Esta madrugada, de domingo (5) para segunda-feira (6), ficará para sempre na memória dos brasileiros. Foi nela em que Fernanda Torres fez história, ao conquistar o prêmio de melhor atriz em filme de drama no Globo de Ouro, por sua interpretação em Ainda Estou Aqui (2024).
Antes dela, nenhuma outra artista brasileira havia recebido tal distinção por atuação — sua mãe, Fernanda Montenegro, chegou a ser indicada, em 1999, por Central do Brasil (1998), mas não venceu. O longa-metragem, por sua vez, saiu vitorioso, como melhor filme em língua não-inglesa — ao contrário de Ainda Estou Aqui.
— É algo realmente histórico — explica o crítico de cinema Waldemar Dalenogare, que também é membro da Critics Choice Association. — E a própria Fernanda estava falando muito no circuito de entrevistas que era um milagre só estar indicada e que não acreditava na chance de vitória. Tradicionalmente, essas premiações não abrem possibilidades de uma Fernanda Torres, com um filme em língua não-inglesa, entrar realmente na disputa de prêmio.
E a atriz que, para muitos veículos internacionais, como People e Variety, foi a surpresa da noite, desbancou concorrentes de peso em sua categoria: Nicole Kidman, que disputava por Babygirl, Angelina Jolie, por Maria, Tilda Swinton, indicada por O Quarto ao Lado, Kate Winslet, de Lee, e Pamela Anderson, que teve um retorno aclamado à indústria com The Last Showgirl.
— Destaco muito que isso marca realmente a renovação do Globo de Ouro, de expansão internacional, de adicionar críticos de cinema, pessoas que trabalham com cinema o ano inteiro, no corpo de membros. Isso, na premiação, acabou tendo um impacto impressionante — salienta Dalenogare.
Esta mudança, segundo Miriam Spritzer, repórter cultural e integrante do júri do Globo de Ouro, conta com a adição de centenas de novos votantes — a distinção, antes, tinha em média 80 membros, todos da imprensa estrangeira que vivia em Los Angeles. Agora, são 340 distribuídos pelo mundo.
E o Oscar?
— O Globo de Ouro não foge muito da regra das outras premiações. Então, eu acho que os filmes e séries que são os favoritos do ano no Globo de Ouro são os favoritos do ano em todas as outras premiações — enfatizou Miriam, em entrevista recente para Zero Hora.
Esta declaração da jornalista, ao ser colocada ao lado do prêmio vencido por Fernanda, já deixa qualquer brasileiro eufórico com a possibilidade de ver a atriz indicada ao Oscar 2025 — e, claro, vencer o prêmio mais cobiçado do cinema mundial. Mas será que ela tem chances reais?
— Ainda que o Oscar esteja em um processo de internacionalização, sabemos que o próprio método de seleção, às vezes, tende a valorizar uma profissional que não teve tanta visibilidade, mas que acaba sendo conhecida nos Estados Unidos. Então, o que pesou contra até agora para a Fernanda foi que ela não apareceu na pré-lista do BAFTA. E isso joga contra a possibilidade de indicação para a Fernanda — salienta Dalenogare.
Esta dificuldade apontada pelo crítico se dá por conta do entrelaçamento de membros da Academia Britânica de Artes do Cinema e Televisão (BAFTA, na sigla original) e da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pelo Oscar. Ou seja, o prêmio europeu é um bom termômetro para a distinção estadunidense, mas não, ainda assim, não é o mais forte.
Para as categorias de atuação, o grande oráculo é o SAG Awards, que é o prêmio do Sindicato dos Atores de Hollywood, que tem grande influência na escolha dos artistas que vão figurar no Oscar. E é um espaço muito restrito, não abrindo muitas brechas para que pessoas que não são associadas concorram — sendo uma grande barreira para Fernanda.
— Como o Globo de Ouro ajuda o Oscar? Ele gera repercussão, cria aquele buzz. Por exemplo, quem ainda não assistiu ao filme, agora com a vitória da Fernanda Torres, provavelmente vai ficar curioso para vê-lo. E talvez até considere incluir o nome dela na cédula de votação — explicou Miriam Spritzer em entrevista para a Rádio Gaúcha.
É importante apontar que o Oscar vem agregando muitos membros internacionais nos últimos anos — atualmente, são mais de 10,5 mil votantes. E é aí que aumentam as chances de Fernanda entrar na lista de indicados, que são escolhidos sempre por seus pares. Após a decisão final, todos os membros podem votar em todas as categorias.
Outro problema é que, ao contrário do Globo de Ouro, que nomeia 12 atrizes protagonistas para as categorias de atuação — seis em filme de drama e outras seis em comédia/musical —, o Oscar tem apenas cinco vagas. Muito mais restrita. E as “medalhonas” de Hollywood ou as atrizes que são queridas por seus pares do SAG, por exemplo, podem ter vantagem, como é o caso de Marianne Jean-Baptiste, pelo filme de pouca expressão Hard Truths (2024), que pode pegar uma das vagas.
Campanha forte
Porém, com a vitória de Fernanda Torres, a Sony Classics, que é a distribuidora internacional de Ainda Estou Aqui, deve priorizar a atriz para os últimos dois dias de campanha — a votação do Oscar começa na quarta e, após ela, já não será mais possível fazer eventos para consideração dos membros. Mas é possível fazer bastante coisa neste curto prazo.
Nesta reta final, a empresa provavelmente colocará a brasileira como sua mais forte concorrente para uma vaga no prêmio da Academia — até então, a aposta era Tilda Swinton, por O Quarto ao Lado (2024), de Pedro Almodóvar, mas esta foi derrotada pela brasileira no Globo de Ouro.
— Ainda Estou Aqui participou de dois festivais importantes: Veneza e Toronto, e recebeu muita atenção. O público internacional gosta dela e o Globo de Ouro costuma ter uma simpatia especial por talentos internacionais. Acho que a performance dela foi marcante — completou Miriam.
Já nesta terça-feira (7), haverá uma sessão de Ainda Estou Aqui, em Los Angeles, para os membros votantes da Academia. E, por lá, estará o prestigiado diretor Walter Salles, que possui uma grande rede de contatos na indústria, e a agora vencedora do Globo de Ouro Fernanda Torres.
A dupla participará do evento e, após a exibição do filme, realizará um momento de perguntas e respostas — e, claro, usará todo o carisma brasileiro para tentar angariar mais alguns votos. A lista de indicados ao Oscar será divulgada no dia 17 de janeiro e a cerimônia será em 2 de março.