O MDB gaúcho tradicionalmente formou líderes cautelosos na hora de falar publicamente sobre políticas que gostariam de executar nos seus governos. Nesta entrevista, Sebastião Melo (MDB), que assume a prefeitura de Porto Alegre nesta sexta (1º), foge do padrão e não fica em cima do muro.
Afirma que fará ainda em 2021 a reforma da previdência dos servidores municipais, anuncia a criação de um fundo de segurança pública e a realização de uma auditoria na folha de pagamento da prefeitura.
Entre outros temas, como a defesa da derrubada do muro da Avenida Mauá, Melo projeta os quatro anos do governo que se inicia. Confira a seguir os principais trechos.
O senhor já definiu quais serão as primeiras medidas do governo?
Temos a pretensão de mandar em janeiro a quebra do monopólio da Procempa. Hoje a Procempa é uma empresa que tem o monopólio da questão tecnológica na prefeitura e a gente acha que ela tem que concorrer como qualquer outra empresa. A gente vai dizer o que queremos contratar e, se a Procempa nos oferecer, ok. Mas, se ela não nos oferecer, a gente pode comprar tecnologias de outras empresas. Queremos modernizar a máquina pública. A questão do IPTU já orientamos e o projeto está em andamento. Se vai sair nos primeiros dias ou não, é uma questão que o secretário da Fazenda ainda não me disse. De imediato, vamos fazer uma mudança no (telefone) 156, que é a porta de entrada dos serviços. Temos que melhorar, os serviços da cidade não estão bem, desde a limpeza do foco de lixo até a poda de árvore, o tapa-buraco. O 156 precisa ser mais inteligente e ter uma aferição após o serviço. Hoje ele não afere a qualidade do serviço. Outra coisa: a prefeitura está gastando R$ 16 milhões com aluguéis em Porto Alegre. Acho excessivo. Dá para reduzir e bastante. E quero discutir esse home office. Está sendo monitorado? Está todo mundo em casa produzindo ou não está produzindo? São 10 mil ou 12 mil funcionários que estão em casa. Temos de discutir isso. Vou licitar de imediato uma auditoria na folha de pagamento. Se tem gente recebendo menos, vamos pagar mais. Agora, se tem gente recebendo mais, tem que cortar. Cada um dos 11 mil funcionários tem um contracheque. Tudo que está se recebendo ali está correto?
Por que isso? Algum indicativo de erro na folha de pagamento?
Se nunca tivemos auditoria na folha, como alguém me diz se está certo ou errado? Eu, gestor, quero saber. Se está certo, aplauso. Se tem alguém recebendo menos, quero mandar pagar mais.
Se nunca tivemos auditoria na folha, como alguém me diz se está certo ou errado? Eu, gestor, quero saber. Se está certo, aplauso. Se tem alguém recebendo menos, quero mandar pagar mais. Mas, se tem alguém recebendo mais… Temos que diminuir os custos das atividades-meio. Vamos revisar contratos também. E vamos mandar para a Câmara a reforma da previdência. Isso está posto com clareza, mesmo que não seja de imediato. O governo federal fez a reforma da previdência e deixou os municípios e os Estados fora. No caso de Porto Alegre, aqueles parâmetros que levaram (a idade mínima para aposentadoria) do homem para 65 anos e da mulher para 62, isso não foi feito aqui. Essa reforma é absolutamente necessária.
Quais são os parâmetros para a reforma da previdência dos municipários?
A reforma federal. Temos de adaptar a lei municipal à reforma federal. Isso tem de ser colocado neste ano (2021), sem dúvida nenhuma. Vamos propor à Câmara de Vereadores.
O presidente Jair Bolsonaro tem emitido sinais contraditórios sobre a vacina para a covid-19. Ele já disse que “não dava bola”, falou em virar “jacaré”, ao mesmo tempo em que já disse ter “pressa”. No meio deste vaivém, o Brasil ficou para trás na imunização. O prefeito Sebastião Melo tem pressa para vacinar a população?
Muita. Não tem nada mais importante neste momento, para o mundo, do que a vacina. Todos os continentes e países trabalham pela vacina. Nós não seremos diferentes. Eu continuo acreditando que o Brasil vai comprar. Acredito no bom senso. E o orçamento para comprar a vacina está na mão do governo federal. Vacina é cara. Os municípios vão ter de tirar de onde não tem para comprar, mas tiraremos, se for o caso. Se eu perceber, na conversa que terei com o ministro (da Saúde, Eduardo) Pazuello, que esse assunto tem uma certa dubiedade do governo federal, daí teremos de fazer um consórcio (da Região Metropolitana) para baratear o preço. E temos de dar conta da logística. Se não, daqui a pouco, temos a vacina no Brasil, mas não tem a logística. Tem a seringa? A geladeira? O que vem junto com a vacina? O governo federal tem de dar alguns parâmetros.
