Não conhecia o Instagram de @marciomachadinho, até que vi uma postagem em que ele reclama de como é injusto haver milhares de vídeos da Fernanda Torres nas redes sociais sem que ela mereça essa viralização, afinal, ela nunca se expôs, nunca ostentou um macarrão nos stories (sim, contém ironia). Ele diz que enquanto os influencers perdem o dia inteiro tentando produzir um conteúdo desnecessário para a existência da humanidade, Fernanda está em todas, apenas por ser uma atriz brilhante e uma mulher legal, sem precisar postar suas aulas de ioga ou a foto dos filhos. Bingo!
Diante da histórica premiação no Globo de Ouro, vale abordar este fenômeno: as Fernandas. Atrizes talentosas não faltam no Brasil, então o que explica o magnetismo incomparável de mãe e filha? Talvez o que distinga Fernanda Montenegro e Fernanda Torres (me atrevo a colocá-las no mesmo patamar, desrespeitando a hierarquia) é elas serem tão fascinantes em cena quanto fora de cena. E pelo mesmo motivo: elas não atuam.
Desde bebês, nós representamos para sobreviver – quem não chora, não mama. Aí crescemos, vamos à praia, ao tribunal, à reunião, e continuamos interpretando a gostosa, o louco, a boazinha, o justiceiro. Mimetizamos uns aos outros, criando paródias e dramalhões. Só não imaginávamos que a tecnologia daria, de fato, palco a todos, e monetizaria desempenhos. O que era um teatro discreto de costumes se transformou em uma ópera bufa, cada um atrás de sua estrela na calçada da fama. Resultado: viramos uns canastrões.
Na contramão da canastrice, brilha a naturalidade das Fernandas, que não interpretam nem na vida, nem na arte. Quando assumem um trabalho, elas incorporam o personagem. Elas são a Eunice na maturidade e a Eunice na velhice (do filme Ainda Estou Aqui). Desatrelam-se do ego e então sofrem, amam, passam fome, piram, vivem no sertão, são Dona Picucha, Dora, Fátima, Vani. E quando o diretor grita “corta!”, elas voltam a ser Fernandas com a mesma dedicação em não atuar, interessadas apenas na alma das coisas.
Antes de o mundo virar este showbiz coletivo, já sucumbíamos a alguns gestos afetados, mas agora somos todos atores de quinta fingindo naturalidade. As Fernandas não fingem, não fazem de conta. Em cena, vivem seus personagens em sua integralidade, e fora de cena, são não atrizes tão íntegras quanto. Mulheres sem aspas. Pessoas de verdade. E a verdade acerta sempre. É uma autenticidade que destoa do pastiche com o qual nos acostumamos.
Uma sorte termos duas Fernandonas nascidas em solo brasileiro e que contrastam com essa sociedade desavergonhadamente narcísica. Só nos resta aplaudir o efeito avassalador da anti-performance. E que venha o Oscar, tomamos gosto.