A juíza Gabriela Dantas Bobsin, da 10ª Vara da Fazenda Pública, concedeu liminar em 31 de julho determinando a suspensão total e imediata das obras em andamento no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Harmonia, em Porto Alegre. A medida se refere a uma ação popular.
Após cinco dias de obras paralisadas, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ) decidiu revogar a medida no último dia 4 e os trabalhos puderam ser retomados.
A polêmica iniciou com um pedido da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara de Vereadores à prefeitura de Porto Alegre, que em 4 de julho solicitou à prefeitura a paralisação das obras de adequação que ocorrem no parque. O motivo das reclamações foi a derrubada de árvores e outras intervenções realizadas por parte da GAM3, vencedora da concessão da área pelos próximos 35 anos.
Entenda a polêmica
Pedido de paralisação das obras
Em 4 de julho, ação do vereador Marcelo Sgarbossa solicitou que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) e a concessionária apresentassem os laudos atualizados do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) das obras.
Ação também pedia documentos que comprovem o aval do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental para as mudanças no projeto original. O pedido de interrupção das obras ocorreu no mesmo dia e foi protocolada pelo vereador Aldacir Oliboni (PT).
— Se uma obra, se uma mudança significativa de uma concessão, que mexe diretamente com a fauna e a flora, não passa no CMDUA, ela está irregular. Então, no nosso entendimento, essa modificação que o governo fez e está fazendo não passou no Conselho e, portanto, é irregular — afirmou Oliboni, na oportunidade.
Alguns dos argumentos para a ação foram as críticas de vereadores de Porto Alegre e de organizações ambientais à condução dos trabalhos, à remoção e mutilação de árvores, além da retirada de zonas de gramado que, no momento, viraram áreas de terra e barro. Os proponentes da ação reclamam da descaracterização do local, antes de verde predominante.
Extração de árvores
O Parque Maurício Sirotsky Sobrinho tinha, antes da concessão, 1.253 árvores, entre nativas e exóticas. A Smamus emitiu, em 19 de dezembro de 2022, autorização especial para a extração de 432. Até agosto deste ano, foram retiradas 103, sendo 40 delas em situação fitossanitária considerada debilitada, segundo a prefeitura.
- Espécies nativas: salgueiro, chal-chal, aroeira-vermelha e maricá
- Espécies exóticas: tipuana, amoreira, jambolão e jacarandá
Em 16 de julho, dezenas de ativistas protestaram contra as obras no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. Reunidos diante do local e em caminhada pela orla do Guaíba, pediram suspensão dos trabalhos e a execução de laudo de impacto ambiental.
Segundo ONGs de defesa do meio ambiente, a intervenção não só descaracterizou o parque como também ameaça espécies de animais, como aves.
— O Harmonia abriga 85 espécies de aves, o maior volume de todos os parques urbanos de Porto Alegre, cinco espécies migratórias. Tem uma riqueza que foi desconsiderada, todos esses ninhos foram destruídos — afirmou, na época, o biólogo Paulo Brack, membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente e diretor do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá).
Decisão de suspender as obras
A juíza Gabriela Dantas Bobsin, da 10ª Vara da Fazenda Pública, concedeu, em 31 de julho, liminar que determinou a suspensão total e imediata das obras em andamento no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. De acordo com a decisão da magistrada, foram diversos "danos ambientais, paisagísticos e ao patrimônio cultural no Parque Harmonia, bem como a omissão do município de Porto Alegre em fiscalizar".
"Portanto, a única alternativa para o momento, quando já se acumulam danos perpetrados a olhos vistos da população, é o embargo da obra, pelo menos até que aportem esclarecimentos suficientes no sentido de que está ocorrendo o manejo adequado e responsável da área por parte da concessionária, na medida em que há muita probabilidade do direito alegado pelos autores, além do perigo de dano na continuação das intervenções", diz trecho do despacho.
A prefeitura apresentou recurso ao Poder Judiciário, em 2 de agosto, pedindo para que a decisão fosse reconsiderada.
"Não existe devastação. A população precisa saber que as 103 árvores removidas, respeitando as regras ambientais, serão compensadas com o plantio de 500 nativas. Esse movimento, às vésperas do Acampamento Farroupilha, é um prejuízo à cidade e não pode comprometer essa tradição", escreveu o prefeito Sebastião Melo nas redes sociais.
Posição dos tradicionalistas
Os tradicionalistas envolvidos com a realização do Acampamento Farroupilha de Porto Alegre acompanhavam os episódios envolvendo o Parque Maurício Sirotsky Sobrinho.
