O transporte público é uma das principais preocupações do prefeito eleito Sebastião Melo (MDB). Ao definir a crise do setor rodoviário como “ladeira abaixo desde antes da pandemia”, Melo assegura que irá fazer diversas mudanças no sistema.
Uma das medidas que promete levar adiante é o processo de retirada da figura do cobrador de algumas linhas, quando elas estiverem “100% digitalizadas”. Ele ainda pretende solicitar estudos detalhados, mas a ideia é remover de cena número suficiente de cobradores para baixar o valor da passagem. Em 2019, a folha de pessoal teve participação de 47,85% no custo da tarifa de ônibus, conforme dados da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP).
O objetivo principal, indica Melo, é baratear o serviço sobretudo para vulneráveis e trabalhadores autônomos, além de recuperar o número de passageiros, em queda nos últimos anos. Entre as capitais do Brasil, Porto Alegre tem a passagem de ônibus mais cara, fixada em R$ 4,55. O prefeito eleito assegura que não irá propor a sumária demissão de trabalhadores, e assinala a oferta de um programa de qualificação para que os cobradores possam ser aproveitados em outras funções gradativamente.
— Vou orientar o secretário da Mobilidade (Luiz Fernando Záchia) para que ele crie junto ao Sest-Senat (escola de formação de profissionais do transporte) um convênio. Quero que os cobradores façam um curso de motorista. E cada linha que não precisar mais de cobrador, vou tirando aquele cobrador, porque aquele cobrador também tem um peso na passagem. Esse movimento vou fazer — afirma Melo.
Em fevereiro de 2020, um projeto do prefeito Nelson Marchezan desobrigando a presença dos cobradores nos coletivos em momentos específicos foi derrotado por 23 votos a nove na Câmara. O tema causou polêmica e pressão dos rodoviários, que temiam o desemprego. Instado a comentar as dificuldades do antecessor ao tentar emplacar a mesma pauta, Melo apontou que seguirá estratégia diferente e afirmou que “homem público precisa ter coragem de enfrentar temas difíceis, mas com diálogo”.
— Vou fazer a inclusão do cobrador, dar uma oportunidade (de fazer o curso de motorista). ‘Ah, eu não quero fazer o curso de motorista’. Bom, meu filho, estou te dando a oportunidade de ser motorista, e tu diz que não quer? Então, no dia que eu tiver 100% dessa linha de ônibus digitalizada, me desculpe, mas vou ter de perguntar ao povo se ele quer continuar pagando R$ 4,55 ou se ele quer pagar R$ 4. Se o povo disser que quer pagar
R$ 4,55, vocês estão mantidos como cobradores — argumenta o prefeito eleito, ressaltando convicção na matéria.
Como Melo nem sequer tomou posse, ainda terão de ser construídas soluções para diversas consequências da retirada gradual dos cobradores das linhas. No dia em que a Câmara derrubou a proposta de Marchezan, o vereador Paulinho Motorista (PSB) questionou o quanto a saída desses profissionais geraria sobrecarga aos condutores e como isso eventualmente causaria demora nas viagens e pioraria a qualidade do serviço.
Os planos de Melo para o transporte público vão além. Ele diz que, no dia 1º de janeiro, após a posse, irá publicar uma portaria dando prazo para que a prefeitura e as empresas concessionárias renegociem o contrato de transporte coletivo de Porto Alegre, que foi assinado em 2015, após licitação. A Carris terá de fazer parte da mesa de conversas, já que é afetada pelo contrato de concessão. O objetivo será verificar a redução de custos e obrigações que estão sendo deixadas de lado.
— Tenho um preço de passagem que é R$ 4,55 para todos os horários do dia. Será que não é razoável ter uma passagem das 6h às 9h com um valor, das 9h30min ao meio-dia outro valor, para atrair o passageiro? É igual a hotel. Se estou com 65% da minha capacidade ocupada, não é razoável dar desconto para ter mais hóspede?
Sobre a criação de um fundo para subsidiar a passagem, Melo costuma usar uma alegoria para explicar sua preocupação. No sentido figurado, ele diz ser um cortador de grama, autônomo, que se desloca diariamente de ônibus para trabalhar e paga R$ 4,55, em tarifa cheia. O segundo personagem da narrativa é um empregado de carteira assinada, que recebe todas as passagens do mês da empresa no cartão TRI mediante desconto de 6% no contracheque. O terceiro ator é um aposentado, que tem isenção e não paga nada no ônibus.
— O que está mais ralado, o cortador de grama, é o que está pagando para o aposentado andar de ônibus. Esse sistema não tem mais como funcionar — diz Melo.
Para ele, é preciso “arrumar dinheiro” que seja colocado no sistema para subsidiar, baixar o peso das gratuidades e reduzir a tarifa, o que aliviaria a conta sobretudo para pessoas vulneráveis e trabalhadores autônomos.
Neste sentido, a proposta de Melo é criar um fundo de subsídio do transporte público. Para irrigar a conta de dinheiro, ele descarta em absoluto as hipóteses de a cidade ter um pedágio para veículos particulares no centro ou taxar os transportes por aplicativo. Sobrariam, então, intenções que o próprio Melo ainda não desenha de forma clara.
— A médio prazo, uma ideia que várias cidades adotam, é que quando você mexe nas alturas da cidade, no plano diretor, você adensa a cidade, coloca mais pessoas em um espaço. Eu tenho um edifício de 18 andares, mas passei ele para 24 andares, significa que eu terei naquele eixo mais gente. Nova York utiliza isso. Cria um fundo que, quando eu adenso mais a cidade, aquela parte adensada eu destino um valor ‘x’ para um fundo de mobilidade urbana — diz Melo.
Neste modelo, o dinheiro viria das construtoras, que pagariam por índices construtivos com o objetivo de aumentar verticalmente suas edificações. Parte dos valores pagos por elas iria para o transporte coletivo.
Outras possibilidades para subsidiar o sistema seriam usar parte de taxas da EPTC e uma parcela do fundo do idoso, o que já está sob análise técnica de viabilidade. Melo acredita que “há espaço” para revisar o desconto de 50% na passagem para estudantes universitários. Ele também pretende se reunir com outros prefeitos para pressionar o governo federal pela retirada de todos os impostos que incidem sobre o transporte rodoviário.
Sobre a Carris, o prefeito eleito diz que não há decisão sobre mantê-la pública ou privatizá-la. Afirma que as possibilidades estão sob à mesa e deixa no ar até uma terceira opção ao questionar se, em tempos de pandemia, “a Carris teria comprador privado?”. Ele assegura que, na gestão dele, não colocará “mais R$ 66,6 milhões dos cofres públicos na Carris”, o que foi necessário em 2020 diante da crise causada pela pandemia.
— Está na hora de o prefeito desta cidade fazer as mudanças que precisam ser feitas no transporte coletivo. Não dá mais — afirma Melo.