Cinco anos depois de GaúchaZH revelar suspeitas de que a Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa) estava sendo usada para desvio de dinheiro público, a primeira de mais de 12 investigações abertas pelo Ministério Público teve desfecho na Justiça.
Dois ex-integrantes da cúpula da companhia foram condenados a ressarcir valores ao erário e a pagar multas. Investigações do MP foram abertas com base em série de reportagens de GaúchaZH. As fraudes julgadas neste caso foram esmiuçadas a partir de colaboração premiada, feita por um prestador de serviços da Procempa.
Pelo menos outras 23 ações sobre as irregularidades na Procempa tramitam na Justiça: 14 cíveis e oito criminais. São apuradas diversas fraudes que teriam ocorrido na companhia durante gestão do PTB, entre 2005 e 2013.
A testemunha que delatou o esquema confessou que gestores simulavam processos de contratação de serviços e superfaturavam valores. Para um serviço no valor de R$ 7 mil, por exemplo, a Procempa chegava a desembolsar R$ 70 mil. O dinheiro pago a mais seria distribuído para investigados, além de cobrir, em alguns casos, despesas pessoais de gestores. Também há casos de serviços não executados, mas pagos.
Giórgia Pires Ferreira, ex-diretora administrativa, e Ayrton Gomes Fernandes, ex-gerente financeiro da companhia, foram condenados na ação de improbidade a perder função pública, caso ocupem alguma no momento, a devolver juntos um total de R$ 130 mil corrigidos desde 2012 e a pagar multa no valor de três vezes do total já corrigido.
Também tiveram os direitos políticos suspensos por 10 anos e estão proibidos de contratar com o poder público pelo mesmo tempo. Até a quarta-feira (29), Giórgia ocupava cargo em comissão na Assembleia Legislativa. Estava lotada na bancada do PDT, mas executava funções no gabinete do deputado Edu Oliveira (PDT). Ao saber da sentença por GaúchaZH, Giórgia disse ter pedido exoneração. A bancada confirmou a demissão. Ayrton, segundo sua defesa, não ocupa função pública.
O prestador de serviços que fez a delação, Adriano Ignácio Fagundes, teve como punição a proibição de contratar com o poder público por três anos. Outro réu que foi investigado, Gustavo Souza Machado, que atuava no setor de comunicação da companhia, foi absolvido por insuficiência de provas. A sentença é de 21 de agosto. Os réus podem recorrer. Eles respondem a processo criminal pelos mesmos fatos.
No processo julgado, os fatos investigados são de meados de 2011 e 2012 e envolvem os processos administrativos para serviços em três eventos. Formatura do Projeto Pescar (contratação de empresa para atualização de material em vídeo, captação de imagens em vídeo profissional e serviço de fotografia), cobertura do Fórum Social Temático 2012 (captação de imagens, produção e iluminação, unidade móvel e demais despesas com alimentação e deslocamento de trabalho para os horários noturnos e finais de semana) e a realização de levantamento fotográfico e audiovisual, sem evento específico. Neste último, não foi apurado superfaturamento. Mas nos dois primeiros o superfaturamento, segundo o MP, foi de R$ 130 mil, em valores de 2012.
Em depoimentos detalhados, Fagundes contou como funcionaria o esquema: "Que Ayrton dizia para o depoente que era uma condição para que prestasse serviço junto à Procempa a emissão de nota fiscal com valor mais elevado. Que o valor final constante nos orçamentos que o depoente enviava para a Procempa era fornecido por eles (gestores da companhia). Que o depoente sempre cobrou o seu valor (o valor real do serviço) e o resto o depoente entregava para Ayrton na Procempa".
Conforme a testemunha, quando a Procempa fazia o pagamento superfaturado, depositando para a empresa prestadora de serviço, era feito o saque do total e o valor pago a mais era devolvido ao então gerente financeiro da companhia. Fagundes representava mais de uma empresa, fornecendo notas fiscais à companhia. Ele também contou que Ayrton ligava para Giórgia para saber o que deveria constar como descrição de serviço nas notas fiscais fraudadas.
O delator confirmou outra suspeita que envolvia a Procempa: de uso de dinheiro público para despesas pessoais de funcionários. Fagundes disse ter fotografado a festa de familiares de Giórgia e ter sido pago por meio de valor "embutido" em nota fiscal quitada pela companhia. O prestador de serviço afirmou ter trabalhado também em festas de parentes de Ayrton , todos trabalhos pagos pela Procempa.
Serviços realizados para a Associação dos Funcionários da companhia e evento partidário também seriam quitados desta forma, contou a testemunha. Na sentença consta que Ayrton chegou a comprar uma máquina de contar dinheiro com verba da Procempa. O equipamento foi localizado por autoridades durante buscas.
Depois de revelada uma série de suspeitas de irregularidades e descontrole na gestão da Procempa, a companhia também foi alvo de uma CPI na Câmara de Vereadores. O relatório final da comissão foi aprovado em 2014 com o indiciamento de 13 pessoas.
Trechos da denúncia
"Referido esquema foi orquestrado e regido por funcionários ocupantes de cargos de maior envergadura dentro da instituição, que chegaram à Procempa por meio de indicação política, ocupantes de cargos comissionados; até eventos partidários foram cobertos às expensas da Procempa ou, melhor, de recursos públicos, bem como eventos familiares dos próprios demandados."
"A instituição, pode-se dizer, foi saqueada em seus recursos financeiros, em especial, pelo que a prova revelou, pelos réus Ayrton, Giórgia e Adriano."
Contrapontos
Caetano Cuervo Lo Pumo, advogado de Ayrton Fernandes, disse que vai se manifestar depois de conhecer o teor da sentença.
Pedro Abel Alves da Rosa, advogado de Giórgia Pires Ferreira, disse que vai se manifestar depois de conhecer o teor da decisão.
Felipe Cardoso Moreira de Oliveira, advogado de Adriano Fagundes, preferiu não se manifestar.