Passado o evento realizado na manhã desta quarta-feira (4), o pró-reitor acadêmico e de Relações Internacionais da Unisinos, Alsones Balestrin, comemorava:
— Nunca tinha visto um evento em que todas as pessoas que convidamos apareceram. Acabou dando overbooking.
Para acomodar as mais de 600 pessoas que estiveram no Teatro da Unisinos para o primeiro evento da Aliança para Inovação em Porto Alegre, a instituição teve de disponibilizar mais três salas com telões, além da transmissão aberta pelo YouTube.
Trata-se do marco inicial de uma iniciativa formada em abril passado por UFRGS, PUCRS e Unisinos que visa a mobilizar agentes para fazer da capital gaúcha um ecossistema saudável para a inovação. Os reitores das três universidades — Rui Vicente Oppermann (UFRGS), Evilázio Teixeira (PUCRS) e Marcelo Fernandes de Aquino (Unisinos) — fizeram as falas iniciais do evento, bem como o prefeito Nelson Marchezan.
— Convidei mais de 200 servidores para comparecer, porque de nada adianta falarmos em inovação se esse conceito não estiver nas entranhas da prefeitura — comentou o prefeito.
Marchezan também agradeceu a presença dos ex-prefeitos José Fortunati e José Fogaça. Segundo ele, convidados via WhatsApp na noite anterior. O evento teve como principal destaque a fala do consultor espanhol Josep Piqué, presidente da Associação Internacional de Parques Científicos e Áreas de Inovação (Iasp). Envolvido em projetos de revitalização de cidades como Barcelona e Medellín, ele presta consultoria a Porto Alegre desde o ano passado. O evento contou também com a participação da professora Clarissa Stefani Teixeira, que falou sobre a experiência de Santa Catarina, Estado que conta com 15 centros de inovação envolvendo agentes públicos e privados.
A articulação entre diferentes setores em torno de um projeto de cidade é uma das teclas mais batidas por Piqué. GaúchaZH conversou com o consultor sobre Porto Alegre e os desafios da nova aliança, que formará uma mesa com mais de 40 agentes até outubro para dar andamento ao trabalho. Confira trechos da entrevista.
Josep Piqué: "Porto Alegre precisa de uma visão e comprometimento"
O senhor vem prestando consultoria para o desenvolvimento de Porto Alegre há cerca de um ano e meio. O que encontrou aqui de surpreendente? Para o bem ou para o mal.
O que me surpreendeu positivamente em Porto Alegre foi encontrar muitas capacitadoras instaladas. Tecnopuc, Tecnosinos, a própria UFRGS tem capacitadoras muito boas, porém, era evidente que não estavam ordenadas, articuladas. Não estavam, digamos, posicionadas de forma que se somassem em vez de se dividir. Por isso, é importante esse processo aqui (apontando para o palco do evento) de construção de uma visão que articule esses agentes. Mais de 600 pessoas estavam aqui dispostas a construir uma visão de cidade e, portanto, dispostas a se comprometer e dar suas contribuições.
Não parece contraditório que falemos em inovação, mas não consigamos atingir metas simples de civilidade, como ter paradas de ônibus com as informações e horários dos ônibus, por exemplo? É um problema de Porto Alegre ou o senhor observa isso também em outras cidades de terceiro mundo?
Primeiramente, não distingo primeiro ou terceiro mundo. É um só mundo. Não há uma tecnologia para um ou outro. Na África, o smartphone tem permitido que pessoas tenham acesso a serviços que nunca tiveram, como contas bancárias. Esse sistema foi desenvolvido por países desenvolvidos, mas ajudou indiretamente o Novo Mundo. Isso é a digitalização. Esse terminal de ônibus que você menciona é a ponta de uma cadeia que começa vislumbrando a cidade que queremos construir. A partir daí, é preciso usar a tecnologia e o talento da cidade para design estrutural e urbanístico. É importante ressaltar que isso não é tarefa apenas da prefeitura. Ou das indústrias ou das universidades, mas um trabalho conjunto.
