Para que chegasse no estágio de desenvolvimento urbano em que se encontra, Porto Alegre teve, ao longo de seus seus 250 anos, algumas obras marcantes. As intervenções acompanharam o crescimento da cidade e trouxeram soluções para problemas que a população enfrentava. Algumas construções mudaram o desenho da cidade e seguem em evidência até hoje.
A cidade se expandiu a partir das águas do Guaíba, com a construção do Cais do Porto. O desenvolvimento era mais acentuado na região central, onde projetos ambiciosos saíram do papel. Depois, no século 20, o eixo se transferiu para outros bairros da cidade. O Centro voltaria a ser palco de revitalizações mais recentemente, novamente marcantes, como o trecho 1 da nova Orla. Nada na cidade seria igual a como é hoje, porém, não fossem as essenciais intervenções ocorridas no passado. Veja cinco dessas obras que redefiniram Porto Alegre:
Viaduto Otávio Rocha
Em 1914, o primeiro plano diretor de Porto Alegre previu a abertura de uma rua que ligaria as zonas Leste, Sul e central da Capital — até então, isoladas pelo chamado "morrinho". A construção dessa obra, no entanto, ocorreria apenas em 1926, quando o intendente (prefeito) Otávio Rocha, juntamente ao presidente de Estado (governador) Borges de Medeiros, determinou a abertura de uma avenida passando debaixo da Rua Duque de Caxias.
Em 1927, foi aprovado o projeto para o Viaduto Otávio Rocha. No ano seguinte, começaram as desapropriações necessárias e o "morrinho" foi implodido para a abertura do viaduto. Em ambos os lados da avenida foram edificadas amplas escadarias de acesso até o nível superior do viaduto, sustentadas por grandes arcadas, debaixo das quais hoje existem salas ocupadas por estabelecimentos comerciais e instalações sanitárias. A obra foi finalizada e entregue em 1932, demorando seis anos para ser concluída.
Essa obra desalojou uma série de habitações populares que existiam ali e fez uma segregação social. Essa visão conservadora acabou expulsando as populações pobres e os cortiços do Centro
CHARLES MONTEIRO
Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Escola de Humanidades da PUCRS
Após décadas de descuido, entre 2000 e 2001, o local passou por uma ampla reforma para recuperar a aparência original da estrutura. O professor Charles Monteiro, do Programa de Pós-Graduação em História da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), avalia a relevância da obra:
— O Viaduto Otávio Rocha está relacionado ao processo de modernização urbana que aconteceu na República, e também ao crescimento econômico e industrial de Porto Alegre, que ocorreu por volta de 1910. Começou com o Plano Geral de Melhoramentos de 1914, do arquiteto João Moreira Maciel, que propôs uma série de regularizações de ruas, entre as quais a Borges de Medeiros, e avenidas junto ao porto. Começou a ser construído de uma forma muito moderna para o bonde passar por ali em 1928, e foi concluído em 1932. Essa obra desalojou uma série de habitações populares que existiam ali e fez uma segregação social. Essa visão conservadora acabou expulsando as populações pobres e os cortiços do Centro.
Cais do Porto
A ideia de construir um porto na capital gaúcha surgiu em 1833, quando a Câmara Municipal aprovou um projeto de alinhamento desde onde fica hoje a Usina do Gasômetro até o Caminho Novo (atual Rua Voluntários da Pátria) — que ficaria a cargo dos próprios donos daqueles terrenos. O projeto, no entanto, não deu certo.
Após quase duas décadas, em 1850, a primeira parte do porto começou a ser construída na altura da Praça Pereira Parobé, acompanhando a construção do Mercado Público. Se resumia em uma doca de atracação em pedra, mas de pouca utilidade em função de seu pequeno tamanho e pelo fato de sofrer constante assoreamento. Entre 1856 e 1858, foi erguida uma murada de pedra na altura da Praça da Alfândega.
Com a realização de obras de sinalização da Lagoa dos Patos, somadas à construção dos seus faróis, o porto da Capital começou a ser mais procurado por embarcações nacionais e estrangeiras e como estação central no sistema de navegação fluvial da Bacia do Guaíba. Devido à alta demanda, os trapiches e pontes se multiplicaram, e a planta oficial da cidade, em 1900, já mostrava mais de 30 docas no Cais do Porto.
— Porto Alegre se desenvolveu em torno das atividades portuárias. A navegação na Lagoa dos Patos, no Guaíba, no Jacuí, no Caí e no Sinos eram os caminhos da interiorização para a conquista dos territórios. Houve o aterramento do Centro em vários momentos, e o do Cais começou em 1911. Teve a ver com o crescimento econômico da cidade. O primeiro trecho (1911-1919) foi lento, de aterramento e aprofundamento do canal. Em 1921, os primeiros guindastes e trens elétricos foram entregues, e o Pórtico Central começou a ser construído um pouco antes. Era a grande entrada da cidade, como acontecia em localidades da França e da Inglaterra, que inspiraram aquele acesso e os armazéns que guardavam os produtos — diz o professor Charles Monteiro.
