O projeto de lei que tramita na Câmara Municipal e abre caminho para a desestatização da Carris, empresa pública de ônibus de Porto Alegre, é sintético o suficiente para praticamente ser publicado na íntegra nas próximas linhas. Na tarde de quinta-feira (1º), os empregados da companhia aprovaram uma greve até que o texto seja retirado da ordem do dia da Câmara, onde está pronto para votação.
O projeto de lei se resume a dois artigos. O primeiro autorizaria a prefeitura a “alienar ou transferir, total ou parcialmente, a sociedade, os seus ativos, a participação societária, direta ou indireta, inclusive o controle acionário, transformar, fundir, cindir, incorporar, liquidar, dissolver, extinguir ou desativar, parcial ou totalmente” a Carris, o que seria feito “por quaisquer das formas de desestatização estabelecidas na legislação pátria”.
Em seguida, o projeto autoriza a prefeitura a “alienar ou transferir” seus direitos sobre a empresa. Conforme o segundo artigo, a prefeitura ficaria autorizada também a “se sub-rogar (transferir) em direitos e haveres relativos a financiamentos porventura existentes”.
Conforme a secretária de Parcerias Estratégicas da prefeitura, Ana Pellini, trata-se de um texto padrão de projetos para este fim, similar aos relacionados à Corsan e aos Correios, por exemplo. O que não quer dizer que a prefeitura não trabalhe com um cronograma e um mapeamento de alternativas a partir da eventual autorização dos vereadores.
Uma vez aprovado o projeto de lei, o próximo passo é estipular um valor e abrir um edital colocando a Carris à venda, caso haja interesse de uma empresa privada em assumir o serviço, com seus ativos e passivos. Manter ou não o quadro de funcionários ficaria a cargo do comprador.
— Como a prefeitura faz aportes mensais na empresa, a Carris não chega a ser uma empresa comprometida financeiramente. O problema é a rentabilidade dela, já que o setor de transportes passa por um momento complicado. Não à toa, o edital da rodoviária de Porto Alegre (do governo do Estado) não teve interessados. Não podemos descartar que esse edital fique deserto (sem interessados) — declara Ana.
Nesse caso, a empresa passaria por um processo de liquidação que envolveria, no primeiro momento, um levantamento do patrimônio. Boa parte desses dados já foi ao menos estimada no estudo da consultora Valor e Foco, contratado ainda no governo Nelson Marchezan para analisar os últimos 10 anos de balanço da empresa. O terreno da Carris, por exemplo, é estimado em R$ 56 milhões. A frota de veículos, composta por 289 ônibus convencionais e outros 58 articulados, além de veículos de apoio, soma R$ 27 milhões.
A estimativa do estudo da Valor e Foco é de que a liquidação da Carris teria um saldo positivo de R$ 20 milhões, considerando um ativo de R$ 110,2 milhões e um passivo de R$ 89,2 milhões – sendo R$ 28 milhões em obrigações sociais e trabalhistas. Já se a empresa seguir sob a responsabilidade da prefeitura, a estimativa é que o município teria de investir R$ 300 milhões na companhia na próxima década.
Como ficariam as linhas de ônibus
Como parte da liquidação, a secretária prevê um rateio das linhas pelas demais concessionárias do serviço na Capital.
— Em razão da diminuição do movimento na pandemia, as empresas estão com estrutura ociosa. Assumir linhas seria algo barato e atraente porque significa mais renda. E eventualmente a contratação de ex-servidores da Carris, especialmente de motoristas — prevê Ana.
Conforme a secretária, a venda ou extinção da Carris – se autorizada pelo município – será um processo superior a um ano. Tempo que o quadro de 1.971 funcionários da Carris terá de optar entre um plano de demissão voluntária (PDV), a aposentadoria para quem tem direito ao benefício ou a requalificação por meio de cursos em parceria com o Sistema S. O projeto de extinção gradual dos cobradores já prevê a implantação de cursos profissionalizantes, que seriam mantidos nos próximos anos aos interessados.
Oposição tenta aprovar plebiscito
Na Câmara Municipal, a oposição tenta aprovar uma emenda que condiciona a autorização a uma detalhada análise do Tribunal de Contas do Estado dos últimos 30 anos de operação da Carris, do patrimônio da empresa e do impacto e custo social da medida no sistema de transporte de passageiros. A emenda também prevê um plebiscito para consulta à população.
“Sem apresentar nenhum estudo técnico conclusivo que o justifique, o texto original do projeto propõe tão e somente darmos um cheque em branco ao 45° prefeito de nossa cidade e o segundo a tentar levar a cabo esta política ideologizada contra o serviço público prestado pela Carris. (...) Cheques devem ter propósito, valor, assinatura e preferencialmente ser nominal e cruzado”, justifica o vereador Aldacir Oliboni, líder do PT que assina o texto ao lado dos colegas de bancada.
A hipótese de um plebiscito é rechaçada pela prefeitura.
— O argumento de que não há dados pra justificar o projeto é descabido. A situação da Carris já foi tema de audiências públicas. Nas reuniões da Cuthab (Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação), só eu já compareci duas vezes. O projeto é objetivo porque se trata de uma discussão conceitual. Você pode argumentar que a solução é outra, que não é a desestatização. Nós argumentamos que sim. A decisão será democrática, buscando o que é melhor para o sistema — declara o secretário de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia.