A Câmara Municipal aprovou, por 32 votos a três, o projeto de lei que garante a volta do passe livre nos ônibus de Porto Alegre em dias de eleição. Direito tradicional dos eleitores da Capital desde a década de 1990, a gratuidade em eleições havia sido retirada no fim de 2021, mas voltou à discussão dias antes do primeiro turno do pleito deste ano.
A aprovação ocorreu em sessão extraordinária da Câmara para garantir que o benefício já entre em vigor em 30 de outubro, data do segundo turno das eleições de 2022. O projeto ainda precisa ser sancionado pelo prefeito Sebastião Melo.
Os votos favoráveis à retomada da gratuidade nos ônibus uniram tanto a base aliada do prefeito quanto os vereadores de oposição. Os três votos vencidos foram dados por Cezar Schirmer (MDB) e pelos dois vereadores do Novo.
Em dias de vacinação, será editado um decreto para determinar o passe livre, detalha o texto. As modificações alteram a Lei Complementar nº 362/1995, que já prevê liberação das catracas no feriado de Navegantes, em 2 de fevereiro.
Para o prefeito Sebastião Melo, que assinou o projeto, a discussão sobre o passe livre é um assunto encerrado. Ele lembra que sua intenção era encaminhar um passe livre destinado aos mais necessitados, mas que a base do governo entendeu que o benefício deveria ser irrestrito.
— Isto tem um custo da passagem. A partir de agora, eu vou lutar, como vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos da área de mobilidade urbana, para que este custo venha para o custo da eleição e vá para todo o Brasil. É preciso ter uma política de passe livre para todo o país, não uma cidade aqui outra acolá — sublinha.
Matheus Gomes (PSOL), um dos vereadores mais envolvidos na defesa da retomada do passe livre, avaliou que a votação foi "produto de uma vitória popular":
— É assim que compreendemos o envio por parte da prefeitura, que institui novamente o passe livre nas eleições.
João Bosco Vaz, do PDT, argumentou que a medida facilita o acesso dos eleitores às urnas:
— Ah, reclamam que custa R$ 1,2 milhão (o passe livre em eleições). Mas democracia custa caro. E isso não é custo, é investimento. Um milhão e 200 mil para que todos possam votar é investimento.
A vereadora Laura Sito (PT) votou a favor do passe livre e, em sua fala, destacou que o projeto garante o “acesso à cidade” e ao “direito eleitoral”:
— Estou feliz de estarmos aqui defendendo um projeto que restabelece o passe livre. Mas é importante que tenhamos um compromisso dos pares da Casa de garantir a seguridade do projeto e a ampliação da participação nos processos democráticos. Isso se garante não só na isenção da catraca, mas também na garantia da circulação das linhas, dos ônibus por toda a cidade — disse.
A vereadora Daiana Santos (PCdoB) celebrou a aprovação da proposta que, na sua avaliação, “representa a vitória do povo porto-alegrense”.
— É uma grande garantia de direitos para a população mais pobre da cidade para que possa exercer a sua cidadania no dia da eleição. Após 30 anos de passe livre, a retirada seria um desrespeito com o povo. E a nossa Mandata sempre sustentou a manutenção do passe livre, no entanto, a base do governo desconsiderou e não aceitou sequer a emenda apresentada. Agora celebramos com o povo essa importante vitória — destaca.
O líder do governo Melo na Câmara, Cláudio Janta (Solidariedade), defendeu a aprovação, mas cobrou que deputados e senadores alterem a legislação e garantam o passe livre em todo o país, com recursos federais:
— Estas eleições no primeiro turno custaram aos cofres (do país) R$ 1,334 bilhão. As eleições, os espaços de TV, isso custou R$ 1 bilhão. E lá (em Brasília) não vi ninguém dizer para qualquer ministro que está cuidando disso para incluir a passagem aí (nesse custo). Esperamos que essa nova composição do Congresso coloque lá que no dia das eleições o governo (federal) subsidie.
Votos contrários
Também na tribuna, o vereador Cezar Schirmer anunciou que votaria contra a proposta por entender que o dinheiro que será destinado ao passe livre poderia ter outra destinação:
— Os argumentos aqui elencados são de que isso é uma preocupação com os pobres. Eu diria que esse dinheiro seria mais bem aplicado, por exemplo, na construção de habitação popular. Daria para construir 25 moradias. E aquele trabalhador desempregado que vive na Restinga e precisa ser hospitalizado no Hospital Conceição: não vejo ninguém aqui preocupado com esse cidadão — disse Schirmer.
Único vereador do MDB a votar contra o projeto, Schirmer afirmou que a questão do passe livre não é “uma discussão séria, mas superficial” com “interesse partidário eleitoral”. Ele disse que o projeto é motivado pelo medo de que a elevada abstenção prejudique a eleição de Lula (PT) à Presidência da República.
— O que faz as pessoas se absterem não é a falta do passe livre, é a desmoralização da política e dos partidos. Essa discussão fica apequenada. Eu votei com coerência — frisa.
Schirmer critica também a desaprovação de uma emenda que previa o passe livre apenas para famílias em situação de vulnerabilidade, com registros em programas sociais como o CadÚnico. Ele pontua que “ninguém avaliou quantas pessoas usaram o transporte no primeiro turno para votar ou passear”.
Outro argumento apontado por Schirmer é de que se a preocupação fosse com os pobres, seria discutido também um passe livre intermunicipal para auxiliar no transporte das pessoas que buscam melhores oportunidades de vida em municípios distantes de casa. Ele também aponta que as pessoas que têm local de votação distante podem transferir gratuitamente para outro mais próximo.
A bancada do Novo disse que seria favorável ao passe livre nas eleições apenas se a medida fosse destinada a pessoas que comprovassem a baixa renda. Sem conseguir apoio para a emenda que restringiria o passe livre, Felipe Camozzato e Mari Pimentel votaram contra a gratuidade.
Histórico do fim da gratuidade
A gratuidade nos ônibus em dias de eleições integrava as regras do transporte público da Capital até 2021. No fim do ano passado, a Câmara aprovou projeto de lei encaminhado pelo prefeito Sebastião Melo que acabava com o benefício. À época, o tema não teve repercussão, mas voltou a ser debatido no fim de setembro, dias antes do primeiro turno.
O assunto acabou judicializado em Porto Alegre. Derrotada, a prefeitura garantiu o passe livre no primeiro turno, ocorrido em 2 de outubro. Depois disso, o prefeito encaminhou o projeto, agora aprovado, para que o benefício voltasse a ser permanente na Capital.