Engana-se quem pensa que o ato de vandalismo contra as estátuas dos poetas Carlos Drummond de Andrade e Mario Quintana, atingidas por tinta amarela na semana passada, em plena Praça da Alfândega, no Centro Histórico de Porto Alegre, seja algo isolado. Agressões ao patrimônio público, como pichações ou furtos, são comuns na cidade. Por precaução, muitas peças necessitam ser retiradas dos lugares de origem. Deixam os espaços abertos, onde poderiam ser apreciadas e fotografadas, por depósitos situados longe dos olhares da população. Um imóvel tombado na Avenida Independência esconde relíquias, que precisaram ser retiradas de circulação.
— Atualmente, em função do aumento dos atos de vandalismo e dos furtos, estamos tendo de recolher algumas obras — diz Manuela Costa, arquiteta da Diretoria de Patrimônio e Memória, vinculada à Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMCEC).
O prédio, onde cerca de 15 peças estão protegidas, pertence à prefeitura de Porto Alegre. Os bustos e estátuas ficam espalhadas pelo chão, enquanto as placas jazem encostadas em uma parede dentro de um antigo banheiro. Todas as obras sofreram algum tipo de dano enquanto estiveram nas praças.
— Só retiramos do espaço público quando está em risco iminente de que seja furtada ou depredada — conta. — Tínhamos algumas réplicas no Parque Farroupilha de um material que não era bronze. Mesmo assim sofreram tentativas de depredação. Foram recolhidas. Fazemos avaliação para ver se precisam de melhoria e se podem voltar para a rua — acrescenta, estimando que cerca de 30 obras já foram devolvidas aos locais de origem.
Há alguns casos bastante emblemáticos. O busto de Apolinário Porto Alegre é um deles. Fundador do Partenon Literário (1868-1888), ele foi professor, escritor, historiador e referência cultural da capital no século 19. Em 1927, seu busto em bronze foi inaugurado na Praça Argentina. Noventa e cinco anos depois, está com as duas mãos decepadas dentro do depósito. O olhar pensativo da estátua contrasta com a realidade longe do público.
— Ficava na Praça Argentina em um pedestal de granito polido. A estátua teve uma mão decepada e já faz algum tempo que está armazenada aqui — explica a arquiteta, ressaltando que antes chegou a passar um período nas dependências da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smamus).
Segundo Manuela, alguns pontos são mais vulneráveis para a ação dos vândalos. As estátuas, monumentos e placas espalhadas pelo Parque Farroupilha (Redenção) são as mais visadas, especialmente no trecho perto do Viaduto Imperatriz Leopoldina, na Avenida João Pessoa.
Passear dentro do imóvel é mergulhar em uma aula de história. Ao lado do busto de Apolinário Porto Alegre está o do ex-prefeito Otávio Rocha. Também é de bronze e precisou ser substituído, na praça de mesmo nome, por uma réplica feita em liga metálica sem valor comercial. Antes localizado na esquina da Avenida Otávio Rocha com a Rua Doutor Flores, o busto foi primeiramente levado ao depósito da Smamus. E depois foi realocado dentro do casarão tombado da Avenida Independência. O motivo para sair da praça de origem foi uma tentativa de furto ocorrida em 2015.
— É preciso entender isso dentro do contexto que a gente vive. Essas pessoas que furtam e depredam são cidadãos que vivem na cidade. Para mim é um sintoma da sociedade — observa Manuela.
Outra estátua que chama atenção é a réplica de A Samaritana. Está em um canto, decepada e sem o braço direito, além de estar com outros danos espalhados pelo resto do corpo. Mesmo o material sendo sem valor, foi alvo de vandalismo quando estava exposta na Praça da Alfândega. A original está instalada no Paço Municipal.
Também está abrigado em um canto do imóvel da Independência a réplica do busto de Joaquim Francisco de Assis Brasil, que ficava na Redenção. O político foi parlamentar e diplomata, e um dos principais personagens históricos do Rio Grande do Sul. Fundador do Partido Liberal e líder da Revolução de 1923, também é considerado o patrono da pecuária gaúcha. Curiosamente, tanto a réplica quanto o original, que está no Memorial da Justiça Federal, foram danificados.
Pequenas peças da composição antes do restauro de 2017 do Chafariz Imperial também estão no depósito. Há, ainda, uma pequena cabeça de leão fragmentada, e outra em concreto, que era de José Bonifácio. Pode ser visto em um canto o busto de Luís Englert, de 1939, ao lado de um balde de plástico com alguns fragmentos de pedras. O engenheiro, professor, político e empresário divide o espaço com os demais colegas de passado histórico. Tudo longe do olhar do público e dos vândalos.