Eu continuo acreditando que o Brasil vai comprar (a vacina contra coronavírus). Acredito no bom senso. E o orçamento para comprar a vacina está na mão do governo federal.
Há dias do fim do mandato, o prefeito Nelson Marchezan lançou uma consulta pública para a concessão dos serviços de água e esgoto à iniciativa privada. Qual sua avaliação? Irá manter ou revisar o processo?
Marchezan tem legitimidade para lançar até o final do dia 31, em todas as áreas, as parcerias que ele entender importantes. E todas as parcerias que ele avançou e que são boas para a cidade, eu vou mantê-las. Tenho dúvida se devemos ter parceria público-privada só para o tratamento de esgoto ou se envolvemos (fornecimento de) água. É uma decisão a tomar junto com o Dmae e o centro do governo. Quanto ao esgoto, não tenho dúvida nenhuma de fazer concessão. Da água, quero analisar mais.
Existe a informação de que o senhor vai assinar um contrato de compliance com secretários e dirigentes de autarquias e empresas públicas. Qual o objetivo?
O melhor detergente para o bom serviço público é o sol. A transparência. Compliance é agir com transparência, ter metas. Esse compliance tem que atingir não só os servidores públicos, mas também os prestadores de serviço. O sujeito ganha uma concorrência no Dmae para prestar serviço e daqui a pouco deixa 30 dias um buraco aberto com um cavalete. E, no dia da (Secretaria da) Fazenda, ele recebe o dinheiro. Está correto isso? Penso que o dinheiro público tem que ter zelo enorme, traduzir para o cidadão melhoria na cidade. Estamos trabalhando a questão do compliance e a Secretaria da Transparência está no centro dessa questão. Vamos dar um prazo para ser assinado.
Quando o senhor foi vice-prefeito no governo de José Fortunati houve problemas de ordem ética em algumas secretarias. Qual vai ser a conduta do senhor como prefeito caso surjam suspeitas de más práticas?
Tenho pelo Fortunati um homem muito correto. Toda vez que surgiu algum problema, ele foi o primeiro a determinar a instauração de medidas rigorosas internas, inclusive compartilhando com o Ministério Público tudo o que era apurado na prefeitura. O meu procedimento será muito singelo: eu não condeno nem absolvo ninguém por antecipação. Minha vida sempre foi assim. Mas, no nosso governo, a tolerância é zero com a corrupção. Zero ao cubo.
E isso significa o que?
Significa que se tiver algum problema, quem vai tomar providência não é o Ministério Público. É o próprio prefeito.
O atual governo projeta fechar o ano com todas as contas pagas e superávit de R$ 201 milhões. O senhor concorda com esse número? Irá manter a política de equilíbrio fiscal?
Vou pedir um levantamento a todos os secretários, começando pela Fazenda, para saber qual a prefeitura que assumi. E não é para ficar olhando para trás, mas para saber qual prefeitura eu assumi.
O nosso governo será de equilíbrio fiscal. Quanto à questão de déficit ou não, só vou me pronunciar depois de tomar posse. Depois do inventário. Vou pedir um levantamento a todos os secretários, começando pela Fazenda, para saber qual a prefeitura que assumi. E não é para ficar olhando para trás, mas para saber qual prefeitura eu assumi. É um direito que tenho. Os orçamentos, a partir de 2018, todos foram superestimados do ponto de vista da despesa por parte do atual prefeito, para depois dizer que não teve déficit orçamentário. Eu tenho que comprar um Fusca e digo que vou comprar uma Mercedes, mas eu sei que não é uma Mercedes. Eu compro o Fusca e o que acontece? Eu sei que essa despesa não é real. Peça orçamentária, no Brasil, é ficção até hoje.
O senhor tem falado muito, desde a campanha, de cuidar dos bairros, começando pelo Centro. Como pretende entregar o centro da cidade ao final do seu mandato?
Quero pessoalmente comandar uma reunião com os síndicos do centro de Porto Alegre. Quero dizer a eles: "Vamos juntos dar uma pintura no Centro?" .
