Hoje completam-se 90 anos da inauguração do busto de Apolinário Porto Alegre. De autoria de Alfred Adloff, a obra foi apontada por José Francisco Alves, em Escultura Pública de Porto Alegre, como um dos bustos mais belos do país. Em reportagem (ZH, 21/9/2014), o jornalista Itamar Melo apontou-a como uma das relíquias de Porto Alegre que não existem mais. O motivo: a obra instalada na Praça Argentina foi roubada em 2003. Landro Oviedo, em crônica do mesmo ano, perguntava: "Por onde andará Apolinário?". O cronista lembra que vários monumentos foram roubados da cidade, "entre eles, o busto do escritor, pesquisador, professor, historiador e ativista cultural Apolinário Porto Alegre (1844-1904), um dos fundadores do Partenon Literário (1868-1888), marco sistemático inovador das letras rio-grandenses do século 19".
A cidade merecia ter um monumento a Apolinário, e os órgãos públicos, em especial a Secretaria Municipal de Cultura, deveriam gerir esforços para reconstruí-lo. Afinal, diz Oviedo, além de ser um escritor que leva a cidade no nome, Apolinário reuniu a escassa intelectualidade da época, responsável pela abertura de escolas noturnas, bibliotecas e museus. Foi abolicionista, defendeu a República e incentivou a autonomia da mulher, sendo vanguardista na difusão dos ideais republicanos. Viveu seus últimos anos na Casa Branca, no Morro Santana, famosa por ter sido quartel-general e hospital dos farrapos.
O professor Arnoldo Doberstein, em seu Estatuários, Catolicismo e Gauchismo, assinala que o escultor Adloff era introspectivo, solitário e desajustado em sua arte. Nas cartas a que Doberstein teve acesso, encontrou registros que lhe sugeriram que o escultor "estava muito à vontade para interpretar a romântica, reflexiva e amargurada personalidade do insigne literato. (...) Na face enegrecida do educador cavou dois profundos vincos transversais, dando-lhe, assim, uma expressão de cansaço e abatimento. No sobrolho alinhou diversas enrugaduras, como indicativo de dúvida e da preocupação.
O indefectível signo dos letrados não podia faltar. Com sua técnica apurada, valorizou sobremaneira o detalhe do livro que o homenageado segura na mão esquerda. O dedo indicador marca a página onde a leitura foi interrompida".
Em uma nota, o autor revela que a pose de Apolinário pode ter sido inspirada em uma foto do escultor aos 20 anos, pois os elementos são idênticos, como a mão no queixo, a expressão nostálgica e o livro com o dedo marcando a página. Segredos de artista.
Inserido no contexto da ideologia nacionalista do período, a memória de Apolinário Porto Alegre faz parte da cidade. No momento em que se encerra a Semana de Porto Alegre, com seus 497 eventos realizados, produzimos mais memória ou amnésia na história da cidade? Com tantos eventos, é lamentável que não tenha havido tempo para pensar na escultura histórica da Capital. A comunidade aguarda um projeto que toque para a frente a ideia de Benedito Saldanha, presidente da Sociedade Partenon Literário, de reconstrução do monumento, cuja ausência ecoa como um silêncio perturbador sobre o autor de uma obra que influenciou a produção literária regionalista do Estado.
Colaboração de Jorge Barcellos, historiador e doutor em Educação