O tradicional grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, uma das grandes referências artísticas de Porto Alegre, está de mudança. O novo espaço para sediar o Centro Cultural Terreira da Tribo ficará no 4º Distrito. O anúncio oficial será feito pela prefeitura nos próximos dias.
— Localizamos um terreno com bastante potencial. Fica no 4º Distrito e o grupo vai recebê-lo com o imóvel que existe no local — antecipa o secretário municipal da Cultura, Gunter Axt, salientando que a área precisa ser grande e com capacidade de abrigar cenários maiores.
O terreno anteriormente cedido, situado na Rua João Alfredo, esquina com a Erico Verissimo, está sendo cercado nos últimos dias pela prefeitura. Assim que o Executivo chegar a acordo com o grupo, a área no bairro Cidade Baixa será devolvida ao município para ser utilizada para outros fins. Os artistas receberão um novo Termo de Permissão de Uso (TPU) para ficarem abrigados no 4º Distrito.
— A Terreira da Tribo é um grupo bastante tradicional, devemos considerá-lo como um patrimônio da cidade pela importância que tem e pela projeção nacional e internacional. Acho que é um ente que merece todo o respeito — elogia o titular da pasta da Cultura.
Mudar de endereço não chega a ser uma novidade para o grupo. A Terreira da Tribo ficou durante 15 anos sediada na Rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa. No final de 1999, foi para a Rua João Inácio, no bairro Navegantes. Desde 2009, o Centro Cultural Terreira da Tribo está localizado na Rua Santos Dumont, 1.186, no bairro São Geraldo.
Após boatos sobre a venda do terreno da Cidade Baixa para uma construtora, a reportagem apurou que a Melnick não tem nenhum projeto em desenvolvimento para o terreno pertencente à prefeitura na João Alfredo. O vice-presidente de Operações da empresa, Marcelo Guedes, afirmou que a área não está nos planos.
— É uma área de patrimônio da prefeitura. Não sei se pretendem levar a edital para venda, não temos informação. Até pelo tamanho dele, não é do nosso perfil de atuação — comenta.
Os artistas não escondem a ansiedade, e ainda não foram comunicados sobre o futuro endereço.
— Eu acho que se ele (secretário da Cultura) disse isso, então deve dizer para nós em breve também — observa Tânia Farias, integrante do Ói Nóis Aqui Traveiz.
Segundo a artista, a pandemia foi um período bastante difícil para o grupo, especialmente por ter que bancar o aluguel da sede atual, na Santos Dumont, onde o valor mensal custa R$ 12 mil. Mesmo assim, o futuro é encarado com esperança:
— A gente está querendo há tanto tempo que isso aconteça (ter uma sede nova). A gente segue acreditando. Estamos do lado do sonho. O ser humano vale a pena — reflete.
Se o 4º Distrito for confirmado como destino, então a mudança não trará grandes deslocamentos. Na verdade, a Terreira já fica em um bairro da região. Atualmente, são 16 atuadores fixos, mais alunos e as pessoas contratadas para diversas funções. O grupo se reuniu em 1977 e realizou a primeira apresentação em 1978. Desde então, faz parte da história cultural da Capital.
Entenda o cercamento da área
Questionada sobre os motivos para isolar a área na Cidade Baixa, a Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio (Smap) informou que “o cercamento está dentro do planejamento que temos para garantir a segurança e a preservação dos terrenos do município”.
A pasta explicou que o terreno foi cedido gratuitamente ao grupo de artistas em 2008, por meio de TPU. Tratava-se de um convênio firmado com o Ministério da Cultura para construção de sua sede, com aporte de recursos públicos. Porém, nunca houve a construção devido a problemas burocráticos e financeiros.
Segundo a prefeitura, "a cedência gratuita de bem público e o emprego de recursos públicos, sobretudo sem ressarcimento, requer responsabilidades e contrapartidas que beneficiem à população de modo geral. Por isso, na cláusula nova do termo de permissão de uso constam as obrigações do grupo com relação ao terreno, entre elas incluem-se a manutenção do imóvel em bom estado de conservação e higiene, zelando por sua limpeza, manutenção e vigilância, e evitar que terceiros venham a utilizar irregularmente o imóvel".
Ainda há outras orientações da pasta, como a obrigação de o grupo entregar o imóvel ao município em perfeitas condições de uso, desocupado, inclusive com relação à ocupação de terceiros, entregando o bem livre e desembaraçado de qualquer ônus.
O imóvel permanece cedido ao grupo enquanto a Secretaria Municipal de Cultura (SMC) conduz tratativas a fim de resolver amigavelmente a entrega do terreno nos termos do documento firmado. A prefeitura informou que o cercamento ocorre com o objetivo de se evitar invasões, depredações e depósito de lixo.
História do grupo
A Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz foi criada em 1984, na Cidade Baixa. Promove um teatro revolucionário e desenvolve oficinas teatrais de iniciação, pesquisa de linguagem e treinamento de atores, inclusive a elaboração e montagem dos espetáculos. Durante o período da ditadura militar, o grupo sofreu repressão em suas manifestações na rua e teve o seu teatro fechado, além de uma peça censurada. Quando o grupo foi para o bairro Navegantes, se transformou em Escola de Teatro Popular.
A página do grupo na internet destaca uma série de experiências do teatro de rua, com montagens como A Exceção e a Regra, de Bertolt Brecht (1987 e 1998), Deus Ajuda os Bão, de Arnaldo Jabor (1991), Os Três Caminhos Percorridos por Honório dos Anjos e dos Diabos, de João Siqueira (1993), O Amargo Santo da Purificação - Vida, Paixão e Morte do Revolucionário Carlos Marighella (2008), entre outros.
Também encenou espetáculos como As Domésticas, de Jean Genet (1985), Fim de Partida, de Samuel Beckett (1986), Kassandra in Process - A Gênese (2001), Aos Que Virão Depois de Nós - Kassandra in Process (2002), entre outros. Em 2009, o grupo foi para o bairro São Geraldo.
Durante a pandemia, a Terreira ficou fechada. Em 2020, criou uma websérie registrando as suas ações artístico-pedagógicas. Promoveu, ainda, encontros virtuais para debater os diferentes aspectos da história e da criação do grupo. Houve apresentações no canal do YouTube do Ói Nóis Aqui Traveiz, possibilitando aos artistas o uso da linguagem audiovisual.
A Terreira da Tribo já reabriu as atividades presenciais. A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz apresentará, entre 13 de junho e 5 de julho, Quase Corpos: Episódio 1 - A Última Gravação. O espetáculo foi produzido durante a pandemia. As apresentações serão nas segundas e nas terças-feiras, às 20h, na atual sede da Terreira da Tribo (Rua Santos Dumont, 1.186). Mais informações e ingressos podem ser acessados aqui.