Se for aprovado pelos vereadores de Porto Alegre nesta quarta-feira (12), o projeto de lei que aumenta em 62% o subsídio do prefeito a partir de 2025 produzirá, como efeito colateral, benefício a servidores com os maiores salários do município. Isso ocorre porque, em tese, a remuneração do chefe do Executivo é a referência para o teto salarial do funcionalismo.
Ou seja: se o projeto for aprovado, funcionários com as melhores remunerações da prefeitura — em especial a categoria dos auditores fiscais —, que hoje deveriam ter o ganho limitado em R$ 21,4 mil, poderão receber até R$ 34,9 mil.
Deveriam porque, desde 2017, o teto municipal está elevado artificialmente, e há vencimentos sendo pagos acima dessa faixa. Alguns funcionários chegam a receber até R$ 35,4 mil pendurados em série de recursos judiciais movidos pela Procuradoria-Geral do Município (PGM).
Se o aumento do prefeito não passar na Câmara, há expectativa de que o teto original volte a ser respeitado e que todos os servidores tenham a remuneração limitada aos R$ 21,4 mil que constam no contracheque de Sebastião Melo, como manda a Constituição.
Na tarde de terça-feira (11), o chefe do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Alexandre Saltz, se reuniu com integrantes da PGM e da Mesa Diretora da Câmara. Saltz deixou claro que a prefeitura precisa cumprir a decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) que limita o teto ao salário do prefeito.
Na prática, portanto, a decisão está nas mãos da Câmara de Vereadores. Se o projeto que aumenta o salário do prefeito for rejeitado, o teto do funcionalismo municipal terá de ser reduzido para R$ 21,4 mil. Se for aprovado, o novo subsídio, de R$ 34,9 mil, será o limite salarial, beneficiando os servidores com os maiores salários do município.
Impacto no caixa
Conforme dados da Secretaria de Administração e Patrimônio (SMAP), levantados a pedido de GZH, 400 servidores da prefeitura e da Câmara Municipal recebem salários maiores do que o do prefeito, sendo 258 inativos e 142 ativos.
Desse contingente, 175 têm aplicação do "abate teto", mecanismo que restringe o salário a R$ 35,4 mil, antigo teto de desembargador. Caso o limite de R$ 21,4 mil fosse aplicado, outros 225 seriam atingidos pela medida.
Nessa conta, não estão incluídos os procuradores municipais, que têm direito de receber até o teto de desembargador em todos os municípios brasileiros por decisão do STF.
Com isso, conforme a SMAP, a prefeitura teria uma economia mensal de R$ 3,52 milhões. Em um ano, o valor que ficaria nos cofres públicos poderia chegar a R$ 45,7 milhões. Para efeitos de comparação, o montante é o triplo do que a prefeitura destinou às demandas do Orçamento Participativo em 2023.
Discussão interminável
A discussão sobre o teto municipal se arrasta desde 2017, quando os vereadores aprovaram emenda à revelia do então prefeito Nelson Marchezan (PSDB) elevando o limite salarial ao equivalente à remuneração dos desembargadores. Por contrariar a Constituição Federal, o "jabuti" foi rapidamente declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça, após ação movida pelo Ministério Público.
Desde então, a Procuradoria-Geral do Município tem movido série de recursos que, na prática, protelam o cumprimento da decisão e mantêm o teto salarial artificialmente em R$ 35,4 mil , quando deveria ser de R$ 21,4 mil.
O último deles foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal no mês passado. Consultada, a PGM diz que aguarda publicação do acórdão para definir se ainda vai recorrer novamente e para definir se o teto constitucional voltará a ser cumprido.
A prefeitura também já foi consultada formalmente pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre o cumprimento da decisão.
Caso a prefeitura continue protelando o cumprimento do teto, os servidores com os maiores salários ainda podem acabar recebendo aumento. Isso porque, em maio, foi aprovado pela Assembleia Legislativa o reajuste para a cúpula do Judiciário estadual, que aumentou o subsídio de desembargador para R$ 37,5 mil.