Um dos temas prioritários na agenda do futuro prefeito Sebastião Melo (MDB) é a prestação de serviços pela Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa).
Desde que foi eleito, ele tem dito que a companhia não faz pela cidade tudo o que deveria em termos de sistemas de tecnologia. Por isso, considera a quebra do monopólio da companhia em atender o Executivo municipal uma alternativa a ser buscada. Atualmente, a Procempa gerencia 220 sistemas e presta 23 tipos de serviços que custaram neste ano, até outubro, R$ 90 milhões.
— A pandemia escancarou coisas que não funcionam, mostrou que os sistemas da prefeitura não dialogam. Vamos apresentar um cardápio do que queremos e ver o que a companhia nos oferece. Não adianta ser uma entrega mais cara ou que demore meses. Vamos buscar eficiência e os melhores preços — disse Melo a GZH.
O prefeito eleito também pensa em uma companhia mais enxuta (a folha de pessoal anual foi de R$ 66,2 milhões) e que atue mais como uma gestora de banco de dados do que como fornecedora de tecnologia:
— Vamos dialogar, buscar avanços. Talvez propor um PDV (plano de demissão voluntária). A tecnologia precisa estar à altura de uma cidade que quer mudar.
O Sindicato dos Trabalhadores de Processamento de Dados do Estado diz que a Procempa cobra valores abaixo do mercado e que não há monopólio da companhia na prestação de serviços a prefeitura, citando casos em que a empresa municipal orientou na contratação de soluções privadas (leia nota na íntegra abaixo).
O incômodo com a forma como funciona a relação com a companhia motivou um projeto de lei no governo Nelson Marchezan. A proposta era justamente a quebra de monopólio, ou seja, a possibilidade de o Executivo contratar serviços de informática, telemática, teleinformática, telecomunicações, pesquisa, desenvolvimento e inovação de outras empresas, por meio de licitação. O projeto foi rejeitado pela Câmara de Vereadores em setembro.
Uma das queixas do governo é de que os serviços custam caro e as entregas da Procempa não ocorrem na íntegra. Um exemplo em relação a preços é que os trabalhos são cobrados por hora/homem e não por produto. Ou seja: se a prefeitura encomendar um software, a companhia pode dizer que levará cem horas para desenvolvê-lo e cobrar por essas horas. Depois, se forem necessários ajustes, serão cobradas mais horas de trabalho. Cada hora custa R$ 158.
Neste ano, por exemplo, a prefeitura recebeu, gratuitamente, um software para agilizar doações aos fundos municipais da criança e do idoso. O negócio precisou passar por aprovação da companhia, que, para analisar o termo de referência e dizer se o sistema funcionava, cobrou 30 horas/homem.
Na justificativa do projeto de lei de Marchezan constou: "Na legislação atual, para realizar uma contratação externa, a Procempa precisa afirmar que não tem capacidade de execução. Todavia, com raríssimas exceções, as iniciativas realizadas com a Procempa, que não permitiram contratar no mercado pelo meio legal, licitatório, não foram entregues por completo, no prazo e no custo que fora estimado. Esse descumprimento gera notório prejuízo ao erário que, por assunção da Procempa em ter competência, não permite a possibilidade de aquisição de produtos e serviços consagrados de mercado". O projeto também abordava o que alega ser o descumprimento de um dos princípios da administração pública, o da legalidade, uma vez que a contratação de serviços com a Procempa é feita sem licitação.
Diretor-presidente da Procempa desde que Marchezan assumiu, em 2017, Paulo Roberto Miranda concorda que a legislação precisa ser modificada:
— O artigo da lei tem vício, permite distorção. Dá ao contratado (no caso, a Procempa) a decisão sobre o que o contratante (a prefeitura) pode fazer.
Miranda destaca que os sistemas fornecidos pela companhia têm qualidade técnica reconhecida e confiável, com "estrutura tecnológica robusta". Desse período de quatro anos, o diretor-presidente cita avanços como o aumento da capacidade de entregas e a melhoria na gestão de projetos.
Economia também é um item da lista. Segundo ele, em 2016, a prefeitura gastou R$ 142 milhões com serviços contratados da empresa. Em 2020, o custo total será de R$ 120 milhões. Enxugamento do quadro é outro ponto. Miranda diz que em 2016 a companhia tinha 323 empregados, sendo 59 cargos em comissão (CCs). Este ano, são 284 empregados, com 29 CCs.