Outro problema local são projetos que se iniciaram e nunca foram terminados. Das obras às ideias. O músico David Byrne, que esteve recentemente por aqui, precisou apenas de um passeio de bicicleta para escrever um texto chamado "Porto Alegre, uma cidade inacabada". Como evitar que iniciativas como a de hoje comecem otimistas, mas acabem esquecidas?
É justamente o meu trabalho articular para que as pessoas trabalhem a longo prazo. Acontece que, em muitos lugares, se trabalha com o prazo de um prefeito. De um mandato de quatro anos, talvez de oito anos. Não mais do que isso. Portanto, é difícil que um prefeito continue iniciativas de outros. Porto Alegre precisa de uma visão de cidade e de comprometimento. Pactuar iniciativas para colher frutos a médio e longo prazo. Para isso, precisa articular um conjunto de agentes que se comprometa publicamente com essa visão. Sejam eles agentes públicos ou privados.
Qual foi a sua impressão dos agentes públicos de Porto Alegre?
Tive a oportunidade de conversar com o prefeito Marchezan e com o presidente da Câmara municipal (Valter Nagelstein). Percebi uma vontade de somar diferentes agentes. Creio que é uma grande notícia. Se este debate for apenas político, os partidos políticos têm a máxima da soma zero. Se eu ganho, você perde. Se eu tenho um, você tem menos um. Aqui, não pode haver soma zero, é preciso somar os ativos à disposição.
Os gaúchos são famosos justamente pelo oposto. Por se dividirem a ponto de impedir o desenvolvimento de algumas ideias por falta de consenso. Há diversos exemplos na cidade. Em 2009, o impasse em torno de uma área degradada no extremo sul da cidade, o Pontal do Estaleiro, foi tema de um plebiscito. O resultado é que só agora ele deve sair do papel. Como impedir conflitos assim?
Sempre haverá divisão se os projetos forem individuais. Plebiscitos são bons exemplos para reflexão. Porque plebiscitos são necessariamente de soma zero. Ou é sim, ou é não. Se um ganha, o outro perde. São mais interessantes projetos de cumplicidade e cocriação. Para implementar um projeto de revitalização como esse, o ideal é engajar a comunidade a conversar sobre aquela área e chegar a um projeto em comum. Não é concorrer, é somar.
Uma das cidades em que o senhor trabalhou foi Medellín, na Colômbia. O que Porto Alegre pode aprender com ela?
O melhor desse exemplo é que Medellín tinha uma situação pior do que Porto Alegre. Era uma cidade dominada por cartéis. Graças a um projeto em comum, se compactuou, se somou. Naquele caso, foi mobilizado pela prefeitura com a ajuda de empresários, mas houve um pacto respeitado. Um dos elementos que poderia ser replicado por aqui foi a transformação de áreas pontuais. Aqui, temos o Quarto Distrito. Lá, havia a Ruta N, um espaço muito degradado transformado em um distrito de inovação. Hoje, lá, o problema é falta de espaço. Há muitas empresas interessadas e eles precisaram acelerar o processo de novas construções. Outra questão a ser trabalhada em Porto Alegre é a retenção e o desenvolvimento de talentos. Os projetos passam. É normal que alguns nem saiam do papel, mas o importante é que as pessoas ficam e, com elas, a cultura da inovação.
O senhor destaca, na sua fala, a importância da qualidade de vida para inovação. Cita o "vinho, café e comida" como algo importante para o desenvolvimento do Vale do Silício. Explique essa lógica.
As pessoas desejam viver a vida em sua plenitude. Não adianta garantir o desenvolvimento profissional em uma região, se aquelas mesmas pessoas não puderem ter o mesmo desenvolvimento pessoal nelas. Principalmente os jovens empreendedores, que desejam estar em um lugar em que se sintam participando do mundo globalizado. Por isso, não se pode desprezar a importância de vida cultural, de gastronomia, de entretenimento em uma cidade.
Como você enxerga Porto Alegre nesse quesito?
A carne é ótima. Os vinhos e os cafés também são muito bons (risos). Creio que Porto Alegre tem o desafio de assegurar educação, saúde, mas também segurança. O principal benefício da segurança é que ela te faz confortável de viver em uma cidade. Despreocupado. E nesse ponto, acho que Porto Alegre ainda requer um bom trabalho.