A garantia de passe livre em todo o país nos dias de eleições, já definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda é alvo de contestação e tem implementação incerta. Judicialmente, o Senado tenta convencer o STF a alterar a decisão, enquanto, politicamente, prefeitos pedem que o Congresso alivie o custo da medida para as prefeituras.
Na sexta-feira (9), o Senado apresentou recurso ao STF, buscando que a Corte Suprema reveja o teor da decisão tomada em 2023. O argumento é de que o veredito é repleto de lacunas e fere a autonomia dos municípios, responsáveis por organizar e sustentar o transporte coletivo.
O Senado alega também que parte dos municípios não conseguirá arcar com o patrocínio do transporte gratuito, e que o peso do passe livre deve recair sobre o orçamento da Justiça Eleitoral.
"Em tempos de desafios orçamentários imensos, a decisão (do STF), embora louvável em sua intenção de facilitar o acesso ao voto, ignora uma questão crucial: de onde virão os recursos para tal empreitada?", questiona o Senado, citando o custo estimado em R$ 165 milhões para cada dia de passe livre no país.
Outro argumento do Senado é de que cerca de metade dos municípios do país não possui sistema organizado de transporte, o que dificulta o cumprimento da decisão.
Em outubro de 2023, o STF decidiu, por unanimidade, que a falta de transporte gratuito nas eleições fere a Constituição. O relator do caso argumentou que o custo elevado do transporte coletivo tem potencial de impedir a parcela mais pobre de participar das eleições.
"Considerada a extrema desigualdade social existente no Brasil, a ausência de política pública de concessão de transporte gratuito no dia das eleições tem o potencial de criar, na prática, um novo tipo de voto censitário, que retira dos mais pobres a possibilidade de participar do processo eleitoral", disse o ministro relator Luís Roberto Barroso. Ele também destacou que o passe livre a eleitores deve ser definido por lei aprovada pelo Congresso, e que o STF somente estava se envolvendo nesta garantia aos cidadãos por omissão do Parlamento.
"Faço apelo ao legislador (Congresso Nacional) para que edite lei apta a sanar a referida omissão inconstitucional, de modo que seja assegurada a gratuidade do transporte coletivo urbano para os eleitores, com frequência compatível à praticada em dias úteis. (....) Evidentemente, caso a lei venha a ser editada, ela é que deverá prevalecer", disse o relator.
No seu voto, Barroso também lembrou que havia ao menos cinco projetos de lei que buscavam regulamentar o transporte coletivo em eleições, entre os quais um de autoria do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). A proposta é de 2011, mas nunca chegou à votação em plenário.
A decisão do STF foi tomada em 18 de outubro de 2023, e prevê que todos os formatos de transporte público — sejam municipais ou intermunicipais — funcionem de forma gratuita nos dias de eleições. O acórdão (texto da decisão colegiada) do julgamento foi publicado em 5 de fevereiro deste ano, abrindo espaço para os recursos.
Prefeitos não querem pagar a conta
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) considera positiva a decisão do STF, mas demonstra contrariedade com o possível impacto nos cofres das prefeituras. Na manifestação pública que fez sobre o tema, a entidade prometeu pressionar o Congresso. "No Congresso Nacional, a articulação será para que a Justiça Eleitoral arque com essa despesa, evitando que os reflexos desses custos não recaiam sobre os passageiros pagantes e sobre os cofres municipais", afirmou em nota a FNP.
Luciano Orsi, presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), entidade que representa os municípios gaúchos, diz que os prefeitos vão cumprir a decisão de passe livre eleitoral, mas também pediu que o Congresso destine recursos federais para a medida.
—É importante a disponibilidade de transporte coletivo para a votação. Mas é importante também ter um recurso federal para suportar esse valor. Nós vamos buscar apoio para que a gente possa, no Congresso, disciplinar de onde vão sair os recursos — disse Orsi.
Após polêmica, Porto Alegre retomou passe livre em eleições
Em 2022, Porto Alegre esteve no centro da polêmica nacional sobre passe livre em eleições. O motivo é que um ano antes do pleito os vereadores da Capital aprovaram um projeto de lei de autoria do prefeito Sebastião Melo que retirava o direito ao transporte gratuito em dias de votação.
O fim do passe livre eleitoral na Capital só se tornou amplamente conhecido em Porto Alegre algumas semanas antes do primeiro turno de 2022, abrindo o debate sobre o possível impacto da medida para os eleitores mais pobres e, consequentemente, para os candidatos mais votados entre esses grupos.
Na ação em que pediu ao STF a garantia de passe livre, o partido Rede Sustentabilidade destacou o caso de Porto Alegre e lembrou que o impedimento ao voto dos mais pobres poderia, em tese, beneficiar o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro, que acabou derrotado na eleição de 2022.
"É esperado que a abstenção eleitoral possa ser benéfica, por exemplo, ao atual Presidente da República no bojo de seu intento à reeleição. O prefeito de Porto Alegre é, em tese, apoiador do Presidente da República. Então, munido de uma veste de legalidade, optou por mudar as regras do transporte público (em 2021) em Porto Alegre", apontou a Rede Sustentabilidade, na petição inicial.
Após ampla repercussão negativa e decisões judiciais contrárias à prefeitura, Melo construiu um acordo para garantir o transporte gratuito no primeiro turno das eleições de 2022.
— Sou um democrata, quero paz na eleição. Não pode uma falsa discussão se tornar uma guerra. Se as pessoas não forem votar, não é por falta de ônibus — afirmou Melo, três dias antes do primeiro turno de 2022, ao anunciar o passe livre.
Passado o primeiro turno, Melo enviou um novo projeto de lei à Câmara de Vereadores recolocando na lei de gratuidades os dias de eleições. A lei foi aprovada uma semana depois, em sessão extraordinária da Câmara, garantindo o passe livre eleitoral no segundo turno de 2022 e nos pleitos seguintes.