A presença de flanelinhas no entorno do Acampamento Farroupilha em Porto Alegre voltou a gerar reclamações de motoristas em relação à atividade, que está proibida desde janeiro de 2020 na Capital. Prestes a completar três anos em vigor, a lei complementar nº 874 ainda não conseguiu efetivar a punição prevista e enfrenta desafios na hora da fiscalização.
Pela norma, a atividade de guardador de veículos, flanelinhas ou assemelhados nas ruas de Porto Alegre não é permitida. Quem é flagrado deve ser multado em R$ 300, ou em R$ 600, em caso de reincidência.
A Guarda Municipal autuou 476 pessoas na Capital desde a implantação da legislação. Nenhuma delas pagou a multa administrativa, algo que já ocorria desde o primeiro ano da lei. Em novembro de 2021, GZH mostrou que 454 haviam sido multados. Desde então, foram mais 22 autuados, uma média de dois por mês desde aquela ocasião.
Para o comandante da Guarda Municipal de Porto Alegre, Marcelo do Nascimento, a redução de multas ocorre pela dificuldade de flagrar as ações com a chegada da viatura ostensiva.
— O flagrante fica mais difícil agora que eles não são mais pegos de surpresa, como no início da lei. Eles disfarçam quando visualizam a Guarda ou saem correndo. Não há como colocar um agente em cada esquina — explica.
A pandemia também teve influência nas fiscalizações. O comandante avalia que, com o distanciamento social e a ausência de grandes eventos, houve uma queda de ocorrências. No entanto, com a retomada gradual das atividades, a quantidade de denúncias sobre flanelinhas voltou ao nível anterior à proibição, fazendo com o que o trabalho da Guarda tivesse que ser reforçado.
Sobre a situação no Parque Harmonia, Nascimento afirma que houve pelo menos 28 denúncias de flanelinhas atuando na região em setembro, o que fez com que a Guarda intensificasse a fiscalização. Conforme o comandante, um dos casos gerou uma prisão por ameaça.
— A atividade é proibida, no entorno do parque tem áreas que são específicas para estacionamento e estão autorizadas pela administração (do Harmonia) e a prefeitura. Fora disso, não é permitido — esclarece Nascimento, ao se referir ao espaço entre as quadras do trecho 1 da Orla e o Arroio Dilúvio (antes do Anfiteatro Por do Sol) e também ao terreno em frente ao prédio do Ministério Público.
O presidente do Sindicato dos Guardadores de Automóveis de Porto Alegre, Júlio Moura, explica que há de 30 a 40 guardadores vinculados à entidade que estão trabalhando em um espaço dentro do parque, autorizados pela prefeitura. De acordo com a lei, áreas internas não se enquadram na proibição, que é destinada a vias públicas.
— A gente está fazendo o que foi instruído pelo governo, até por causa da empresa que tem o direito de uso e concessão. Então a gente tem que manter o preço deles, não é porque a gente quer cobrar o valor "tal". Dia de semana é R$ 30 e final de semana é R$ 40 — diz Moura.
GZH questionou a Guarda Municipal e o consórcio GAM3 Parks, que administra o Parque Harmonia, sobre os valores aplicados pelos guardadores vinculados ao sindicato. Ambos informaram não serem responsáveis por estabelecer o preço cobrado.
Na manhã desta terça-feira (20), a reportagem circulou pela região e flagrou vários flanelinhas atuando perto de áreas com a presença da Guarda Municipal, EPTC e Brigada Militar. Um dos homens ofereceu uma vaga para estacionar na Avenida Augusto de Carvalho por R$ 20 e alegou estar trabalhando com autorização da prefeitura. No mesmo local, outro pedia R$ 30, mas logo baixava o valor quando o veículo começava a se deslocar.
Em outro ponto, entre a Rua Ibanor José Tartarotti e a Avenida Loureiro da Silva, pelo menos três flanelinhas abordavam motoristas, incluindo o carro da reportagem. Duas viaturas da Guarda Municipal estavam presentes no trecho, uma no começo e outra no final da via. O comandante da Guarda, Marcelo do Nascimento, disse o efetivo seria reforçado para verificar os casos.
Multas sem pagamento
Sobre as 476 pessoas multadas desde o início da lei, mais de 250, ou seja, 52%, estão inscritas em dívida ativa, SPC e Serasa, segundo a prefeitura. Para o secretário adjunto Operacional da Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG), Luís Zottis, a falta de pagamento tem relação com uma questão cultural de não quitar dívidas ou de a pessoa não ter recursos para isso.
— Temos esse problema, que já é o contexto dos devedores. Se aquela pessoa não vai ter um prejuízo na sua vida, ela empurra esse pagamento, diferente da multa de trânsito, por exemplo — analisa Zottis.
É uma extorsão quase que velada. Se as pessoas denunciassem mais, poderíamos coibir
LUÍS ZOTTIS
Secretário sdjunto Operacional da Secretaria Municipal de Segurança
O secretário adjunto também observa que é necessária uma maior colaboração da população para identificar casos em que o motorista paga ao flanelinha por se sentir coagido.
— É uma extorsão quase que velada. Se as pessoas denunciassem mais, poderíamos coibir.
Diante desses casos, a prefeitura orienta que a população comunique, pelo telefone 153 da Guarda Municipal, quais são os locais e as características das pessoas que estão exercendo a atividade irregular. Por segurança, é recomendado que a ligação seja feita de longe, para que seja possível realizar o flagrante.
Casos que configurem outros crimes, como ameaça, extorsão ou lesões, devem ter registrados em uma delegacia da Polícia Civil. Apesar de não poder aplicar multas, a Brigada Militar também pode oferecer apoio.
Sem conseguir sustento
Quando entrou em vigor, a lei que proibiu a atuação de guardadores de veículos e flanelinhas previa que o Executivo municipal elaborasse um plano para inserção de quem estivesse registrado na função. Antes da legislação, um levantamento da prefeitura contabilizou cerca de mil pessoas exercendo a atividade em Porto Alegre. Hoje, não há dados sobre quantos seguiram trabalhando ou migraram para outras funções.
Não sei mais o que vou fazer. Já tentei ir trabalhar e me proibiram. Eu não sou bandido, não sou ladrão, sou uma pessoa decente, um ser humano. Tenho certeza que nesse meio tem muitas pessoas boas
JÚLIO MOURA
Presidente do Sindicato dos Guardadores Automóveis de Porto Alegre
— Os guardadores não podem perder o direito de trabalhar e de exercer uma atividade que não foi terminada, porque o Ministério do Trabalho ainda faz o registro — afirma o presidente do sindicato dos guardadores.
A entidade já chegou a registrar cem profissionais legalizados, mas a proibição fez com que o grupo fosse diminuindo, ficando, hoje, abaixo de 50. Mesmo estando à frente do sindicato, Júlio, que tem 47 anos, conta que improvisa para garantir o sustento da família.
— Não sei mais o que vou fazer. Já tentei ir trabalhar e me proibiram. Eu não sou bandido, não sou ladrão, sou uma pessoa decente, um ser humano. Tenho certeza que nesse meio tem muitas pessoas boas. Estou vendendo TriLegal na rua. O único meio hoje para eu não estar passando fome e necessidade é o auxílio emergencial que o governo está fornecendo. Às vezes, eu vou pegar uma cesta básica — desabafa.