Empolgado com o recém-inaugurado trecho 3 da orla do Guaíba, o secretário municipal de Esporte e Lazer me telefonou para elogiar o comportamento do público.
– Passaram mais de 30 mil pessoas por lá no fim de semana, e o cuidado que elas tiveram foi impressionante. A gente vive dizendo que o povo precisa de educação, mas desta vez parecia que estávamos na Dinamarca – vibrava o secretário Kiko Pereira.
De fato, nem de longe lembrava aquela Porto Alegre que, a um quilômetro dali, no trecho 1 da mesma Orla, costuma fazer fiasco às segundas-feiras com montanhas de lixo espalhadas por tudo. Por que o comportamento é tão diferente nos dois lugares? O que há nesse novo trecho para despertar tamanha consciência cidadã?
Tenho cá meu palpite, mas, antes de compartilhá-lo, também quero elogiar o que vi nos últimos dias. Aquele imenso complexo esportivo a céu aberto, com 29 quadras e a maior pista de skate da América Latina, conseguiu o que se espera desse tipo de espaço público. Existem ali duas características centrais: 1) tudo é gratuito e 2) tudo é de alta qualidade.
Por ser gratuito, o espaço atraiu (e continuará atraindo) as classes sociais menos abastadas. E, por ser de alta qualidade, atraiu (e continuará atraindo) os que têm mais dinheiro. Ou seja: garotos da Bela Vista querem usar a pista de skate mais espetacular da cidade, mas a turma da Vila Cruzeiro também tem acesso a ela.
O resultado é que guris e gurias, negros e brancos, crianças e velhos, empresários e empregados, todos vêm dividindo espaço na pista e nas quadras. Por que isso é bom? Porque assim se criam condições para que os diferentes se aproximem, sintam-se parte da mesma sociedade, rejeitem a ideia do "nós contra eles", revejam estereótipos, repensem preconceitos.
Uma cidade que só tem espaços exclusivos – "lugar de rico" e "lugar de pobre" – segrega demais e tolera de menos. Por isso Porto Alegre, como já escrevi, virou uma cidade melhor desde sábado passado: porque se tornou uma Capital mais diversa, além de ser (ou justamente por ser) mais saudável.
Mas quero falar do lixo. Por que ele deixou de ser um incômodo no trecho 3, como costuma ser no trecho 1? Ora, porque o perfil de uso é diferente. O trecho 1, com arquibancadas e bares, é todo pensado para o frequentador parar, sentar, contemplar o pôr do sol, beber e comer. São atividades mais propícias à produção de resíduos – aos domingos, aliás, ali tem sido o refúgio de grupos de jovens que, após horas e horas de vodca com energético, deixa um rastro de sacolas e garrafas que envergonham a cidade no dia seguinte.
Também é saudável sentar e beber, claro, desde que se respeite o espaço público. Fica mais fácil lembrar a Dinamarca num lugar pensado para praticar esportes.