O prédio situado no número 11 da Rua Caldas Júnior, na esquina com a Avenida Mauá, no Centro Histórico de Porto Alegre, poderia virar tema de documentário ou até de filme de ação no cinema. O imóvel, erguido nos anos 1940 com recursos do extinto Banco Nacional de Habitação, chegou a ser usado por assaltantes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) — grupo criminoso mais conhecido do país e com forte atuação em São Paulo —, que cavaram 85 metros de um túnel subterrâneo em direção às agências do Banrisul e da Caixa Econômica Federal na quadra vizinha, em uma tentativa de assalto frustrada em setembro de 2006. Na ocasião, 26 pessoas foram detidas pela Polícia Federal. A edificação ainda passou por ocupações (leia mais abaixo), mas agora o cenário é de significativa transformação.
— Passamos por um processo minucioso de limpeza e removemos toneladas de resíduos do prédio, como caliça, metal e parquês. Neste momento, estamos executando a fachada do prédio e a laje do elevador — explica o empresário Kleber Sobrinho, que adquiriu o imóvel por meio de suas empresas (incorporadora Recons e a Toniolo Engenharia). O escritório de arquitetura A3 foi contratado pelo empresário para executar a obra.
Seis meses depois da aprovação do projeto pela prefeitura, Sobrinho conta que 10% da obra já foi executada e que a previsão de entrega segue sendo para dezembro de 2023. Quinze apartamentos já foram vendidos, e ele espera começar a oferecer os demais ao mercado em, no máximo, 60 dias.
— Nosso maior trabalho está em refazer a escada, transformando-a em enclausurada — diz, salientando que haverá uma operadora coordenando as locações dos apartamentos.
O Cais Rooftop possuirá nove pavimentos, sendo seis destinados para abrigar 48 apartamentos mobiliados de 25 a 51 metros quadrados. No terraço, ficará um restaurante com vista para o Guaíba. Outro andar servirá de apoio ao projeto gastronômico.
— O restaurante no terraço é o eixo central do projeto. Refletimos sobre que lugar da cidade consegue vislumbrar atualmente o Guaíba, além da Usina do Gasômetro, da Orla e do Cais Embarcadero, mais de cima e de outro plano. Chegamos à ideia do restaurante, que será aberto ao público — afirma, mencionando ainda um mercado autônomo no térreo, que estará à disposição dos moradores e do público em geral.
O empresário cita a questão da segurança na área central da cidade. E antecipa algumas características do prédio:
— Será um dos únicos prédios do centro de Porto Alegre iluminado durante a noite. Vamos trazer sensação de segurança, de vivacidade na fachada, e todas as aberturas do prédio terão vitrines abertas levando iluminação para a calçada — conclui.
O imóvel, que pertenceu durante muito tempo à Caixa, até ser leiloado para um empresário da Capital, que o revendeu em 2006, passou anos desocupado e sem função. O Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) o ocupou em quatro oportunidades. Trabalhadores sem-teto viveram no local durante três anos, entre 2011 e 2014. Na última vez, a denominada Ocupação Saraí travou embates judiciais na tentativa de garantir a ocupação original do prédio. Um decreto do então governador Tarso Genro (PT) a transformou em moradia social em 2014. Entretanto, a reintegração de posse foi pedida na Justiça em seguida pelo proprietário. A desocupação ocorreu na gestão do governador José Ivo Sartori (MDB), em agosto do mesmo ano.
Em junho de 2021, Kleber Sobrinho comprou a edificação. A limpeza interna começou na sequência. Desde então, o local, que fica a apenas 180 metros de distância do pórtico central do Cais Mauá, passa por obras.
O conceito do Cais Rooftop segue as novas regras da Lei Complementar nº 930/2021, que autoriza a reabilitação de edificações na área central da Capital. O empresário espera lucrar R$ 18 milhões com o investimento.
Empreendimento atenderá a uma série de contrapartidas:
- Qualificação das fachadas com frente para a via pública
- Uso misto residencial e não residencial
- Requalificação do patrimônio histórico
- Utilização de cobertura verde do tipo rooftop
- Priorização de acesso público
- Emprego de ações de sustentabilidade na edificação, como utilização de energias renováveis, materiais ecológicos e uso de placas fotovoltaicas.
Outros locais da região central devem passar por revitalização semelhante
O secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm, compartilha que cerca de 20 projetos de revitalização tramitam neste momento na prefeitura. Porém, muitos se tratam de intervenções ou ajustes menores.
— Existem outros projetos bem impactantes no Centro que estamos tratando — resume o titular da pasta, explicando que ainda não pode dar maiores detalhes.
A reportagem apurou que deverão passar por situação parecida o terreno vazio localizado na Rua Duque de Caxias (ao lado do Museu Julio de Castilhos), a Garagem Mauá e o prédio do INSS (localizado na Travessa Mário Cinco Paus).