O que seria uma sessão normal da Câmara Municipal de Porto Alegre se transformou em bate-boca acalorado e troca de acusações nesta segunda-feira (10). Praxe da relação entre prefeitura e Legislativo, o prefeito Sebastião Melo (MDB) foi ao encontro dos vereadores no início da tarde para formalizar o envio do projeto que libera as catracas dos ônibus na Capital no primeiro e segundo turno das eleições gerais e municipais.
Na tribuna, Melo elevou o tom. Chamou a oposição de "irresponsável" e afirmou que os adversários agiram "com demagogia" ao defender o passe livre na votação de 2 de outubro.
— O eleitor vota perto de casa. O normal é morar no Lami e votar no Lami. Dizer que o prefeito tinha cortado o passe livre, que o prefeito é segregacionista... Segregação racial é quem mente para o povo, porque se dependesse da oposição a passagem era 6,65, então quem defende o pobre somos nós, e não o contrário — disparou.
O prefeito enumerou os projetos aprovados pela Câmara Municipal que, segundo ele, permitiram que a passagem da Capital custasse R$ 4,80, como a extinção de cobradores e a autorização para privatizar a Carris. Disse que, se dependesse da oposição, o bilhete custaria R$ 6,65, e criticou a Defensoria Pública por ter ingressado na Justiça com a ação que garantiu o passe livre no primeiro turno.
— A Defensoria Pública, que às vezes leva 60 dias para atender um pobre, para arrumar uma manchete de jornal, ideológica, foi parar nas barras dos tribunais na madrugada para ganhar uma liminar e dizer que tinha que liberar as catracas — criticou.
Melo disse que, à época em que a Câmara Municipal discutiu a limitação do passe livre para as datas de vacinação e o feriado de Navegantes, "não viu nenhum vereador da oposição ir ao Ministério Público para contestar a lei".
— Não tenho nenhum respeito por oposição irresponsável. Eu respeito a oposição, eu sou do diálogo, mas não me tratem desse jeito. Tem gente que anda de carrão por aí e é defensor de quem não paga passagem. Só entra no ônibus no dia que tem passe livre. E vem gravar vídeo dizendo que defende os pobres — encerrou.
Tão logo encerrou o discurso, Melo cumprimentou o presidente da Câmara, Idenir Cecchim (MDB), e deixou o Legislativo municipal ao lado de secretários, assessores e seguranças sob protestos.
Oposição chama prefeito de "covarde"
Vereadores da oposição se revezaram na tribuna para criticar Melo pelo tom do discurso e pelo fato de ter deixado a sessão após o seu pronunciamento sem dar a oportunidade de ser retrucado pelos parlamentares. Candidato a vice-governador derrotado no primeiro turno, o vereador Pedro Ruas (PSOL) chamou o prefeito de "covarde".
— Ele veio chamar a oposição de irresponsável. Irresponsável é ele. Está tão brabo, tão magoado pelo papelão que fez, que resolveu colocar a culpa na oposição. Inacreditável. Ele que vá lavar a boca. Irresponsável não tem ninguém aqui. Nunca vi um prefeito vir aqui com problemas pessoais, talvez emocionais, vir aqui xingar a oposição e ir embora. Irresponsável e covarde — rebateu Ruas em discurso inflamado.
Eleita deputada federal com 88.107 votos, a vereadora Daiana dos Santos (PCdoB) disse que a oposição não é ideológica e afirmou que Melo "virou as costas" para a população no dia da votação:.
— O prefeito veio até aqui, covardemente nos atacou e simplesmente virou as costas. Eu quero ver todo esse aparato que estava aqui para fazer a defesa do SUS, da educação de qualidade. Quero esse aparato à disposição da população, e não da forma covarde como foi colocado aqui.
Votação na quinta-feira
Por acordo entre as bancadas, a votação do projeto do passe livre ficou para a próxima quinta-feira (13). Normalmente a Câmara Municipal se reúne às quartas-feiras, mas nesta semana o dia cai no feriado de Nossa Senhora Aparecida.
A proposta deve ser aprovada com placar elástico e já deve valer para o segundo turno, em 30 de outubro.
Defensoria emite nota de repúdio
A Defensoria Pública do Estado emitiu nota de repúdio à fala de Melo na Câmara. A instituição ressaltou que atua em diversos municípios para garantir "o exercício da soberania popular através do voto, missão constitucional da qual não se desviará por investidas de cunho político".
Confira o texto na íntegra:
NOTA DE REPÚDIO
A Defensoria Pública do Estado, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, expressão e instrumento do regime democrático, vem a público repudiar a fala do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, na data de hoje, quando de sua manifestação na sessão da Câmara de Vereadores acerca do Projeto de Lei Complementar 014/22, que pretende restabelecer o “Passe Livre” no sistema de transporte coletivo de Porto Alegre nos dias de eleições.
Ao atacar a Instituição pelo manejo de Ação Civil Pública, esqueceu-se o chefe do Poder Executivo Municipal que a Defensoria Pública do Estado está a atuar em diversas cidades do Estado para garantir o exercício da soberania popular através do voto, missão constitucional da qual não se desviará por investidas de cunho político.
Mesmo com o menor orçamento dos integrantes do sistema de justiça, a Defensoria Pública do Estado, nos últimos 12 meses, atendeu mais de 2 milhões de pessoas, estando presente em todas as comarcas do Rio Grande do Sul, garantindo igualdade e efetivação dos direitos fundamentais a todos, despontando como uma das mais relevantes instituições públicas, fundamentalmente comprometida com a democracia e a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.
A Defensoria Pública reafirma seu compromisso com a sociedade gaúcha, asseverando que continuará erguida e atenta para viabilizar que a população em situação de vulnerabilidade possa exercer seus direitos fundamentais, donde se inclui os políticos, de forma plena, sem restrições ou condicionamentos.