O trecho 3 da orla está em execução e vamos continuar dentro do mais rápido possível. Tenho o compromisso de botar uma marina pública no trecho 2 da orla. Vamos à luta neste assunto. No Cais Mauá, penso que é gestão do Estado, vou me colocar ao lado do governador, mas, na minha opinião, tinha de baixar o muro da Avenida Mauá. Esse risco nós temos de correr. Baixar o muro com tecnologia que, caso tenha enchente, tu podes ter uma placa (de contenção). Se o povo enxergar os galpões, vai obrigar os governos a fazerem as obras. Não é possível que, em 30 anos, elas não tenham acontecido. Mas o que a prefeitura interfere naquela área do Cais é a questão urbanística, licenciamento. Eu estarei ao lado do governador para fazer tudo o que for possível para devolver o Cais Mauá ao povo de Porto Alegre. Conversei já com a Secretaria do Urbanismo e talvez possamos propor uma mudança no plano diretor aqui no Centro, permitindo mais construções. E isso terá de dialogar com o processo de revitalização, mais adensamento e contrapartida. Tem o Viaduto Otávio Rocha, precisamos encontrar alguma contrapartida para recuperá-lo. É uma obra de arte fantástica. Pode ter certeza que vamos entregar um Centro melhor, com pequenas coisas. Quero pessoalmente comandar uma reunião com os síndicos do centro de Porto Alegre. Quero dizer a eles: "Vamos juntos dar uma pintura no Centro?".
Um dia depois de vencer a eleição, o senhor declarou: “Não vou aumentar a máquina pública, nem que a vaca tussa”. Ainda não é conhecida a reforma administrativa no detalhe, mas o seu governo terá mais secretários do que a gestão atual. Neste sentido, o senhor considera correto avaliar que a vaca tossiu?
Lê a lei 173/2020 federal. Ela não permite nenhum aumento de despesa até o final de 2021. A primeira coisa: Marchezan tem 18 secretarias. São 15 secretários, o Covid, a Mobilidade Urbana e mais uma que está vaga (cita três secretarias extraordinárias). Então não são 15 secretarias, são 18, ok? Vou propor duas secretarias a mais. E o que eu vou fazer? Os CCs (cargos em comissão) que hoje estão nessas secretarias, nessas 18, serão desfeitos, eles acabam, vamos revogar esses CCs (extinguir parte dos CCs para compensar criação de cargos de secretários). Não vai ter aumento de despesa de um centavo. Se tivesse 50 secretarias, 70, 20 ou 10, seria o mesmo gasto. Não tem despesa a mais. Nós tínhamos (no governo Marchezan) a Secretaria do Planejamento e de Administração. O que estamos fazendo? Estamos desdobrando (essa pasta irá ser dividida em duas) porque é impossível em uma secretaria cuidar de todo o funcionalismo, do Previmpa, de locação de veículos. O único aumento de despesa vai ser um secretário e um substituto, que eu vou tirar de algum lugar (assessor técnico de Melo interfere para comentar: “Vamos tirar 18 CCs para formar dois secretários novos”). Vamos extinguir CCs para cobrir o valor dos secretários. O que estamos recriando é o Esporte e Lazer, que considero essencial na vida da cidade. E a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária. Queremos dar dignidade para as pessoas. Nessa área, queremos fazer 40 anos em quatro. O cara está há 30 anos numa casa e não tem a titulação, não tem escritura, não tem registro de imóveis. Então, saímos de 18 secretarias para 20. Estamos melhorando a entrega com o mesmo gasto.
O que o senhor pretende pedir de projetos para o secretário Mario Ikeda na Segurança?
Tenho ISS e IPTU para recolher, posso reservar 2% ou 3% para aplicar em segurança pública. O empresário poderá dizer que quer comprar colete para a Guarda.
O governo é maior do que um secretário. Vamos mudar a idade para entrar na Guarda Municipal. Vai ser a mesma idade do brigadiano (25 anos, idade limite para ingresso no último edital, em 2017). Hoje não é assim. Hoje se pode entrar na guarda até com 52 anos. Isso não está correto. E vamos mandar uma lei para a Câmara de incentivo à segurança pública nos moldes daquela feita pelo governo Sartori (no Estado foi criado o Programa de Incentivo ao Aparelhamento da Segurança Pública). Ele submete esse projeto ao secretário Ikeda, que aprova e vai para o fundo. Podemos comprar colete, arma e viatura para a Guarda. Nos moldes que concebemos, a Polícia Civil e a Brigada Militar com atuação em Porto Alegre podem também receber melhorias com o dinheiro deste fundo.
Daqui quatro anos, o senhor deseja que o governo Melo seja lembrado por quais motivos e símbolos?
Que melhorou a vida da cidade, melhorou a vida das pessoas e não teve uma mácula de corrupção.