Recuperar a demanda anterior à pandemia é desafio para diversos setores. O transporte público é um deles. Na Região Metropolitana, por exemplo, o serviço de trens operado pela Trensurb foi afetado nos últimos anos com a fuga de viajantes. Entre 2019 e 2023, o trem perdeu quase 16,5 milhões de passageiros. Mesmo sendo uma das principais conexões entre a Capital e cidades ao redor — passa por Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo.
Depois da queda gerada pela pandemia em 2020, a Trensurb até conseguiu atrair pessoas de volta ao sistema em 2021 e 2022. Mas, no ano passado, voltou a perder público. Relatório divulgado pela empresa pública recentemente mostra que 31.651.041 usuários foram transportados em 2023. São 315.639 a menos do que em 2022. A queda é singela, de cerca de 1%, quase uma estabilização. Mas ainda é uma perda.
O cenário fica mais complicado quando se abre o escopo da comparação. Em relação ao pré-pandemia, como já citado, são 16.404.323 usuários a menos — uma queda de 34,13%. Em uma década, a redução de público é de 41,81%, o que representa 22.748.985 viajante a menos.
O que ocasionou essa queda ao longo dos anos mais recentes? Mesmo antes da pandemia, o número de usuários vinha reduzindo. E qual o cenário atual? O trem atingiu seu patamar de usuários em um mundo permeado por possibilidades híbridas e remotas? Para o diretor-presidente da Trensurb, Fernando Marroni, as respostas se complementam, mas também apontam soluções diferentes.
Não só no trem, mas na mobilidade urbana em geral, a queda de circulação vem sendo notada e discutida por especialistas ao longo dos últimos anos. Ir ao banco, comprar uma peça de roupa ou um par de tênis, até fazer as compras de mercado. Tudo tornou-se possível com alguns toques na tela do smartphone. Com isso, a necessidade de se deslocar também reduziu. Restava o transporte como meio para chegar ao trabalho, ao colégio, na faculdade etc.
— Mas a pandemia também reduziu isso. Muita gente começou a trabalhar ou estudar de casa — acrescenta Marroni.
Gratuidade para inscritos no CadÚnico
Ou seja, a queda que avançava ano a ano, sofreu uma guinada ainda mais brusca para baixo com o isolamento social. Passados cerca de dois anos dos momentos de maior ápice deste isolamento, os novos regimes de trabalho, educação e outras rotinas parecem mais estáveis.
Significa que a demanda chegou na estabilidade? Marroni acredita que há espaço para crescimento de passageiros no trem metropolitano. E ele pontua dois caminhos para isso: a inclusão de mais usuários no sistema através de gratuidades custeadas por subsídios públicos e a retomada de integrações tarifárias entre outros modais e o trem.
— Estamos em conversas com o governo federal para que pessoas inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) tenham direito à gratuidade no trem. Hoje, se uma pessoa de baixa renda quer procurar um emprego ou até um serviço de saúde, muitas vezes não tem nem o dinheiro para passagem. Por isso, essa gratuidade seria importante e poderia ser custeada com aumento do subsídio tarifário — contextualiza o diretor-presidente da Trensurb.
Marroni explica que a empresa não é responsável por fazer "política pública", mas que o governo pode tomar essa decisão, compensando o sistema de transporte. Seria um caminho para lidar com a "ociosidade do sistema". Conforme o diretor, a Trensurb tem capacidade para transportar 200 mil usuários por dia, mas está transportando pouco mais da metade.
— Pelas nossas projeções, só essa gratuidade do CadÚnico poderia adicionar cerca de 60 mil passageiros por dia — projeta Marroni.
Ainda não há previsão de a medida ser colocada em prática. No momento, apenas as conversas entre Trensurb e o governo federal estão acontecendo.
Integração tarifária também é alternativa
O outro caminho apontado pelo gestor da empresa pública de trens é a integração tarifária. Velha conhecida dos viajantes do trem, a modalidade caiu em desuso também em consequência da pandemia. Com menos usuários, as empresas de ônibus não seguiram vendo vantagem em fornecer o desconto para quem utilizava os dois meios, como explica o superintendente da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), Francisco Hörbe.
Atualmente, apenas Porto Alegre e Canoas têm algum tipo de integração tarifária, mas com desconto pequeno. Na Capital, o desconto é de 10% na soma das tarifas (R$ 4,50 do trem e 4,80 do ônibus). Em Canoas, o desconto é de 5,47% sobre a soma da tarifa da Trensurb e R$ 5,55 do ônibus. Mas isso somente em linhas específicas metropolitanas operadas pela Transcal.
