A via que abrigou o primeiro orelhão de Porto Alegre, instalado há 50 anos, hoje, praticamente os extinguiu. De ponta a ponta, a Rua dos Andradas mantém apenas dois: na esquina com a Rua Bento Martins e entre as ruas João Manoel e Caldas Júnior. Ambos têm pintura degradada, pichações e aparelhos defeituosos.
Ao testar um dos aparelhos, foi constatado que, para telefones fixos, é possível falar de graça e com boa qualidade de som. Porém, para celular, funcionaram apenas as chamadas a cobrar. Nessa etapa, os nostálgicos recordarão o inesquecível pedido da gravação: "Após o sinal, diga seu nome e a cidade de onde está falando".
Mas, em 2023, alguém ainda usa o telefone público?
— Chega a ficar um mês sem ninguém perguntar onde é o orelhão. Mas acontece, quando a pessoa fica sem bateria, perde o celular ou é roubada — exemplifica Cleber Balau, 23 anos, segurança do Mercado Público, onde há quatro telefones espalhados.
A procura por um cartão com créditos para telefonar é igualmente difícil.
— Nem o cara que era revendedor tem mais — conta Joni Souza, 71, dono de um comércio de revistas do Largo Glênio Peres, também no Centro Histórico.
O fornecedor citado é Valdair Câmara, 50 anos. No final da década de 1990, ele vendia 1,5 mil cartões por dia. Além da mulher, Sandra Schwingel, 42, a equipe tinha cinco funcionários para atender 50 bancas da região central da cidade. Farmácias, lotéricas e restaurantes renovavam o estoque diariamente.
— Com a chegada dos cartões de celular, os de orelhão foram saindo de circulação — recorda.
A Oi confirma que os cartões não são mais confeccionados no Brasil. Segundo a empresa, metade dos 116 mil orelhões ainda instalados no país têm média inferior a uma ligação por dia. Em Porto Alegre, há aproximadamente 650 aparelhos, contabiliza a operadora — em dezembro de 2018, eram 5,8 mil. No Estado, são 7 mil.
A empresa afirma que os equipamentos passam por manutenção periódica e também emergencial, quando detectados problemas técnicos ou de vandalismo. Os custos com esse serviço chegam a R$ 135 milhões por ano no país.
São considerados elevados pela companhia. No texto da nota enviada pela Oi à reportagem, é reforçado que "a retirada ou manutenção dos telefones públicos é sempre avaliada de acordo com a regulamentação e as obrigações do setor".
Curador da memória da antiga Companhia Riograndense de Telecomunicações, a CRT, o historiador Rogério Rodrigues Verlindo, 67 anos, mistura saudade e indignação sobre a transição que culminou na desestatização. E desiste de defender a continuidade pelas condições entregues no presente.
— Se é para ficar sucateado, sem uso, os orelhões devem ser retirados. Só poluem a cidade — finaliza o homem que carrega a memória da CRT.
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O que diz a Oi
A empresa se manifestou por meio de nota; leia a íntegra:
"No Rio Grande do Sul há cerca de 7 mil orelhões, sendo aproximadamente 650 em Porto Alegre, que passam por manutenção periódica e também emergencial quando apresentam algum problema técnico ou sofrem vandalismo, por exemplo. A retirada ou manutenção dos telefones públicos é sempre avaliada de acordo com a regulamentação e as obrigações do setor.
Assim como em Porto Alegre, mais da metade (66%) dos cerca de 116 mil orelhões da Oi existentes no Brasil registram uma média de menos de uma chamada por dia e, embora quase não sejam utilizados pela população, exigem recursos elevados para sua manutenção, de cerca de R$ 135 milhões por ano. O Brasil deveria seguir o exemplo de outros países, como ocorreu recentemente em Nova York, nos Estados Unidos, que desligou seu último orelhão, e aproveitar os investimentos obrigatórios em telefones públicos para atender demandas mais atuais da população, como os serviços de conectividade e acesso à internet em banda larga."