Em 2018, quando foi lançado o Pacto Alegre — iniciativa de cooperação para tornar a capital gaúcha um polo de inovação —, o consultor espanhol Josep Piqué foi questionado sobre o que a cidade o havia impressionado, para bem e para mal.
Curiosamente, Piqué apontou para o mesmo ponto tanto nos aspectos positivos quanto negativos: Porto Alegre tinha espaços de incubação de novos negócios muito bons, como o Tecnopuc, o Tecnosinos e o Zenit, o parque científico e Tecnológico da UFRGS. Porém, eles conversavam muito pouco entre si e com as empresas de ponta da cidade.
Ao firmar convênio com UFRGS, PUCRS e Unisinos, as três principais universidades da Região Metropolitana, o Instituto Caldeira se propõe a ser esse local de encontro onde academia e mercado poderão dividir ideias e esforços entre um café e outro.
Conforme Alsones Balestrin, pró-reitor Acadêmico e de Relações Internacionais da Unisinos, o novo espaço no bairro Navegantes é uma referência, mas é menos importante do que o elo entre a universidade e as empresas:
— Há tempos as graduações da Unisinos trocaram o tradicional TCC (trabalho de conclusão de curso) pelo que chamamos de projeto aplicado. Seja qual for área do conhecimento, os alunos são desafiados a resolver um problema real para concluir a graduação. Nossa expectativa é de que o Caldeira seja mais um local de onde virão esses desafios — explica.
Em troca do esforço dos estudantes, as empresas do instituto deverão oferecer mentoria, oportunidades de entrada no mercado de trabalho e, eventualmente, até capital de risco para as boas ideias nascidas das startups concebidas dentro das universidades.
— Evidentemente interessa às empresas um acesso facilitado a esse profissional cheio de ideias e de ímpeto recém formado. Mas também é de interesse do Caldeira oferecer espaço físico para uma startup que está finalizando o tempo de incubação na universidade. Em vez de alugar uma sala comercial qualquer, ir para um hub de startups como o nosso, onde terá, inclusive, muito mais visibilidade — observa Pedro Valério, diretor executivo do instituto.
Gestora de Operações e Empreendedorismo do Tecnopuc, Flavia Fiorin salienta como essa aproximação maximiza não só a possibilidade de novos profissionais encontrarem oportunidades de trabalho, mas também que dela surjam soluções inovadoras:
— A premissa é a interação, mas o objetivo final é inovação. Parcerias como essa são formas de tentar submeter problemas reais e atuais a pessoas que, com a formação rica em diferentes áreas do conhecimento, pensem em novas formas de resolvê-los.
Flavia cita um exemplo recente já propiciado pelo Pacto Alegre, em 2019. Em um evento de inovação realizado em parceria com o DMLU, universitários foram desafiados a resolver o problema de descarte irregular de resíduos. Da resolução, nasceu a startup 5 Marias, que hoje opera com autorização da prefeitura oferecendo por WhatsApp o serviço de mediar quem tem interesse em descartar restos de obras às empresas licenciadas para fazê-lo.
Diretora do Zenit, da UFRGS, Roberta Bussamara Rodrigues sinaliza ainda a via de mão dupla da parceria. Estudantes terem acesso a oportunidades nas empresas, que poderão ter acesso a pesquisas de ponta já em curso em universidades de tradição, como a UFRGS.
— Os principais ativos da universidade pública são a excelência em pesquisa e o capital humano. A parceria permite a entrada de empresas mais maduras, maiores ao desenvolvimento de um projeto de pesquisa da universidade — ressalta.
Conforme Balestrin, da Unisinos, fortalecer esses elos entre universidades e empresas locais ainda durante a formação acadêmica é também uma forma de enfrentar um segundo problema detectado sobre a capital gaúcha nos estudos do Pacto Alegre: a chamada “fuga de cérebros”. O êxodo de jovens profissionais para mercados mais pulsantes, como São Paulo, Rio e até Florianópolis.
— Esse mesmo esforço que fazemos agora, os catarinenses fizeram há 10 anos. Hoje, o PIB na área de tecnologia de informação, por lá, é maior do que o do turismo — exemplifica.
O Instituto Caldeira
Aberto há cerca de dois meses junto ao shopping DC Navegantes, na região do 4º Distrito, o Instituto Caldeira funciona em um espaço de 22 mil metros quadrados, onde ficavam as caldeiras da empresa AJ Renner, na década de 1920.
Inspirado em iniciativas como o Technion, Instituto de Tecnologia de Israel, o Caldeira deseja acolher, nos seus mais de 780 postos de trabalho, empresas, startups, projetos ligados à nova economia e representantes do poder público — a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo, por exemplo, está de mudança para lá.
O Instituto promove também um programa de aproximação entre startups e grandes empresas, o Conecta, e o Caldeira Sessions, com encontros e palestras sobre temas relacionados à nova economia. Estão em desenvolvimento ainda projetos sociais com moradores do bairro Humaitá e de desenvolvimento urbanístico da região.