A falta de energia elétrica e de água tem causado transtornos e levado moradores e comerciantes de Porto Alegre a enfrentar situações inusitadas em diferentes regiões da cidade. Após a tempestade da última terça-feira (16), a rotina de muitas pessoas virou de cabeça para baixo em bairros como Menino Deus, Moinhos de Vento e Rio Branco, por exemplo. Mais de 40 horas depois, o cenário permanece igual, levando a população a um esforço de adaptação.
Sem energia elétrica, mas com abastecimento de água regular, um salão de beleza na Rua Visconde do Herval, no bairro Menino Deus, tomou uma medida desesperada para não perder mais clientes — começou a fazer manicure, pedicure e cortes de cabelo na rua. As mesinhas com as profissionais ficam instaladas no lado externo do espaço, mas não chegam a ocupar a calçada.
— Está bem complicado e temos atendimentos com depilação que temos de recusar. Porque não temos como aquecer a cera — ilustra a proprietária do estabelecimento, Fabiana Rolan, 49 anos, acrescentando que o calor dentro do local fica insuportável sem poder usar ar-condicionado ou ventiladores.
Nesta quinta-feira (18), as clientes estavam sendo atendidas ao ar livre por quatro prestadoras de serviço. A manicure Martina Oliveira, 44, conta que o atendimento no lado externo do ponto ocorre desde quarta-feira (17):
— As gurias estão fazendo o cabelo e não poderão secar.
Sua colega de profissão Sabrina Dolianiti, 45, cita outros problemas:
— Não temos como esterilizar os materiais.
A realidade não é muito diferente a alguns quarteirões dali. Na Rua Gonçalves Dias, os moradores de um condomínio com 120 apartamentos estão sem luz desde terça-feira. Na manhã desta quinta, foram surpreendidos ao acionar as torneiras e descobrir que acabou a água. Muitas famílias partiram para hotéis até que a situação se normalize.
— Não estou podendo trabalhar nem falar com os meus clientes — reclama a corretora de imóveis Marcia Reis Marsiglia Lucini, 50 anos.
Sem luz, ela não consegue carregar o aparelho de celular. Também está impossibilitada de responder aos e-mails. E na corretora onde trabalha, na esquina da Avenida Getúlio Vargas com Rua Barão do Triunfo, a situação é a mesma. Inclusive as cortinas do lugar são levantadas e recolhidas de forma mecânica, necessitando de eletricidade. O local foi fechado na quarta-feira e espera para reabrir quando houver energia.
Para Marcia, que mora no 15º andar e está todo esse tempo sem poder utilizar elevador, tarefas simples podem se tornar bem desgastantes. Como exemplo, cita quem precisa subir e descer de escada para levar os cãezinhos para fazer as necessidades na rua. Ela, o marido e a filha dormem na casa da sogra de Marcia, que tem luz e fica localizada na Travessa Mato Grosso, no bairro Medianeira.
A professora aposentada Maria do Carmo Gaetani de Oliveira, 63, vive com o marido no mesmo prédio de Marcia. Para carregar o celular, diz que tem a opção de levar o aparelho até a casa do sobrinho, na Rua Coronel André Belo, onde há luz. Mas lamenta situação mais grave, que diz respeito aos estragos causados pela falta de refrigeração em casa:
— Perdemos carne, salsicha, leite e os congelados em geral. A geladeira já está com cheiro ruim. Defino o que estamos passando como um caos.
A aposentada Claudia Proença, 63 anos, mora na Avenida Getúlio Vargas. Apesar de estar com luz e água em casa, teve outros contratempos:
— Fiquei sem internet e televisão até a manhã desta quinta. E ontem (quarta-feira), um amigo que mora no Partenon veio na minha casa para carregar o celular — narra.
O panorama se repete em outras regiões da Capital. Nos bairros Rio Branco e Moinhos de Vento, há muitos edifícios sem luz desde a tempestade. A advogada Carmen Petry, 62, mora no segundo andar de um prédio na descida da Rua Miguel Tostes.
— Estamos sem luz desde as 22h da terça-feira. E hoje (quinta-feira) acabou a água — compartilha.
A poucos metros do prédio, uma grande árvore está caída na Avenida Independência. É possível ver muitos fios juntos aos galhos na calçada e no meio da via.
Para enfrentar a situação, Carmen diz que evita abrir a geladeira sem necessidade. E pretende doar alimentos que tem em casa antes que estraguem. Em relação ao celular, ela revela como procede:
— Deixo na loja de uma amiga para carregar.
A psicóloga Vanessa de Vargas, 29 anos, doou muitos alimentos antes que estragassem. Anda assim, perdeu produtos como iogurte e requeijão na geladeira sem refrigeração, alguns sequer haviam sido abertos. Ela mora na Rua Casemiro de Abreu e está sem luz.
Curiosamente, Vanessa encontrou uma maneira criativa para carregar o celular. Conecta o aparelho ao computador. Mas o equipamento também precisará algum momento de energia. Ou seja, daqui um tempo poderá apagar.
— Para mim, a maior dificuldade está sendo atender de forma online meus clientes. Se eu não tenho energia, ou eles, não posso trabalhar — resume.