Em 1º de agosto, grupo de 28 entidades, empresariais, comerciais e culturais, emitiu nota em apoio à continuidade das obras. No texto, elas justificam sua posição afirmando que a revitalização busca "melhoria das condições de vida da população, por meio da promoção, da construção e da recuperação de equipamentos de infraestrutura e da valorização das tradições locais, como medidas de dinamização social, ambiental e econômica”.
Sobre as discussões ambientais envolvidas, o texto diz que “os projetos (da orla e do parque) foram aprovados dentro das leis municipais, com todo o rigor e acompanhamento técnico da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade”.
“Todas as árvores que forem suprimidas serão compensadas, na proporção de uma para cinco, conforme dispõe a legislação municipal, uma das mais restritas entre as capitais do país”, acrescentam as entidades.
Coordenador de Música da prefeitura de Porto Alegre, o tradicionalista Elton Saldanha também demonstrou preocupação com o cenário às vésperas do começo da montagem da estrutura dos piquetes.
— O cronograma estava sendo seguido dentro do que era esperado. O que se está buscando é uma drenagem, porque o parque sempre foi um banhado — citou Saldanha.
Retomada das obras
O Tribunal de Justiça do RS decidiu, em 4 de agosto, revogar a medida que determinava a suspensão das obras no Harmonia. O desembargador Marcelo Bandeira Pereira, da 21ª Câmara Cível, afirmou que a decisão tem caráter provisório, sendo válida "até que se sobrevenha o julgamento do recurso". Com isso, as intervenções puderam ser retomadas.
"Apesar de se tratar de uma obra de grandes dimensões e que, por isso, demanda intervenção significativa, consigno que o aterramento e as escavações estão sendo realizados em local que antes, predominantemente, era coberto por vegetação rasteira, ou mesmo sem vegetação, como no espaço que era destinado à cancha de rodeio", acrescentou o desembargador.
Segundo o magistrado, "não haveria razão para, no momento, suspender a totalidade das obras, uma vez que uma edificação de 25 metros não se ergue do dia para a noite, tampouco será a roda gigante de 72 metros instalada imediatamente. De todo modo, sendo esta a alteração que estaria em desacordo com aquilo que foi aprovado, bastaria, em sede liminar, a suspensão da realização desta obra, e não de todo o empreendimento".
"Se verifica é a existência de prejuízo em caso de paralisação das obras, considerando, especialmente, que a supressão vegetal e a terraplanagem estão praticamente concluídas, restando agora justamente os arremates que trarão os benefícios inicialmente propostos" , completou.
Polêmica da drenagem
Causaram polêmica em redes sociais imagens feitas com drone que mostraram grandes lamaçais em zonas antes ocupadas por vegetação gramínea e árvores. Os técnicos da concessionária e da prefeitura lembraram que o Parque Maurício Sirotsky Sobrinho fica em região de aterro e tem histórico de alagamentos. Para resolver a drenagem, afirmaram, foi necessário fazer terraplenagem para corrigir o solo acidentado.
Intervenções foram realizadas para cavar o que serão três bacias de amortecimento. Atualmente, ainda inconclusas, elas parecem lagos artificiais, mas a finalidade deste equipamento é outra. As bacias ficarão no subterrâneo e irão receber a água escoada das áreas de circulação, para evitar alagamentos.
Na superfície, 60% do solo será permeável. Ou seja, penetrável pela água. Parte do passeio será em blocos de piso intertravado e pó de brita, que, para leigos, pode parecer semelhante ao asfalto. Esses pavimentos porosos são destinados, em parte, aos acessos do parque e atendimento a normas de acessibilidade.
Uma terceira parte, afirma a GAM3 Parks, será de gramados replantados. A promessa é de que haverá recuperação de verde no solo, logo após o término da fase crítica de movimentação de terra.
Quando o sistema de drenagem estiver pronto, o plano é que a água da chuva, ao tocar o solo, penetre as estruturas porosas e escoe por encanamentos até as três bacias de amortecimento ou a rede pluvial da cidade, dependendo da localização.
Acampamento Farroupilha
O Parque Harmonia começou a receber, no último sábado (12), as primeiras famílias e os caminhões carregados com toras de madeira, espetos de churrasco, geladeiras e até colchões. Trata-se do início da montagem dos piquetes do Acampamento Farroupilha 2023, que foi dividida em três etapas neste ano em função do atraso nas obras devido à liminar na Justiça.
A previsão é de que 232 piquetes sejam erguidos no parque até 30 de agosto. Um dia depois ocorrerá a vistoria oficial do Corpo de Bombeiros para liberação do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI).