Encantadas ao conhecer o Cais Embarcadero – aberto ao público há seis meses, mas oficialmente inaugurado nesta quinta-feira (18) –, as pessoas costumam dizer que aquilo nem parece Porto Alegre. Faz sentido: a cidade atravessou décadas humilhada como uma das capitais mais horrorosas do país. E é fácil entender o que nos tornou tão desinteressantes.
Uma cidade só consegue ser atrativa, só consegue ser bonita e entusiasmante, quando se conecta com a própria identidade. Ela precisa respeitar e valorizar o que tem de exclusivo, o que tem de único – porque é dali que sairá um atributo realmente genuíno, autêntico, diferente, singular. Isso vale não só para cidades, vale para pessoas também: você se torna incrível quando descobre seu diferencial.
O diferencial de Porto Alegre nos foi arrancado ao longo do século passado. Toda a cultura da cidade, a economia, o lazer, a paisagem, as relações sociais, tudo isso tinha se desenvolvido em torno de uma única coisa: o Guaíba. Porto Alegre, aliás, só passou a existir por causa do Guaíba – os imigrantes se instalaram à margem dele porque era um ponto estratégico junto à água. Só que o Guaíba, aos poucos, foi ficando distante.
Boa parte dos aterros, por exemplo, afastou a população da praia. O muro da Mauá, uma aberração urbanística erguida nos anos 1970, bloqueou qualquer contato com o cais do porto. A linha do trensurb, embora importante, também serviu de barreira entre a cidade e o manancial. E a própria poluição da água, que crescia junto com a cidade, fez do Guaíba um fétido incômodo a ser evitado. Porto Alegre mergulhava, assim, em um paradoxo triste: à medida que se desenvolvia, também se distanciava da própria identidade.
Mas isso mudou. É emocionante perceber que essa consciência, de que a cidade precisa do Guaíba para se tornar atrativa, única, autêntica e vibrante, está cada vez mais clara para todo mundo – governo, empresariado, vereadores, população, finalmente parece haver um consenso capaz de unir a dividida capital gaúcha.
Daqui a cinco ou seis anos, as pessoas não dirão que "nem parece Porto Alegre". Dirão, com orgulho, que agora sim, isso é Porto Alegre.
Essa nova era começou em 2018, com a inauguração da Orla do Gasômetro, e ganhou corpo com as obras do trecho 3, aberto no mês passado com a maior pista de skate da América Latina. A chegada do Embarcadero, tão elogiado, revelou apenas uma ponta da iminente revitalização do Cais Mauá. E daqui a quatro meses teremos outro pedaço de Orla concluído, em frente ao shopping em construção no terreno do antigo Estaleiro Só.
Ainda estão por vir as obras do trecho 2, no entorno do Anfiteatro Pôr do Sol, e a promissora transformação do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Harmonia. Não vai parar por aí. Daqui a cinco ou seis anos, quando a cidade estiver quase que totalmente conectada ao Guaíba, as pessoas, embevecidas, não dirão que "nem parece Porto Alegre". Dirão, com orgulho, que agora sim, isso é Porto Alegre.