Quatro anos depois de assumir a prefeitura de Porto Alegre com o discurso de que a cidade estava falida, Nelson Marchezan entrega as chaves do Paço Municipal a Sebastião Melo declarando ter obtido os melhores resultados financeiros das últimas duas décadas.
— Saímos do pior momento e estamos entregando no melhor momento. O próximo prefeito terá mais facilidade do que todos os outros prefeitos eleitos dos últimos 20 anos — declarou Marchezan na quarta-feira, ao fazer um balanço das finanças em transmissão pelo Facebook.
A projeção é de que Porto Alegre encerre o ano com R$ 201 milhões em caixa. Segundo cálculos da Secretaria da Fazenda, a administração anterior fechou com R$ 437 milhões de déficit. As gestões anteriores criticam a forma do atual governo de apresentar as contas, por desconsiderar previsões de receitas e recursos nos caixas de autarquias. Marchezan, todavia, ao longo do governo optou por mostrar balanços desconsiderando recursos incertos ou inacessíveis.
De acordo com a secretária de Planejamento e Gestão, Juliana Castro, o enxugamento das contas se deu a partir de uma série de medidas estruturais em conjunto, entre as principais delas, substituir serviços oferecidos por servidores públicos por parcerias com entidades terceirizadas.
Isso se deu, de forma mais visível, nos convênios com entidades de saúde na gestão dos postos e na ampliação de contratos com escolas comunitárias, remuneradas por alunos atendidos. Outras medidas ajudaram com que o déficit fosse reduzido, como o aumento da alíquota de contribuição previdenciária dos servidores municipais de 11% para 14% aprovada já em 2017. Assim, o déficit que era de R$ 370 milhões em 2017, caiu para R$ 82 milhões no ano seguinte.
Na questão sempre polêmica da contratação de cargos em comissão (CCs), o governo Marchezan começou o ano com uma meta de redução de 30% do efetivo. De fato, o número de CCs caiu de 866 em 2016 para 643 em 2017 (25,7%), mas esse número foi crescendo de forma constante ao longo do governo, chegando a 801 em 2020.
Se José Fortunati encerrou o governo gastando R$ 113,4 milhões em CCs, Marchezan encerra 2020 não tão distante: foram R$ 101,7 milhões em 2020. Para fins de balanço, o governo Marchezan prefere focar na economia somados os quatro anos de governo, que foi de R$ 72,8 milhões.
Segundo Juliana, seja em CCs ou em servidores, o maior ponto de atenção da gestão municipal foi e seguirá sendo o controle do gasto em pessoal:
— A pandemia certamente vai exigir mais gastos em áreas como a saúde e o serviço social. Mas a área em que nenhum governo pode descuidar é do gasto em pessoal. Isso sempre exigirá atenção. Reverter essa curva que vinha subindo foi um dos grandes desafios dessa gestão.
Se em 2017 o município gastava 50,9% das suas receitas em pagamentos de pessoal — perto do limite de 54% estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a projeção é de que em 2020 o percentual fique em 41,57%. Além dos aumentos de receita, isso se deu pelo fim de benefícios como os reajustes automáticos e incorporações de funções gratificadas, que impactaram em R$ 35 milhões em dois anos.
IPTU
Outro acréscimo de receita importante se deu com a atualização do IPTU, em 2019. Segundo o secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, um eventual cancelamento dos aumentos previstos para depois de 2022 — conforme prometido por Sebastião Melo em campanha —favoreceria imóveis cujos valores estavam mais defasados, mas que foram beneficiados pelos limites dos aumentos aplicados nos primeiros anos de reajuste. Somente em 2022, seriam R$ 30 milhões a menos em caixa.
Busatto cita ainda dois pontos de atenção. Na previdência, o sistema não capitalizado somará uma despesa de R$ 1,05 bilhão à prefeitura em 2020, um crescimento impossível de ser estancado sem um projeto de reforma da previdência, que Melo alertou que pretende encaminhar. Já o sistema capitalizado apresenta um caixa de R$ 412 milhões positivos.
Por fim, o secretário chama a atenção para mudanças do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb), aprovado em dezembro pelo Congresso, de forte impacto em Estados e municípios: a impossibilidade de usar o recurso para o pagamento de aposentados e pensionistas e de contabilizar o desembolso desses antigos servidores nos 25% de receita que, conforme a Constituição, o município teria de gastar em educação. Em Porto Alegre, são R$ 300 milhões anuais gastos nesses pagamentos.
— A aplicação do Fundeb é uma das maiores broncas que os prefeitos vão enfrentar nos próximos anos. Por isso, a prefeitura e o governo do Estado, que também é afetado, estão recorrendo aos tribunais de contas e à Justiça para modular a lei. Negociar, no mínimo, um período de adaptação — declara o secretário.