Um minucioso trabalho de inteligência, reunindo depoimentos, suspeitas veiculadas em reportagens e apurações oficiais, levou o Ministério Público (MP) a vasculhar na terça-feira as casas de quatro pessoas ligadas ao grupo que comanda a Companhia de Processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa) desde 2005.
Suspeitas indicam que em torno de R$ 50 milhões podem ter escoado da Procempa por meio de pagamentos de eventos, fraudes em contratos e superfaturamento. Há fortes indícios de divisão de propina entre agentes políticos. A ação foi o ápice de uma série de suspeitas que pesam contra a gestão da companhia há meses.
Em maio e junho, Zero Hora publicou uma série de reportagens noticiando suspeitas de desvios na companhia.
Relembre o caso
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Na operação de terça-feira, batizada de Sete Chaves, policiais civis e militares, que atuam junto ao MP, cumpriram mandados de busca e apreensão nos endereços de Claudio Manfroi, conselheiro da Procempa e um dos maiores expoentes do PTB, de André Imar Kulczynski, ex-presidente da companhia, de Giorgia Pires Ferreira, ex-diretora administrativa e financeira da empresa, e de Ayrton Fernandes, ex-gerente financeiro.
Armas foram encontradas nas casas de investigados. Foto: Adriana Franciosi, Agência RBS
Agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP buscavam terça-feira, principalmente, documentos relacionados à Procempa, já que diversos contratos e notas fiscais estão desaparecidos. Mas também foram apreendidos armas e valores, em dinheiro, totalizando R$ 134 mil.
Kulczynski também é do PTB, e Giorgia se desfiliou da sigla em junho, depois de ser demitida da Procempa. Manfroi, além de integrar o conselho fiscal da companhia, é chefe de gabinete da liderança do PTB na Assembleia Legislativa e secretário-geral do partido em Porto Alegre. Fernandes é funcionário de carreira da companhia, mas está sofrendo processo de demissão por conta de irregularidades apontadas em sindicâncias.
Prefeito manteve PTB na companhia
Conforme a promotora Martha Weiss Jung, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, o MP recebeu informações de que documentos importantes poderiam estar nas casas dos suspeitos. O MP não deu maiores detalhes da investigação, que tramita em sigilo.
O trabalho também tem como base as apurações feitas na Procempa: uma inspeção determinada pelo prefeito José Fortunati (PDT), concluída em junho, e duas sindicâncias feitas na companhia, encerradas em julho.
A partir dessas apurações e de denúncias diversas, o MP reuniu mais de uma dezena de depoimentos. O teor seria semelhante aos colhidos nas sindicâncias da Procempa. Nas apurações internas da companhia, testemunhas confirmaram irregularidades, afirmando que recebiam ordens superiores para fazer pagamentos fraudulentos de serviços cuja prestação não estava comprovada. Os principais contratos da empresa de tecnologia estão sob suspeita.
Um deles, que já motivou ação na Justiça de autoria do MP, é o do Sistema Integrado de Administração Tributária (Siat). A partir de reportagens de ZH, o MP também abriu investigação referente a irregularidades nos planos de saúde e odontológico da Procempa.
Apesar dos indícios de fraudes na gestão do PTB, o prefeito manteve o comando da companhia com o partido e já anunciou o nome do novo presidente, que ainda não tomou posse.
Pacote com R$ 46 mil foi jogado pela janela
Pelo menos uma cena curiosa ocorreu durante as buscas da Operação Sete Chaves. Quando agentes chegaram à casa de André Imar Kulczynski, na Capital, um pacote voou por uma das janelas: era um embrulho com R$ 46 mil. O material foi recuperado no pátio.
Também foi na residência do ex-presidente da companhia que foi apreendida a maior quantidade de documentos relacionados à empresa de tecnologia, comandada por ele desde 2005. Dezenas de caixas de papelão catalogadas foram carregadas pelos policiais com ajuda de um carrinho de mão. Seriam cópias de processos e de atas de reunião.
Kulczynski perdeu a presidência da Procempa no auge das denúncias de irregularidades. Foi pressionado a se demitir, o que ocorreu em 5 de junho. Imediatamente, ganhou uma vaga no gabinete do vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB), de onde foi dispensado terça-feira, depois de ter sido preso em flagrante por posse de duas armas de fogo. Ele pagou fiança de 10 salários mínimos e foi liberado.
O ex-gerente financeiro Ayrton Fernandes também foi autuado em flagrante porque tinha um revólver sem registro em casa. Saiu do Palácio da Polícia mediante fiança no valor de cinco salários mínimos. Na casa dele foram pegos ainda R$ 8 mil, U$S 4 mil e dois mil euros, valores apreendidos pelos agentes do Gaeco. O caso mais complicado foi o do conselheiro da Procempa Claudio Manfroi.
Além de R$ 65,2 mil, ele tinha em casa nove armas, uma delas de uso restrito das Forças Armadas. Por causa dessa arma, ele não teve fiança arbitrada pela polícia. Depois de formalizado o flagrante, Manfroi foi colocado na cela da Área Judiciária com outros presos. Conforme a chefia da Polícia Civil, ele seria levado ao Presídio Central por volta das 20h, ao final do plantão.
Antes disso, no entanto, a defesa de Manfroi obteve na Justiça o relaxamento da prisão em flagrante, mediante o compromisso de que ele compareça a todos os atos processuais.
Contrapontos
O que disse André Kulczynski, ex-presidente da Procempa
"Eu tinha essa arma desde a época que trabalhava na Secretaria da Fazenda, em operações. Não sabia que o registro estava vencido. Os documentos encontrados na minha casa são cópias de processos e de atas de reuniões, que vinha guardando desde 2005, quando assumi. É um direito meu. Não sei se estes documentos são ou não cópia destes que supostamente desapareceram (da Procempa). Como era praxe eu mandar tirar uma cópia quando passavam pelo meu gabinete, quando saí levei comigo. Espero que parte deste acervo possa servir ao Ministério Público na elucidação daquilo que os originais por ventura tenham sumido".
O que disse Ricardo Giuliani, advogado de Claudio Manfroi
"Alguns registros das armas estão vencidos. Uma cópia do registro (da arma de uso restrito) já foi entregue e demonstra a origem desta arma, que tem mais de 25 anos. Foi apreendido dinheiro com ele. O valor é demonstrado na declaração do Imposto de Renda como dinheiro em espécie, tem contratos que demonstram a finalidade que este dinheiro seria usado. Não tem absolutamente nada que se necessite esconder. Não foi apreendido nenhum documento relacionado à Procempa. Ele está prestando declarações. Orientei ele a não falar (com a imprensa). Não quero a condenação por antecipação, nem a absolvição por antecipação. Não quero o escárnio público nem o prazer do Ministério Público, que estoura a imagem das pessoas e abandona. É isso que o MP faz, e é por isso que eu nunca perdi uma ação do Ministério Público".
O que disse Giorgia Pires Ferreira, ex-diretora da companhia
"Só apreenderam um pen drive com conteúdo pessoal e cópia da sindicância da Procempa. Não foi encontrado nada de irregular ou que fosse objeto da busca. + A advogada que acompanhou o flagrante de Ayrton Fernandes na Área Judiciária não quis se identificar e disse que apenas representava o advogado do caso. Até o fechamento desta edição, o advogado não fez contato com a reportagem".