— Se o usuário tem que pegar um ônibus na cidade onde mora, integrar com o trem, descer em Porto Alegre e pegar outro ônibus, imagina o valor gasto diariamente com passagem? Isso não atrai o usuário, tem que se trabalhar não só por uma integração tarifária, mas o ideal seria um bilhete único — acredita o diretor-presidente da Trensurb.
O bilhete único funciona como uma passagem para viajar por diferentes linhas e modais. Seria como o passageiro embarcar no ônibus de origem pagando um valor, baldear para o trem e depois para uma nova linha de ônibus, tudo isso pagando um valor único, somente uma vez. A cidade de São Paulo, por exemplo, adota o bilhete único na integração entre parte das linhas de ônibus, trem e metrô.
Esta conversa, entretanto, exige a participação de muitas vozes. Além de acordos entre as empresas de ônibus e a Trensurb, é preciso incluir os órgãos gestores. No caso dos municípios, isso fica a cargo das prefeituras. Em linhas metropolitanas intermunicipais, é com a Metroplan. Mas os órgãos, neste caso, acabam transferindo responsabilidade. Apesar de confirmarem a necessidade de diálogo, ninguém parece disposto a iniciar a conversa neste momento.
— Isso (implantação de integração tarifário) independe do órgão gestor, a Metroplan. Depende mais da situação econômico-financeira e de um alinhamento dos operadores, da Trensurb e órgãos municipais. Porque tudo reflete na tarifa — pontua Francisco Hörbe.
Sem diálogo no cenário atual
A Associação dos Transportadores Intermunicipais Metropolitanos de Passageiros (ATM), que representa nove empresas da Região Metropolitana, confirma que apenas a Transcal está entre as filiadas que fornecem algum desconto na integração com o trem. Em nota, a entidade "reitera que sempre esteve disposta a debater esse tema com o poder concedente e com a Trensurb".
Tanto Trensurb, quanto Metroplan e ATM confirmam que não há novas discussões em andamento. A reportagem também consultou as prefeituras dos seis municípios atendidos pela Trensurb. Além de Porto Alegre e Canoas, onde a integração já existe, apenas Novo Hamburgo acenou com a possibilidade de diálogo, mas sem prazos.
"No ano passado, ocorreram reuniões para tratar do assunto, inclusive com a prefeitura de Novo Hamburgo fornecendo uma série de informações e dados para embasar os estudos do Trensurb visando a possível integração", diz a nota da administração do município do Vale do Sinos.
Metroplan elogia integração física
O superintendente da Metroplan aponta que, pelo menos, "a integração física está no melhor patamar histórico". A integração física corresponde a linhas de ônibus que passam por estações da Trensurb, permitindo ao usuário usar os dois meios com o menor deslocamento possível.
— Não só nas cidades onde o trem passa, mas essa integração também ocorre com cidades da Região Metropolitana que fazem a ligação com o trem através dessa integração física — explica Hörbe.
Alguns exemplos, conforme o superintendente são linhas metropolitanas de Campo Bom, Sapiranga, Araricá e Taquara, que se deslocam até Novo Hamburgo, onde integram como trem. Dois Irmãos, Ivoti, Nova Santa Rita e Eldorado do Sul são outros exemplos que tem integração física com o sistema da Trensurb.
Bilhete unificado é essencial, aponta especialista
Professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o especialista em mobilidade urbana Carlos Félix aponta que na operação dos sistemas de transportes é essencial a implantação de integração tarifária.
— Isso incentiva o uso do transporte público e simplifica o processo de pagamento para os passageiros — explica o especialista.
Segundo o professor, quando medidas são adequadamente implementadas, é possível disponibilizar sistemas de transportes mais integrados e eficientes em termos de custo e de tempo. Além de oferecer a todos os passageiros (frequentes, habituais ou eventuais) deslocamentos mais convenientes e atraentes.
— Isto promove uma redução do tráfego motorizado individual nas vias urbanas, promovendo os transportes coletivos e também transportes não motorizados, a pé e de bicicleta. Tudo contribui para a sustentabilidade ambiental e segurança viária — projeta Carlos.
Outras opções para qualificar o transporte
Entre outros caminhos para atrair público, o professor ainda acrescenta ajustes nos horários de operação, avaliando e "garantindo que o serviço esteja disponível durante os horários de maior demanda e que haja opções de transporte alternativo fora desses horários".
Melhorar a infraestrutura também é parte do processo. Mapeando a infraestrutura de transporte existente, incluindo estações, terminais e pontos de ônibus, estações de trem, ciclovias e calçadas que também são elementos relevantes na integração:
— Identificar as áreas onde há necessidade de melhorias na infraestrutura para facilitar a integração entre os diferentes modos de transporte, como a construção de passarelas, ciclovias integradas, pontos de ônibus coberto, etc. Além de qualificar a infraestrutura para os pedestres.