Se bater aquela sede durante uma caminhada em um dos três maiores parques de Porto Alegre e você estiver sem uma garrafinha com água, prepare-se para entrar em uma verdadeira caça ao tesouro: dentro dos parques Marinha do Brasil, Farroupilha (Redenção) e Moinhos de Vento (Parcão), existe apenas um bebedouro funcionando em cada. Ou seja, não é uma tarefa fácil encontrá-los.
A reportagem de GZH visitou os parques em busca dos equipamentos e a realidade encontrada foi de depredação e abandono dos bebedouros, que, em sua maioria, são apenas carcaças desativadas — o que pode enganar o sedento frequentador, que enxerga de longe uma fonte de água, tal qual uma miragem, mas, ao se aproximar, encontra apenas lixo dentro dos aparelhos secos.
Confira como é a busca por água dentro dos principais parques da cidade:
Parque Marinha do Brasil
No Marinha do Brasil, a zeladora de banheiros Ana Silva, 52 anos, ressalta que boa parte dos bebedouros foi removida no começo da pandemia e, depois, não foi reativada. Atualmente, destaca ela, as pessoas entram nos banheiros para beber nas torneiras das pias, pois não encontram fontes de água pelo parque.
— Perguntam muito sobre os bebedouros. As pessoas lembram que tinha por aqui, mas não encontram mais. Daí, entram e tomam água direto da pia — conta Ana.
Atrás dos banheiros em que a zeladora trabalha, de frente ao prédio da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Juventude (Smelj), existem três bebedouros abandonados. Seguindo pelo parque, com quase oito minutos de caminhada — e outro equipamento abandonado pelo caminho —, é possível encontrar um funcionando.
A fonte de água fica ao lado da academia comunitária e em frente a uma ducha do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). É o ponto de hidratação do Marinha. Ali, o bebedouro até cumpre bem a sua função, mas o cano que deveria levar a sobra embora está quebrado, despejando a água que desce pelo ralo no solo.
— Ter esse bebedouro aqui do lado da academia é uma mão na roda, muito importante para a hidratação. Claro que, se a água fosse geladinha, ia ser muito melhor. O importante seria colocar bebedouros em outros lugares do parque e uma placa do lado dizendo para o pessoal não se lavar ali, mas utilizar a ducha para fazer higiene pessoal — diz o estudante de administração Matheus Portes, 20 anos, que malha diariamente no Marinha.
Ângela de Freitas, 27 anos, recicladora que vive junto ao marido, Jonatha da Silveira, 32, em uma barraca no Marinha ao lado da estação de tratamento do Dmae, relata que sempre pega água no banheiro com uma garrafa pet, pois o bebedouro é muito longe.
— Se tivesse um bebedouro aqui com água gelada, agora que está chegando o verão, ia ser a melhor coisa para a gente. Não vemos mais bebedouros. Sorte que a tia do banheiro deixa a gente pegar água ali — destaca a recicladora.
Redenção
Na Redenção, o cenário é ainda mais escasso: a reportagem encontro oito equipamentos, com apenas um funcionando plenamente e outro, ao lado das quadras esportivas, vertendo pouquíssima água — para beber, é preciso encostar a boca no orifício. O que funcionava melhor é o da pracinha infantil que fica de frente para a Rua José Bonifácio. O aparelho, porém, está bem escondido e é distante para quem se encontra do outro lado do parque, obrigando uma caminhada longa.
A academia comunitária que fica a poucos metros do espaço de recreação infantil até conta com um bebedouro, porém, com a saída d'água ficando apenas úmida, sem a possibilidade de um ser humano conseguir beber ali, o aparelho serve mais às pombas do parque, que conseguem se hidratar enfiando o bico pelo caninho.
Terminando a sua malhação, o aposentado José Américo Lopes, 76, deixa a academia da Redenção sem poder se hidratar. E ele conta que "faz muito tempo" que não tem água no bebedouro que fica ao lado dos equipamentos de ginástica.
— Quando dá sede, vou no super e compro uma garrafinha de água. Faz muita falta. Várias pessoas procuram. Não sei o que aconteceu, se andaram abusando dos bebedouros, mas acho que a prefeitura precisa reativar logo, ainda mais com o verão chegando — reforça.
