem ainda avistou mais um ponto de desmoronamento na Avenida Erico Verissimo, entre a passarela de pedestre e a de veículos. O ponto não consta no levantamento da prefeitura. Questionado, o Dmae disse que a área técnica passou somente nos pontos enviados, que estão dentro do perímetro isolado pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana.
Para o doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental e professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS), Fernando Dornelles, o colapso do talude ao longo do Arroio Dilúvio, é multifatorial.
— A gente muito provavelmente já vinha com alguns sinais de patologia, ou seja, de problemas apontando rachaduras, movimentações, já deformações nesse talude, aquela mureta que a gente tem com pedra de granito bem no fundo, bem junto ao leito do Dilúvio, a gente já tinha alguns pontos colapsados, e tudo agregando ainda atividade de desassoramento, a gente não sabe quanto que isso fragilizou, mas provavelmente teve alguma colaboração nesses colapsos aí, e evidentemente as chuvas, as vazões altas ocorrendo no Arroio foram o motivador final para que a gente tivesse a ruptura disso daí.
O especialista avalia que as rachaduras ao longo das ciclovias e que chegam próximo à faixa de rolamento dos veículos são indicadores de que alguma ação de contenção e manutenção precisa ser realizada.
— São estruturas que necessitam ter vistoria periódica e ter reparos preventivos — explica Dornelles.
Os trechos do talude que cederam
- PUCRS Centro Esportivo (Bairro x Centro) - passou por contenção provisória
- PUCRS Centro Esportivo (Centro x Bairro) - passou por contenção provisória
- *Erico Verissimo (constatado pela reportagem, não consta no levantamento da prefeitura)
Causados pela chuva de maio
- PUCRS Cristiano Fischer (Centro x Bairro)
- PUCRS Parada de ônibus (Centro x Bairro)
- Ipiranga x Salvador França
- Ramiro Barcelos
- Planetário
- Silva Só (Bairro x Centro)
- Silva Só (Centro x Bairro)
- Ipiranga x Lucas de Oliveira (Bairro x Centro)
- Ipiranga x Lucas de Oliveira (Centro x Bairro)
Os trechos que voltaram a apresentar problemas
- Ipiranga x Silva Só (nos dois sentidos)
- Ipiranga x Salvador França
- Ipiranga x Lucas de Oliveira
Prefeitura diz que faz monitoramento, mas não tem prazo para reconstrução
O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) salientou que, desde a identificação dos primeiros problemas, em julho de 2023, intensificou a rotina de manutenções e monitora o talude da Avenida Ipiranga em tempo real. Não foram fornecidos detalhes sobre como funciona este controle.
O departamento ainda disse que solicitou que as empresas que prestam serviços ao Dmae estudem a área e façam projetos de reconstrução, mas ainda não podem adiantar informações porque os trabalhos estão em andamento. De acordo com o órgão, está sendo aguardada a conclusão desta etapa para iniciar os reparos, mas não há um prazo definido.
O Dmae ainda disse que "a liberação para uso da ciclovia é feita pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU) com base nas condições de segurança para os usuários. Neste momento, oito quilômetros da estrutura estão interditados preventivamente, entre as avenidas João Pessoa e Antônio de Carvalho".
O que dizem a Secretaria de Mobilidade Urbana e EPTC
"A avenida Ipiranga tem oito quilômetros de infraestrutura cicloviária interditada preventivamente em razão do comprometimento do talude que está em avaliação em toda a sua extensão. No trecho entre as avenidas Edvaldo Pereira Paiva, a ciclovia está liberada para a circulação compartilhada de bicicletas, patinetes e pedestres.
Os bloqueios realizados com gradis e placas de sinalização iniciaram nas duas extremidades e todo o trecho foi sinalizado e isolado nas esquinas. É importante reforçar a informação de que a sinalização e os bloqueios existem para serem respeitados e para salvar vidas. Nos trechos de ciclovia onde ocorreu o desmoronamento do talude, o bloqueio é ainda mais ostensivo e fortemente sinalizado.
Aos ciclistas foi dada a alternativa de utilizar o passeio público, a calçada, que recebeu sinalização horizontal (pintura) para informar que o trecho passa a ser compartilhado entre pedestres e ciclistas. Devido ao alto fluxo de veículos na avenida Ipiranga, esta é a orientação da Secretaria de Mobilidade Urbana (SMMU) e da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) para garantir a segurança viária neste trecho de interdição da ciclovia. Quando não houver a sinalização, o ciclista deverá usar o bordo da pista de rolamento, no mesmo sentido dos demais veículos, e não o contrafluxo.
A SMMU e a EPTC tem ciência de que alguns ciclistas estão retirando as faixas de isolamento e se colocando em risco ao pedalar nos locais interditados. Em alguns pontos, ao burlar o bloqueio, os usuários se colocam em locais sem alternativa de circulação, cercado por guarda-corpos ou gradis, em que são obrigados a retornar a algum local anterior para cruzar a via em segurança.
A EPTC tem fiscalizado e recolocado incessantemente os isolamentos ao longo da ciclovia da Ipiranga e informado da situação em suas redes sociais.
Os cidadãos devem informar estes casos de desrespeito à sinalização pela Central de Atendimento 156 (opção 1) ou número 118 para que a prefeitura possa fiscalizar, analisar e providenciar estas demandas. E para a segurança dos ciclistas é importante reforçar a informação de que o uso da ciclovia, enquanto estiver interditada, não é recomendado".