A casa onde viveu o escritor Dyonelio Machado, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, virou patrimônio cultural da Capital. A residência, atualmente desabitada e localizada na Rua General Souza Doca, 131, foi erguida em 1942 por solicitação do próprio autor de obras como Os Ratos e O Louco do Cati, este último livro lançado no mesmo ano da construção do imóvel. A informação foi publicada no Diário Oficial de Porto Alegre (Dopa) de quinta-feira (17).
— O imóvel tem esse valor histórico muito importante pelo fato de ter sido construído pelo próprio Dyonelio e lá dentro ele ter feito livros importantes como O Louco do Cati — afirma o secretário municipal da Cultura, Gunter Axt.
Porém, a casa é de propriedade particular. Os donos ainda poderão contestar a decisão da prefeitura.
— Se o imóvel permanecer no inventário e não houver contestação, ele se torna de estruturação. Não pode ser demolido e precisa ter a sua morfologia respeitada a partir daqui — explica o titular da pasta. — Os proprietários serão notificados e podem contestar. Mas o proprietário tem compensações, como usar a transferência de potencial construtivo — cita.
Mesmo preservado, serão os proprietários que decidirão se o local poderá abrigar um centro cultural referente ao próprio escritor ou dar alguma outra finalidade ao imóvel.
Com receio de que o destino da casa fosse o mesmo da habitação onde viveu o escritor Caio Fernando Abreu, demolida em julho deste ano no bairro Menino Deus, ativistas ligados à área cultural começaram uma mobilização coletiva na internet pela sua preservação, após verem um anúncio de venda da residência. A conta do movimento no Instagram apresenta riqueza de detalhes e informações sobre o local onde viveu um dos mais importantes escritores gaúchos.
No acervo divulgado na conta, estão fatos históricos, como a troca do nome da então Rua Dona Carola para Rua General Souza Doca, o que ocorreu em 1946. O número do imóvel também mudou de 123 para 131. Ainda apresenta a planta da casa, vários outros detalhes e até o valor pago pelo escritor na ocasião da compra do terreno — 10 contos de réis. Dyonelio Machado começou a viver no local em 15 de outubro de 1942.
A última postagem do coletivo no Instagram agradece a todos que se envolveram para a casa ter sido incluída formalmente no Inventário de Bens Culturais da Capital. E também diz que “seguirá vigilante até o julgamento de recursos porventura interpostos no prazo legal”.
— Naquela grande geração de romancistas dos anos 1930, Dyonelio conseguiu achar uma voz narrativa muito particular e marcante — avalia o professor e pesquisador Luís Augusto Fischer, que participou da mobilização em defesa da preservação da casa.
Segundo o docente, o escritor deu luz ao cidadão comum em seus romances.
Se o imóvel permanecer no inventário e não houver contestação, ele se torna de estruturação. Não pode ser demolido e precisa ter a sua morfologia respeitada a partir daqui
GUNTER AXT
Secretário municipal da Cultura
— Assim como Graciliano Ramos, em Vidas Secas, o Dyonelio olhou também para baixo, do ponto de vista social, e deu protagonismo para gente miúda. Fez isso sem ser populista e respeitando o horizonte cultural e a visão de mundo de Naziazeno (personagem central de Os Ratos). Depois, isso se repete em outros romances, como O Louco do Cati.
O professor também reflete sobre Dyonelio ser lembrado especialmente pela obra Os Ratos, apesar de ter publicado outros livros.
— Em uma geração de gênios da narrativa da época, como Erico Verissimo, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e Rachel de Queiroz, gente que fez o grande romance brasileiro daquele tempo, o Dyonelio é uma voz marcante e singular reconhecida pelos seus contemporâneos — assegura. — Sua carreira como escritor não foi muito bem-sucedida no sentido de continuar sendo lido. Acabou enveredando por caminhos um pouco distantes do que era o principal da literatura da época. Possui dez ou 11 romances, mas só foi lido por um. Ficou como uma espécie de primo distante daquela geração — acrescenta.
O escritor
Dyonelio Tubino Machado nasceu em 21 de agosto de 1895, em Quaraí, na Fronteira Oeste do RS. Escritor, médico especializado em psiquiatria, jornalista e político, sempre esteve envolvido com o círculo de intelectuais de Porto Alegre, para onde se mudou em 1912. Foi um dos responsáveis por divulgar a psicanálise no Estado.
Sua primeira obra de ficção foi Um Pobre Homem (1927). Aos poucos, lançou Os Ratos (1935), O Louco do Cati (1942), Desolação (1944), Passos Perdidos (1946), Deuses Econômicos (1966), Endiabrados (1980), Fada (1982), Ele vem do fundão (1982), entre outros romances, contos, ensaios e memórias.
Como jornalista, foi fundador da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), dos jornais O Martelo e Tribuna Gaúcha, além de jornalista do Diário de Notícias e diretor do Correio do Povo. Foi integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e chegou a ficar preso por dois anos. Elegeu-se deputado estadual nas eleições de 1947, pelo PCB.
Por sua obra-prima Os Ratos, ganhou o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras em 1935. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras (1979), venceu o Prêmio Jabuti de 1981. O escritor faleceu aos 89 anos, em 19 de junho de 1985, em Porto Alegre.