A casa onde Caio Fernando Abreu morou nos seus últimos anos de vida, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, foi demolida nesta segunda-feira (18). O sobrado colonial espanhol foi eternizado pelo escritor em textos como Tentativa de sitiar uma esquisitice, do livro A Vida Gritando nos Cantos.
O imóvel, no número 12 da Rua Oscar Bittencourt, teve licença de demolição total expedida pela prefeitura em abril, junto com a do prédio vizinho, no número 10. O desmonte começou há alguns dias, com a retirada das janelas. Nesta segunda-feira, ocorreu a retirada dos telhados e a derrubada do prédio com maquinário pesado.
A fotógrafa e professora universitária Marina Chiapinotto mora no prédio ao lado e acompanhou a demolição, que acabou por volta das 18h. Nas redes sociais, publicou um vídeo do trabalho com retroescavadeira e a legenda: “Sinto muito, Caio, que o fim da tua casa não tenha sido doce”.
Presidente da Associação Amigos de Caio Fernando Abreu, Liana Farias conta que ficou desolada com a notícia:
— Eu já chorei algumas vezes. Me abalou profundamente, é uma perda muito grande para a cultura.
Liana conta que fãs deixavam velas e flores em frente à casa para homenagear o autor, que morreu em 1996, aos 47 anos, em decorrência de complicações do HIV. Ela destaca que a casa era praticamente um personagem dos textos de Caio Fernando Abreu. Como em Última carta para além dos muros: ''Os muros continuam brancos, mas agora são de um sobrado colonial espanhol que me faz pensar em García Lorca; o portão pode ser aberto a qualquer hora para entrar ou sair; há uma palmeira, rosas cor-de-rosa no jardim. Chama-se Menino Deus este lugar cantado por Caetano, e eu sempre soube que era aqui o porto”.
A associação foi fundada em 2011 para dar suporte ao movimento “Salve a Casa do Caio”, na época em que o imóvel estava sendo leiloado. Liana conta que o objetivo era mobilizar agentes públicos e pessoas interessadas para transformar o lugar em um centro cultural ou, pelo menos, conseguir seu tombamento.
GZH questionou a Secretaria Municipal de Cultura sobre por que o imóvel não foi tombado pelo município, mas a pasta respondeu apenas que "a casa não entrou no inventário do bairro Menino Deus".
Por meio de nota, a Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade informou que a licença de demolição “foi expedida de acordo com as regras de licenciamento urbanístico e ambiental da Capital”. A pasta destacou que se trata de uma área particular e não consta na lista de imóveis tombados ou inventariados pelo Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre. “A análise da equipe da Secretaria é meramente técnica, seguindo o regramento vigente na Capital”, conclui o texto.
A reportagem não conseguiu contato com os proprietários do imóvel.
Manifestação
Uma manifestação em frente ao imóvel demolido foi marcada para esta terça-feira (19), às 12h. Segundo Liana Farias, reivindica-se algum reconhecimento da passagem do Caio por aquele lugar, como uma placa ou outra iniciativa.