Canalização do Arroio Dilúvio
Antigamente, o riacho denominado de Rio Jacareí desaguava na Ponta da Cadeia, ao lado da Usina do Gasômetro. Antes de chegar ali, passava embaixo da Ponte de Pedra, que existe ainda hoje no Largo dos Açorianos.
Na década de 1940, a cidade cresceu e contava com uma população superior a 180 mil habitantes. Houve então a necessidade da implantação de um sistema de esgotos e de iluminação pública, além de um eficaz abastecimento de água.
O cenário da época era de necessidades de saneamento e um problema em série de inundações decorrentes de fortes chuvas, tanto que foi assim que surgiu a denominação de Arroio Dilúvio. Em 1941, a Capital sofreu a pior enchente de sua história, ocasião em que a região central da cidade foi tomada pela água, o que fez a prefeitura decidir pela reestruturação do Dilúvio — o curso d'água ameaçava os moradores das áreas mais baixas, principalmente dos bairros Menino Deus, Azenha e Santana.
Na gestão de Loureiro da Silva, entre 1939 e 1943, o primeiro trecho canalizado foi implementado desde a foz até as proximidades da Avenida João Pessoa. A obra contou com o auxílio do governo federal e demorou mais de 40 anos para ser concluída. O último trecho a ser finalizado foi o cruzamento da Avenida Ipiranga com a Rua Antônio de Carvalho. Mesmo tendo sido projetado como um arroio próprio, para diferentes usos pela população, até hoje as escadarias localizadas em diferentes pontos sugerem a ideia de barcos terem navegado por seu trajeto. Porém, nos anos 1970, o arroio não tinha mais serventia a não ser o escoamento de esgoto.
— A canalização do Arroio Dilúvio iniciou no final dos anos 1930 e no começo dos anos 1940, com a necessidade de retificar o curso do Dilúvio, que tinha vários braços. Com as chuvas, transbordava e inundava as regiões mais baixas da cidade. Esse processo de canalização se estendeu até os anos 1960. Também houve o surgimento da Avenida Ipiranga que é uma importante artéria da cidade. O processo teve a ver também com o crescimento do Centro, que exigiu a expansão da área em direção à Zona Sul — conclui o professor da PUCRS.
Antiga Ponte do Guaíba
Até a década de 1950, a travessia de Porto Alegre para a cidade de Guaíba, na Região Metropolitana, era feita sobre o delta do Jacuí, por meio de balsas que saíam da Vila Assunção, na zona sul da Capital. A partir de 1953, com a saturação do sistema de balsas, o governo começou a discutir outras formas para a população se deslocar entre as cidades. Foram apresentados 12 projetos de cinco empresas, com a proposta da construção de uma ponte ou túnel saindo da região central.
A proposta vencedora foi a de uma ponte que aproveitasse as ilhas sobre o lago. O projeto foi elaborado na Alemanha, em 1954, e analisado no Laboratoire Dauphinois d'Hydraulique, em Grenoble, na França. O contrato da construção foi assinado em 26 de outubro de 1954, pelo então governador Ernesto Dornelles. A obra se iniciou quase um ano depois, em 20 de outubro de 1955. Para sua construção, cerca de 3,5 mil operários estiveram envolvidos no trabalho.
A ponte foi inaugurada em 28 de dezembro de 1958, durante o governo de Ildo Meneghetti. A estrutura foi batizada como Ponte Getúlio Vargas, em homenagem ao político gaúcho, que foi governador do Estado e presidente do país. A via estreou com apenas um trevo de acesso, voltado para o centro da Capital. No governo de Leonel Brizola, os outros acessos foram concluídos.
Terceira Perimetral
A Terceira Perimetral, também chamada simplesmente de Perimetral, é uma via arterial que liga as zonas norte e sul da Capital, sem passar pelo Centro Histórico. Foi construída com o objetivo de otimizar o fluxo de carros e ônibus, proporcionando uma melhoria do tráfego urbano, inclusive pela construção do Viaduto Leonel Brizola. A intervenção já estava prevista pelo plano diretor de 1959, elaborado pelo urbanista Edvaldo Pereira Paiva, na gestão do prefeito Loureiro da Silva.
A unificação e a ampliação do conjunto de avenidas que formam essa artéria da cidade só começou a sair do papel no final dos anos 1990. Na época, a obra custou R$ 150 milhões, investidos em quatro trechos, que foram inaugurados com alguns gargalos naquela que seria uma via expressa ligando os dois extremos da cidade. Em 2006, na gestão de José Fortunati, a prefeitura considerou a obra concluída, apesar de a via seguir recebendo outras intervenções desde então.
Sua extensão total é de aproximadamente 12,3 quilômetros, passando por cerca de 20 bairros porto-alegrenses. Apesar de a obra ser considerada um avanço para o trânsito da capital gaúcha, o projeto final foi criticado em razão do excessivo número de semáforos posicionados ao longo da avenida. A distância entre alguns deles é de cerca de cem metros ou menos, o que dificulta o fluxo de veículos em horários de trânsito intenso. Para tentar resolver o problema estavam algumas obras selecionadas para a realização da Copa do Mundo de 2014, como a trincheira da Avenida Anita Garibaldi. Até hoje, porém, não foram todas concluídas.
Produção: Guilherme Gonçalves