O conjunto de novos parâmetros para prédios do Centro Histórico de Porto Alegre começará a virar realidade a partir da esquina da Rua Caldas Júnior com a Avenida Mauá. A 180 metros do pórtico central do Cais Mauá, o empreendimento Cais Rooftop combinará 48 apartamentos em seis pavimentos com outros três pisos comerciais - incluindo restaurante na cobertura aberta ao público. A inovação marcará a nova fase do edifício que foi construído para ser moradia social e já recebeu uma ocupação com cerca de 40 famílias.
O número 11 da Caldas Júnior passou décadas abandonado. Foi utilizado em 2005 e 2006 por assaltantes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC) que tentavam cavar túnel até a agência do Banrisul na quadra vizinha, em uma tentativa de assalto frustrada. Depois, entre 2011 e 2014, famílias de trabalhadores sem teto ocuparam o local. A chamada Ocupação Saraí travou batalhas judiciais tentando garantir o uso original do imóvel. Um decreto do governador Tarso Genro (PT) a transformou em moradia social em 2014, quando o IBGE apontava a existência de 48 mil moradias sem uso em Porto Alegre. Porém, no mandato sucessor de José Ivo Sartori (MDB), a reintegração de posse foi pedida na justiça pelo proprietário, que deveria ser indenizado para que a decisão de Tarso tivesse efeito prático. A desocupação definitiva aconteceu em agosto de 2014.
Sete anos depois, o corretor de imóveis Kleber Sobrinho e três empresas parceiras vislumbraram a reforma completa do edifício que deve ser reinaugurado sob as novas diretrizes do bairro até dezembro de 2023. A comercialização do imóvel adquirido em junho de 2021 virá acompanhada de contrapartidas para a cidade.
— Abrimos mão de maiores lucros que teríamos vendendo apartamentos na cobertura para que exista um rooftop que todo portoalegrense possa frequentar para aproveitar a vista panorâmica para o Guaíba ou fazer uma refeição, além de transformar o térreo em área de circulação condominial. Acredito que o prédio será um ícone para a cidade, tem tudo para ser um ponto de encontro dos porto-alegrenses — enaltece Sobrinho, detalhando que a capacidade para os dois últimos andares será de até 300 pessoas ao mesmo tempo.
Do térreo com um minimercado automatizado até os dois andares de cobertura com vista panorâmica no número 11 da Rua Caldas Júnior serão 420 metros quadrados de uso comercial e 211 de circulação comum - academia, lavanderia, área pet e recepção. As unidades residenciais variam de 25 a 51 metros quadrados, com um dormitório cada, entre o segundo e sétimo piso.
A recuperação da região do Cais Mauá
Segundo Kleber Sobrinho, especialista em Centro Histórico e um entusiasta do potencial dos novos empreendimentos da região, os primeiros trabalhos de limpeza começaram ainda em 2021, antes mesmo da prefeitura estabelecer os parâmetros do chamado novo Plano Diretor do Centro Histórico. Ele diz que foram retiradas cerca de 15 toneladas de entulhos, papéis, madeiras e gesso, e que tudo foi reaproveitado e reciclado por empresas especializadas.
— Quando subi aqueles andares ainda com o material a ser removido, já senti que aquele lugar poderia ser ressignificado com um potencial de iniciar um ciclo novo no bairro — relembra, e destaca a localização do empreendimento: — Em Porto Alegre não importa qual zona uma pessoa mora, a quantos metros está do Guaíba ou de altura, se neste imóvel existe uma janela com vista para o rio, o morador fala com todas as letras que ele tem vista para o Guaíba. Isso é um patrimônio da cidade.
O projeto e a obra são encaminhados pela incorporadora Recons em parceria com a Toniolo Engenharia e o escritório de arquitetura A3. Sobrinho revela que a futura cor do imóvel foi decidida a partir de uma análise dos tons existentes em outras construções históricas do Centro. A grande atração gastronômica nos dois últimos andares ainda não teve a grife decidida, mas o corretor garante que as tratativas estão avançadas.
— Já conversamos com três restaurantes renomados — afirma Kleber, protegendo a identificação das marcas devido à cláusula de confidencialidade estabelecida nessa fase de negociações.
Inovação física e virtual
Todos apartamentos são de frente, sem aberturas de ar-condicionado, pois em cada andar haverá uma laje específica para concentrar todas esperas de refrigeração nos fundos. Além disso, haverá área para reuniões virtuais com ferramentas e cenários específicos para exposição em redes sociais. A inovação está também no regulamento do condomínio: o prédio terá normas adaptadas para proprietários que queiram alugar seu apartamento na modalidade estadia curta, através de plataformas digitais que façam a conexão entre inquilinos e locatários.
As contrapropostas
Os novos parâmetros de altura e utilização mista de imóveis no Centro Histórico foram propostos pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (SMAMUS) pedindo em troca pelo menos quatro de oito ações de melhoria para a região do imóvel. No caso do Cais Rooftop, serão feitas:
- Qualificação das fachadas com frente para a via pública, priorizando o uso de fachadas ativas ou criação de amenidades, nas fachadas, em relação ao espaço público;
- uso misto residencial e não residencial nas edificações;
- requalificação ou restauração do Patrimônio Histórico;
- utilização de cobertura verde tipo rooftop, com priorização de acesso público;
- qualificação do passeio na frente do imóvel, atendendo à acessibilidade universal, contribuindo para a iluminação da via para pedestres e ciclistas e para a vitalidade urbana
As outras opções são:
- Atendimento à DHP (Demanda Habitacional Prioritária);
- ações em segurança pública;
- emprego de pelo menos três das seguintes ações de sustentabilidade na edificação, conforme regulamento: utilização de energias renováveis; utilização de materiais ecológicos; captação e aproveitamento de água pluvial; implementação de sistema de reuso de águas servidas; aquecimento solar de água; uso de placas fotovoltaicas.