Os efeitos da pandemia em outros atendimentos de saúde ficam latentes na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) em Porto Alegre. Entre abril do ano passado, início da onda de coronavírus no mundo, e abril deste ano, o número de solicitações na fila cresceu 64,47%. No ano passado, eram 39.414 pedidos de consultas especializadas acumulados. Agora, são 64.828. Os dados são da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que publica relatório mensal com as informações. Os números de abril foram divulgados na semana passada.
A fila do SUS na Capital é um tema que GZH acompanha há alguns anos. O drama enfrentando por quem espera por atendimento já foi bem pior. Em janeiro de 2017, quando a prefeitura iniciou a divulgação, eram 92 mil solicitações aguardando atendimento. Um trabalho intenso de revisão de atendimento, implantação de telemedicina e aumento na oferta de consultas para os maiores gargalos da fila reduziu o número para a casa dos 40 mil entre o final de 2019 e início do ano passado. Com a necessidade de remanejamento de vários agendamentos e até mesmo a redução na oferta em razão das limitações de mobilidade geradas pela pandemia, o gargalo voltou a se formar.
Conforme os números mais atuais da SMS, a maior fila de espera por atendimento atualmente é na área de oftalmologia geral adulto. São 13.391 solicitações de atendimento. Só em abril, 925 novas solicitações foram encaminhadas pela rede básica de saúde, enquanto a prefeitura ofertou apenas 173 consultas. Em casos urgentes, o tempo médio de espera por atendimento está dentro dos planos da prefeitura, sendo de 20 dias. Mas, para os casos gerais, a vista não é limpa e clara. São 345 dias de espera para ser atendido, em média. Isso representa quase um ano. A oftalmologia geral adulto é a única especialidade da fila que ainda tem mais de 5 mil solicitações acumuladas. Um cenário mais comum em outros períodos.
Atualmente, são 177 especialidades atendidas via SUS na Capital. O segundo lugar da fila, bem menos volumoso, mas ainda significativo, é o de cirurgia geral adulto — especialidade que atende procedimentos comuns como retirada da vesícula ou do apêndice. São 4.142 solicitações na fila. Em casos urgentes, o tempo médio de espera por atendimento é de quatro dias. Porém, os casos gerais, que são maioria, têm uma espera média de 345 dias para receber atendimento. Os tempos médios de espera na lista são aqueles entre o encaminhamento feito no posto de saúde do bairro e a primeira consulta com o médico especialista ou outro profissional de saúde especializado, como fisioterapeutas, por exemplo.
Tempo de espera
Mesmo que algumas filas tenham grande demanda, não é necessariamente esse o maior problema. Até porque se o número de consultas ofertadas for suficiente, haverá equilíbrio. A fisioterapia é um desses exemplos. Em abril, foram encaminhados 3.246 solicitações pela rede básica de saúde, mas a oferta foi de 4.276 primeiras consultas. A espera para atendimento em fisioterapia é de um dia em casos prioritários e de apenas três em casos gerais.
O problema está em especialidades em que o número de primeiras consultas ofertadas é baixíssimo, enquanto a demanda é alta. Em tempo de espera por atendimento, em casos gerais, a especialidade campeã é a reabilitação auditiva adulto. Em sua maior parte, essa fila consiste em pacientes que precisam fazer a retirada de um aparelho auditivo. São 1.423 dias de espera — quase quatro anos. Em casos urgentes, o cenário até muda, mas não é muito esperançoso: são 754 dias de espera em média — pouco mais de dois anos. A reabilitação auditiva adulto é a quarta maior fila do SUS na Capital, são 2.633 solicitações aguardando atendimento. Em abril, a prefeitura ofertou somente 28 consultas para essa especialidade. Enquanto isso, 57 novos pedidos entraram na fila.
Outra especialidade com alto tempo de espera é a cirurgia bariátrica. Quinta colocada no número de solicitações, com 2.271 encaminhamentos para primeira consulta, a especialidade tem espera prioritária de 789 dias — cerca de dois anos. A prefeitura não informou a espera para casos gerais, mas na tabela anterior, de março, também eram 789 dias para estes casos. Em abril, nenhuma consulta foi ofertada para a especialidade, enquanto 51 novos pedidos foram encaminhados por meio da rede básica.
Redução na oferta
O crescimento da fila está relacionado à pandemia, principalmente olhando para o número de atendimentos ofertados. Em abril do ano passado, quando havia 39.414 solicitações na fila, a prefeitura ofertou 8.281 primeiras consultas — a proporção era de 0,21 atendimento para cada solicitação. No mês passado, foram 8.138 atendimentos ofertados para 64.028 solicitações — uma proporção de 0,13 atendimento a cada pedido. A proporção entre oferta de primeiras consultas e a fila geral reduziu 38,1%. Em resumo, a prefeitura ofertou menos atendimentos no mês passado do que quando a fila tinha 39 mil solicitações, menos que a metade do número atual.
Conforme a SMS, "a redução da oferta de consultas especializadas ocorre em decorrência da pandemia". A pasta explica que os hospitais de Porto Alegre tiveram que reduzir a oferta de consultas eletivas a fim de que "os recursos humanos e materiais pudessem ser destinados ao atendimento de pacientes com covid-19". Entretanto, a secretaria garante que especialidades como oncologia, traumatologia, transplantes, pré-natal, entre outras, tiveram seus atendimentos mantidos durante os piores momentos da pandemia e confirma que a oferta existente antes da chegada do coronavírus ainda não foi totalmente restabelecida.
Oftalmologia
Sobre o acúmulo de solicitações na fila da oftalmologia geral adulto, a SMS explica que, "em decorrência da necessidade de se respeitar as regras de distanciamento, os prestadores solicitaram bloqueio parcial das vagas como parte do plano de contingência". A situação é parecida com o que acontece na fila da cirugia bariátrica. Os prestadores que ofertam consultas nestas subespecialidades são os mesmos que atendem as maiores demandas de pacientes com covid — locais como Hospital de Clínicas ou Hospital Conceição. Esses prestadores tiveram que suspender as cirurgias eletivas, entre elas, a cirurgia bariátrica e, consequentemente, as consultas eletivas desta subespecialidade também foram suspensas, explica a SMS, em nota.
Sobre a fila da reabilitação auditiva adulto, a SMS informa que em dezembro de 2019 foi habilitado junto ao Ministério da Saúde um centro especializado em reabilitação auditiva _ o CER Santa Ana, aumentando a oferta nesta especialidade. Porém, com o início da pandemia em março de 2020 e seu recente agravamento, "levando em consideração a necessidade de se respeitar as regras de distanciamento e o caráter eletivo das agendas de reabilitação auditiva adulto, os prestadores têm solicitado bloqueio total ou parcial das agendas, influenciando decisivamente no tempo em espera e manutenção ou aumento das filas"