Enquanto o transporte público for um setor em crise, parece que a existência e a necessidade dos cobradores nos ônibus seguirá sendo discutida. Apesar de o tema ter sido rejeitado pela Câmara de Vereadores no ano passado — quando a prefeitura tentou aprovar um projeto que previa a desobrigatoriedade da presença destes profissionais nos coletivos —, o assunto já voltou a ser pautado nos primeiros dias de 2021. Porém, no que depender dos principais afetados por qualquer mudança, os cobradores seguem nos ônibus.
— E não vamos aceitar nenhuma proposta que vá num caminho diferente deste, da manutenção dos cobradores como é hoje — pontua o presidente Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transporte de Porto Alegre (Stetpoa), Sandro Abbade.
O sindicalista adianta que uma das principais bases que está sendo incluída na negociação do acordo coletivo deste ano trata da permanência dos cobradores. No ano passado, a entidade já fez diversas negociações para manter a estabilidade de motoristas e, principalmente, cobradores, durante a pandemia.
Só que o novo prefeito da Capital, Sebastião Melo (MDB), vinha ressaltando mesmo antes de assumir o Paço que as medidas para salvar o transporte não serão fáceis. E na mesa de discussões, muitas possibilidades entram em pauta, inclusive a presença dos cobradores nos veículos. Melo articulou a criação de um grupo de trabalho voltado para o transporte público.
Um dos objetivos iniciais desta equipe é rever o pacote de projetos de lei enviado pela administração passada à Câmara. O conjunto gerou polêmica por propor questões como taxar aplicativos de transporte individual e cobrar um pedágio para acesso à região central. O novo prefeito já descartou essas possibilidades e pretende ir por outros caminhos, como unir municípios na busca por financiamento junto ao governo federal. E, também, rever a questão dos cobradores.
— Mesmo que a cidade volte ao normal, nós não vamos transportar aquilo que se transportava antes da pandemia. Todos os remédios que eu tenho pra enfrentar esse problema são amargos. Pois, tirar isenções, e nós vamos ter que revisar as isenções, ou tirar cobradores, causa polêmica. Mas nós vamos tentar qualificar os cobradores com cursos para que eles possam ser reaproveitados — garante Melo.
Suspensão temporária
O prefeito da Capital garante que não fará nenhuma mudança que envolva a retirada brusca dos cobradores dos ônibus. Mas propostas serão enviadas ao Legislativo, com base no diálogo com a Câmara, mas também com os rodoviários.
A nova ascensão do assunto é natural, pois o transporte público teve seu decréscimo de usuários acentuado fortemente durante 2020 em razão das mudanças impostas pelo coronavírus. A situação foi tão crítica que os empresários pensaram até em entrar na Justiça contra a prefeitura, alegando que a licitação assinada em 2016 não estava sendo cumprida. A questão acabou resolvida em um acordo de conciliação que, entre várias medidas, suspendeu a reposição de cobradores por um ano.
Na prática, algo semelhante ao que o projeto apresentado pela prefeitura previa. Colaboradores que se aposentassem, falecessem ou fossem demitidos por justa causa, não precisariam mais ser substituídos. Assim, o quadro reduziria naturalmente.
Entretanto, com a pandemia, o número de pessoas usando o transporte reduzir e, por consequência, o número de ônibus circulando também. E, conforme acredita a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) da Capital, o patamar pré-pandemia não deve ser retomado. Por isso, mesmo após os 12 meses de pausa na reposição, ainda poderá haver tripulação sobrando.
Motivos para a discussão
Por que a presença dos cobradores tem sido tão discutida? Na composição tarifária, os custos das empresas com pessoal, onde entram cobradores e motoristas, chegam ao 48%. Ou seja, quase metade do custo da passagem é para pagamento dos trabalhadores. Em uma realidade onde o cartão TRI tem seu uso cada vez mais estimulado, além da inserção de outras formas de pagamento, ter alguém para cobrar a tarifa, em dinheiro, pode parecer algo obsoleto.
Só que a classe rodoviária defende que a tripulação composta por duas pessoas é essencial para o transporte público. A alegação é que o cobrador faz muito mais do que cobrar, orientando usuários, auxiliando no embarque e desembarque de passageiros com dificuldades e auxiliando o motorista nas viagens. Além disso, os trabalhadores acreditam que a aprovação de qualquer mudança neste sentido provocaria uma demissão em massa, gerando desemprego para muitos rodoviários.
Grupo de trabalho
O grupo de trabalho da prefeitura, que está a cargo do novo secretário de mobilidade, Luiz Fernando Záchia, pediu 10 dias para as primeiras apresentações relacionadas ao transporte público da Capital. Conforme a reportagem apurou, EPTC e ATP também serão envolvidas nas conversas. Ainda não há confirmação se temas relacionados aos cobradores serão abordados já na primeira apresentação, mas nenhuma possibilidade é descartada.
— Nós vamos repactuar contrato, rever a questão das isenções, olhar para os cobradores. Talvez, até um consórcio para operar com as lotações. O que não haverá é dinheiro público aplicado, como foi no ano passado. Não temos condições para isso — projeta o prefeito Sebastião Melo.