— Vamos entregar uma empresa mais saudável, que desde 2018 está com resultados positivos — afirma Miranda.
Companhia sofreu intervenção e investigações
A Procempa ganhou visibilidade em 2013 por causa de uma série de irregularidades reveladas em reportagens e denúncias enviadas ao Ministério Público (MP). As fraudes consistiam, conforme apurou o MP, na montagem de procedimentos licitatórios direcionados para justificar a saída de valores da companhia, superfaturando serviços prestados e desviando verba pública. Hoje, sete anos depois de investigações serem iniciadas, o saldo é de 17 ações civis públicas e 12 processos criminais envolvendo funcionários e pessoas que ocuparam cargos em comissão. Já há condenações.
As fraudes teriam ocorrido entre 2011 e 2013, durante gestão de José Fortunati (então no PDT, hoje no PTB) como prefeito. Melo foi vice de Fortunati a partir de 2013. Por causa das denúncias, a companhia, que estava sob o comando do PTB, acabou sofrendo intervenção determinada pela prefeitura.
Preocupado com eventuais casos de corrupção (não só na Procempa, mas em todas as áreas), Melo disse à GZH que vai criar um sistema de compliance que obrigará secretários e gestores a se comprometerem com o controle da probidade em seus setores. Ele também afirmou que buscará um técnico para comandar a companhia, mas não deu pistas sobre o possível nome.
O que a Procempa faz
Execução e prestação de serviços de informática, telemática, teleinformática, telecomunicações, pesquisa, desenvolvimento e inovação, bem como de assessoramento técnico, aos órgãos da administração direta e da administração indireta de Porto Alegre, preferencialmente, a outros órgãos e outras entidades públicos ou privados e à população em geral.
O que diz o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Estado
"A Procempa demonstrou sua capacidade de atender as demandas da prefeitura de Porto Alegre com qualidade em diferentes oportunidades, como é o caso do Gerint (Sistema de Gerenciamento de Internações), que está inclusive sendo implantado pelo Estado, o cercamento eletrônico que usa aplicativos e tecnologia que a Procempa desenvolveu para permitir a integração das câmeras já instaladas e antigas ao monitoramento de segurança, ferramentas como o parcelamento online que permite que o próprio contribuinte parcele suas dívidas sem precisar ir até a Loja de Atendimento da SMF (Secretaria Municipal da Fazenda), entre outros serviços de grande valor para o cidadão porto-alegrense.
O valor da hora técnica cobrado atualmente pela Procempa está muito abaixo do valor de mercado, mas além do controle por hora/homem a Procempa também emprega tecnologias ágeis de desenvolvimento que permitem que os clientes acompanhem o processo e participem da elaboração dos cronogramas de projetos. As entregas são acompanhadas pelos clientes, o faturamento das horas trabalhadas especifica as tarefas nas quais essas horas foram empregadas e precisa ser aprovado pelo demandate/PMPA.
Em diferentes momentos, a administração municipal direta e indireta realizou tentativas ou contratações de soluções de TI sem assessoria técnica adequada. Um exemplo recente é a Concorrência 01/2020 - proc. 20.10.000000521-0, iniciada pelo Dmae e que pretendia contratar serviços para customização do software GSAN. O GSAN utiliza tecnologias ultrapassadas para as quais não existe mais suporte do fornecedor. Além disso, a contratação estipulava valores muito superiores aos praticados pela Procempa. O processo acabou suspenso após o TCE/RS solicitar que o Dmae prestasse esclarecimentos a respeito da licitação.
A tese de que a Procempa teria o monopólio da TI municipal também não se sustenta, uma vez que a própria Procempa intermedia a contratação de serviços na modalidade de fábrica de software para atender as demandas da prefeitura.
O novo portal de serviços da SMF (https://servicos-smf.portoalegre.rs.gov.br/) é desenvolvido utilizando Jira Service Desk, cujas licenças, customizações e consultoria foram adquiridas de empresa do mercado, pela Secretaria Municipal da Fazenda, com assessoria técnica da Procempa.
O que a Procempa faz é desenvolver soluções de TI com qualidade quando essa é a alternativa que melhor atende as necessidades da administração pública municipal e fornecer assessoria técnica para contratação de soluções no mercado para os demais casos, tornando a utilização de recursos públicos mais eficiente."