Quatro meses após derrubar a exigência de plebiscito para venda de estatais, o governo do RS aprovou nesta terça-feira (31) a privatização da Corsan. Por 33 votos a 19, os deputados autorizam o governador Eduardo Leite a repassar à iniciativa privada o controle acionário da companhia.
A medida enfrentava resistências na base governista, pressionada por prefeitos e associações de municípios. Na segunda-feira (30), em assembleia geral, a Famurs pediu mais tempo para debater a questão. Com receio de que uma eventual rebelião dos prefeitos provocasse uma onda de rescisões de contratos dos municípios com a Corsan, o Palácio Piratini preparou uma emenda ao texto original.
De autoria do líder do governo, Frederico Antunes (PP), e subscrita por outros 10 parlamentares, a emenda garante que 5% dos recursos obtidos com a privatização serão investidos em obra de infraestrutura urbana nos municípios. O governo também se comprometeu a priorizar a contratação de empresas gaúchas nos planos de obras e compras da Corsan e realizar recadastramento dos clientes beneficiados com tarifa social.
Para incentivar a adesão à prorrogação dos atuais contratos, o Piratini ofereceu também a cedência de 63 milhões de ações da empresa aos municípios que assinarem os termos aditivos em até 90 dias, ampliando de 6% para 10% a contrapartida pela prorrogação dos contratos até 2062. O objetivo do governo é evitar ao máximo perdas nos atuais 307 contratos regulares da Corsan, maior ativo da companhia na privatização.
Para desanuviar o ambiente, o governo decidiu inverter a pauta. Durante a reunião de líderes partidários, no final da manhã, Antunes sugeriu deixar o primeiro projeto a ser votado, que cria os blocos regionais de saneamento, como o último item da ordem do dia. Assim, o Piratini colocou como prioridade o projeto que autoriza a privatização da Corsan e ainda ganhou mais tempo para discutir a regionalização, assunto considerado complexo por deputados e prefeitos.
Em seguida, o chefe da Casa Civil, Artur Lemos, se dirigiu à Assembleia e se reuniu com todas as bancadas da base. Calculando ter ao menos 30 votos favoráveis à aprovação da matéria, a base governista evitou discursar no início da sessão. Com a tribuna livre, a oposição se revezou no microfone, cobrando do governador a quebra de um promessa de campanha. Em 2018, Leite havia dito que não venderia a Corsan e o Banrisul.
— Nenhum deputado teve capacidade de vir à tribuna responder onde foi feita uma privatização que deu todos esses resultados professados aqui. Onde houve privatização e as tarifas baixaram, houve expansão dos serviços para áreas pouco rentáveis, com garantia de tarifa social e subsídio cruzado? Onde? A experiência concreta das privatizações de saneamento vai no sentido oposto — disse o líder do PT, Pepe Vargas.
Aos poucos, os governistas começaram a rebater os ataques da oposição. Eles citaram a necessidade de ampliação dos investimentos para cumprir o marco do saneamento e a incapacidade do governo em garantir os aportes.
Embora tenha feito em 2020 o maior volume de investimentos da história da companhia, com R$ 417 milhões, o Piratini diz que precisaria triplicar os desembolsos para atender as exigências da nova legislação. Com obrigação de levar água potável a 99% da população e coleta e tratamento de esgoto a 90% até 2033, Leite sustenta que seriam necessários R$ 10 bilhões.
— Precisamos evoluir, pensar nos que mais precisam, e não ficar aqui numa discussão ideológica, atrasada mofada, que não nos leva a lugar nenhum. Pior, vai levar à destruição de mais um patrimônio público — rebateu Sérgio Turra (PP), projetando na Corsan um futuro semelhante à CEEE-D, que tinha dívida bilionária e foi vendida por R$ 100 mil.
Enquanto os deputados discutiam o projeto, manifestantes protestavam na praça da Matriz. Impedidos de ocupar as galerias por causa dos protocolos de prevenção à pandemia de covid-19, eles marcharam pelo centro da Capital no final da manhã, fazendo um abraço simbólico na sede da companhia.
Depois, se concentraram diante do Palácio Piratini e da Assembleia Legislativa, gritando palavras de ordem e bandeiras do Rio Grande do Sul estampadas com o slogan “não estamos à venda”. Mais cedo, a Federasul havia enviado ofício a todos os deputados, reiterando apoio à privatização e pedindo voto favorável à matéria.