Varredor do parque, Gustavo Gomes dos Santos, 43, conta que faz muita falta ter mais bebedouros na Redenção, ainda mais aos finais de semana. Ele conta que é parado muitas vezes por visitantes do parque querendo saber onde é possível encontrar água. Quando conta que há apenas um equipamento funcionando, sempre muito longe, as pessoas se desanimam.
— A maioria dos bebedouros do parque está parada e com lixo dentro. As pessoas querem água. Muitas vezes, é só religar o cano — aponta Santos.
Guardador de carros há mais de 35 anos na Redenção, Luís César Noronha, 61, se via sem alternativas quando a sede apertava. Até que descobriu uma saída, mas que expõe o trabalhador a uma situação de pouca dignidade:
— Ali, no meio dos bancos, tem um buraco com uma torneira dentro que usam para aguar as plantas. Eu me abaixo ali e tomo água. Ou, então, peço para o rapaz que vende pipoca, quando ele está aí para encher a minha garrafinha.
Parcão
Menor que as outras duas áreas verdes, o Parcão está em uma situação um pouco melhor — apesar de ter cinco equipamentos desativados. Não é preciso caminhar tanto para encontrar o seu único bebedouro que funciona. Além disso, ele está melhor localizado, ao lado dos banheiros. O equipamento, porém, apresenta problemas: ao acionar o botão, o jato salta longe e, depois, por algum problema mecânico, fica jorrando por bastante tempo, gerando desperdício.
O fisioterapeuta Luciano Almeiro, 52, frequenta o Parcão quase que semanalmente e destaca que o bebedouro já o salvou da sede mais de uma vez:
— É bem localizado e no caminho para o estacionamento. Mas poderia ter mais, com certeza. É importante ter água acessível.
Adepta de exercícios diários na pista de caminhada do Parcão, a professora aposentada Iara Bittencourt, 68, acredita que faz muita falta ter mais bebedouros pelo parque, mas faz ressalvas:
— É importante também ter qualidade. Não adianta encher de bebedouros que não prestam e, também, não dá para deixar os cachorros tomarem água nos mesmos bebedouros das pessoas.
Cruzando a passarela, bem em frente à Escola Estadual Uruguai, existe um bebedouro. Porém, sem uma gota d’água. O autônomo Pedro Lucas da Silva, 34 anos, que frequenta o local diariamente para buscar o sobrinho Matheus após a aula, reclama de descaso da prefeitura com os frequentadores.
— As crianças reclamam que não tem água no bebedouro, e o meu sobrinho tem que trazer garrafinha para a escola. Para chegar no único bebedouro que tem no parque tem que cruzar a passarela e ir lá do lado dos banheiros. E o bebedouro ainda é vagabundo — afirma.
O que diz a prefeitura
Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), responsável pela zeladoria de parques e praças de Porto Alegre, informa que há um contrato ativo para manutenção de bebedouros nas áreas verdes da cidade e que "os reparos são realizados de acordo com os pedidos do sistema 156 ou após constatação de problemas por parte das equipes que fazem a administração destes espaços”.
A SMSUrb, porém, destaca que bebedouros em locais públicos "são constantemente alvos de vandalismo e depredação" e que, a cada episódio desta natureza, "além dos gastos com a reposição de materiais, ocorre o desperdício de água" quando os canos são quebrados. A secretaria aponta ainda que bebedouros situados em praças da cidade também acabam por "sofrer a ação de criminosos".
Com a pandemia, a responsável pela zeladoria dos equipamentos destaca que, com o objetivo de "evitar o contágio do coronavírus com o uso comum dos bebedouros", optou-se por remover os equipamentos quebrados ou danificados. Além disso, a secretaria enfatiza que "o mau funcionamento decorrente do uso incorreto dos equipamentos gera acúmulo de água, um problema de saúde pública que precisou ser sanado por conta da transmissão da dengue na Capital".
De acordo com levantamento da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), existem 87 bebedouros instalados em 56 praças e parques de Porto Alegre. O órgão destaca que os "reparos ou remoções são realizados pontualmente" e que "a instalação de novos bebedouros é avaliada de acordo com a viabilidade técnica de cada local".
A Smamus dá exemplo de outros parques e praças de Porto Alegre em que existem bebedouros: Praça Estádio Alim Pedro, Praça Parque Vinte de Maio, Praça Brigadeiro Sampaio, Parque Gabriel Knijnik, Parque Marechal Mascarenhas de Moraes e Parque Germânia.