Esta quinta-feira (18) foi o último dia da Void na Padre Chagas, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Ainda que os proprietários da rede, que conta com outras três operações no Rio de Janeiro e uma em São Paulo, estejam procurando um novo local para reabrir a operação do primeiro estabelecimento da capital gaúcha, não há uma região ou prazo estipulado para isso. O local foi ponto de encontro alternativo da classe média ao longo dos últimos sete anos.
O bar/loja reunia opções de cerveja, drinques, vestuário, tênis, acessórios e itens de tabacaria em um conceito de general store. Com abertura ao meio-dia, viu o movimento diminuir consideravelmente ao longo de 2021 e 2022, tornando o negócio insustentável mesmo com a volta da circulação das pessoas nas ruas pós-restrições pandêmicas. Aos finais de semana, a busca por um ambiente aberto com bebidas voltava a ser um atrativo, porém, o público era cada vez menor.
— Durante o verão, o movimento foi melhor, mas, com a chegada do frio, piorou muito. São ciclos, o público dos bares está indo para o 4º Distrito. O máximo que vi de movimento nestes últimos meses foi as mesas da varanda lotadas, mas não de fechar a rua, como acontecia antes. A rua em si está mais vazia. Antes, tinha sempre viatura da polícia aqui na esquina, agora nem isso — comenta Rodrigo Arriola, 28 anos, garçom da Void desde novembro do ano passado, um dos dois responsáveis pelo turno derradeiro do bar.
Durante a hora em que a reportagem esteve no local, entre o meio-dia e as 13h, quatro pessoas entraram, mas só duas interagiram com os atendentes. Uma mulher pediu um café para se aquecer do frio de 13°C que fazia na rua, mas a máquina em cima do balcão já não tinha grãos. Depois, um rapaz com roupas de motoboy quis um refrigerante, mas essa opção também já não estava mais disponível. Segundo os atendentes, este era o ritmo normal de frequentadores em horário comercial em dias úteis.
Responsável pelo caixa, Diuly Oliveira, 22, foi quem explicou as ausências de itens aos fregueses. Ela conta que tanto os artigos de vestuário quanto as bebidas devem ser levados a outros pontos comerciais da Void no Brasil — ou para a nova sede, quando o local for definido. O céu nublado e o horário do último turno da dupla afastaram eventuais degustadores das cervejas e do campeão de vendas: o drinque Gela Crânio.
— Receitinha da casa, só quem é “voider” sabe — ri Diuly, apontando para as máquinas misturadoras.
Em um tanque, vodca e raspadinha de morango, em cor rosa. No outro, gim e raspadinha de maracujá amarelada. O copo de 500ml com a mistura de consistência congelada vai para a mão do cliente acompanhado de uma lata de energético. O combo custa R$ 34,90.
— Sai muito. Uma noite em que estava 4°C vendemos uns dois tanques de cada, o pessoal gosta — garante Rodrigo.
Clima de despedida
Diuly e Rodrigo já foram avisados de que seus contratos serão encerrados nesta quinta. Nenhum deles sabe dizer qual o futuro da Void em Porto Alegre, mas acreditam que a loja pode dar certo se for para o 4º Distrito, atrás de seu público, ou investir na venda de roupas e acessórios seguindo na Padre Chagas.
Mesmo assim, ambos curtiram as últimas horas como funcionários do mesmo jeito que conheceram o bar. A playlist que soava nas caixas de som tinha o acompanhamento vocal de Diuly durante os preparativos para começar a jornada, enquanto Rodrigo assegurava que o ambiente do bar estivesse tão receptivo quanto em qualquer outro dia.
Do lado de fora, um pote com água abastecido e posicionado por Rodrigo serviu para matar a sede de um cachorro da vizinhança. Ele e Diuly foram frequentadores e fãs das noites da Void antes de trabalharem no local.
— Foi um lugar que me deu a oportunidade de ser quem eu sou de verdade. Conte muito com o respeito e a educação, tanto dos clientes quanto dos colegas daqui — agradece Diuly.
Referência cultural
Mais do que servir drinques gelados e cervejas a R$ 15, o bar marcou época reunindo diferentes públicos da classe média-alta porto-alegrense. Os postes e placas de trânsito mais próximos à Void, na esquina da Padre Chagas com a Rua Luciana de Abreu, são cobertos por adesivos que indicam os hábitos de consumo de quem encontrou lazer e um ambiente descontraído por ali.
Do lado de dentro, a estética também conversa com o caráter alternativo e contemporâneo ao qual o bar se propôs. Meia dúzia de quadros de avisos assinados pela Void dizem que a casa “não tolera nenhum tipo de preconceito ou assédio”. Um monitor com a imagem da icônica Monalisa, de Leonardo Da Vinci, anima a musa e a mostra tirando selfies, provando óculos e dando animados goles em um Gela Crânio. No balcão que expõe acessórios para confecção e transporte de cigarros artesanais, uma plaquinha acima do pote com algumas poucas moedas de gorjeta (“tips”, em inglês) promete: “Quem dá tip$ transa”.
A poucas horas de baixarem as portas pela última vez, Diuly e Rodrigo almoçaram um pastel de forno do mercado da esquina em frente. Simpática e sem demonstrar tristeza pelo fechamento, apenas uma nostalgia lamentando a baixa procura pelo local, a dupla parecia seguir o mantra que algum dos poucos clientes recentes deixou escrito na porta do banheiro: “Se o tempo é curto, eu curto até o fim”.