A vida dos moradores de Porto Alegre nunca mais será a mesma depois deste final de semana. Entre a chuvosa sexta-feira e o ensolarado fim de tarde de domingo, a Capital percebeu como estavam erradas todas as outras vezes em que a palavra caos foi usada para descrever uma situação. O Guaíba engoliu parte da cidade. Mais de 100 mil vivem em locais sob risco a ponto de ser orientados a sair.
Pessoas que deixavam suas casas com água pela cintura até agradeciam, porque havia vizinhos que mal enxergavam os telhados de suas residências enquanto percorriam ruas a bordo de barcos, moto aquáticas e até colchões infláveis. Ao mesmo tempo, o pôr do sol mais bonito do mundo iluminou milhares de voluntários que se aglomeraram na orla para receber resgatados, oferecer lanche, água, roupas secas ou pelo menos um abraço.
O Guaíba chegou ao recorde de 5m33cm na medição de seu nível no Cais Mauá, na área central. Superou os 4m76cm de 1941. O Quarto Distrito, zona reabilitada recentemente, foi tomado pela água. Até em regiões relativamente afastadas da orla, como o bairro Menino Deus, sofriam com as inundações. A água brotava dos bueiros. Hospitais, como o Mãe de Deus, precisaram suspender atividades, transferir pacientes. O Arroio Dilúvio tocou a ponte da Azenha, na esquina das Avenidas Ipiranga e João Pessoa.
Pânico na Zona Norte
Mas o cenário mais assustador estava na Zona Norte. No domingo, o dique do Arroio Feijó, no Bairro Sarandi, extravasou. Não rompeu, como sugeriram os áudios no WhatsApp. Foi o suficiente para causar pânico, o que é compreensível, dado o cenário. A água cobria carros, janelas. Barcos conduziam moradores que precisavam se abaixar para não bater a cabeça nos cabos de energia elétrica. A prefeitura fez o alerta mais incisivo do final de semana.
– Sobre os moradores do Humaitá e do Sarandi, é urgente que todos saiam pois o risco de inundação é iminente. Estamos com as equipes em operação de resgate atuando as 24 horas e não iremos parar até salvar todos – disse o prefeito Sebastião Melo.
Luziu, então, o melhor de Porto Alegre. E que muita gente nem lembrava. Uma cidade que parecia ter esquecido da convivência viu uma onda de solidariedade. As pessoas que saíam do Sarandi e adjacências com seus filhos, netos, avós, cães e gatos eram orientadas a ir até o Teatro Renascença, na Avenida Erico Verissimo. Para isso, se deslocavam em carros, vans, motos de pessoas que simplesmente estavam lá com essa missão.
No teatro, estavam outros tantos voluntários. Acolhiam, faziam triagem, entregavam mantimentos, roupas. Estacionados em frente ao local, táxis e carros particulares aguardavam o destino seguinte para onde seriam levados os desabrigados. Eram 15 mil voluntários inscritos no site da prefeitura. Não estão contabilizados os muitos cidadãos que foram para lá munidos de sanduíches, por exemplo. Aqueles que puderam ouvir de um gurizinho de não mais de 10 anos, falando e sorrindo a um amigo:
– Olha o que me deram – e apontava para um copo de refrigerante, cachorro-quente e uma caixinha de chocolate, antes de ser conduzido a um dos 60 abrigos, que receberão até 7,2 mil pessoas (e já eram 85% das vagas ocupadas até o fechamento da edição).
Impactos
Vai ser preciso mais solidariedade. Ainda falta bastante para tudo passar. A prefeitura informou que 67 bairros da Capital foram afetados pela inoperância de quatro das seis estações de tratamento do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Segundo o órgão, 82,7% da cidade está sem abastecimento ou com baixa pressão de água. O prefeito disse que existe “o risco de um colapso total pela falta de fornecimento de água e de energia elétrica”:
— Quem puder, que vá ao litoral pela RS-040. Não há necessidade de todos saírem ao mesmo tempo, mas é prudente sair da cidade, caso possa. A cidade precisa ficar livre de trânsito para que possamos salvar todas as vidas em risco.
Nesta segunda-feira (6), o transporte coletivo de Porto Alegre vai operar com tabela de sábado. A alteração ocorre por conta da redução da demanda de circulação prevista.