Atenção, prezado leitor, porque talvez sua vida mude para sempre depois desta assustadora informação: as águas que passam por baixo da Ponte do Guaíba, acredite, não são do Guaíba. Ficou claro isso? Aquilo NÃO é o Guaíba! Nem embaixo da ponte velha, nem embaixo da ponte nova, nunca existiu Guaíba nenhum ali!
E tem mais: sabe aquele mundaréu de água em frente ao Cais Mauá, hoje muito apreciado por quem frequenta o Embarcadero? Pois também não é o Guaíba! Cristo, a vida inteira nos disseram que o Guaíba estava ali, mas, maldição!, isso jamais foi verdade!!!
– O lago Guaíba só começa na Ponta da Cadeia, onde fica o Gasômetro. Começa ali e segue rumo à Zona Sul – explica o chefe da Divisão de Hidrovias da Superintendência dos Portos do Rio Grande do Sul, Reinaldo Gambim.
Se você olhar para qualquer mapa de Porto Alegre, vai entender melhor: a partir do Cais Mauá, em direção à Zona Norte – passando inclusive pelas duas pontes –, não é o Guaíba que aparece na margem. O que se vê são vários rios (Jacuí, Caí, Sinos, Gravataí) terminando em meio a várias ilhas (do Pavão, das Flores, da Pintada etc). Ou seja, aquilo é um delta. Mais precisamente, o Delta do Jacuí.
– Um delta é justamente esse conjunto de ilhas que marca o ponto final dos rios. Só que esse conceito era pouco conhecido, então as pessoas chamavam tudo de Guaíba. Mas o centro da cidade sempre esteve à beira do Delta do Jacuí, e não do lago Guaíba – diz o geólogo Rualdo Menegat, professor da UFRGS e autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre.
Significa que o primeiro núcleo de moradores, que chegaram aqui no século 18, se estabeleceu junto ao delta – isso realmente mudou minha vida, porque, de fato, a região da atual Praça da Alfândega, onde os açorianos se instalaram, nunca esteve à margem do Guaíba, como sempre nos contaram.
Tudo bem chamar de Guaíba um local que, tecnicamente, não é o Guaíba. A sociedade nomeia os espaços conforme suas referências culturais.
CHARLES MONTEIRO
Historiador
Por outro lado, o historiador Charles Monteiro, professor da PUCRS e autor do livro Breve História de Porto Alegre, lembra que uma coisa é a denominação científica de determinado lugar, e outra coisa é a apropriação social que as pessoas fazem desse lugar.
– Tudo bem chamar de Guaíba um local que, tecnicamente, não é o Guaíba. Porque a sociedade nomeia os espaços conforme suas referências históricas e culturais. A maneira como a memória da cidade foi construída nos diz que aquilo é o Guaíba – pondera o historiador.
Quer dizer: se tecnicamente está errado dizer que a Ponte do Guaíba fica em cima do Guaíba, afetivamente – e até historicamente – está correto. Não passamos a vida inteira sendo enganados. Passamos a vida inteira falando como fala um porto-alegrense.