Profissionais de saúde do Postão da Vila Cruzeiro, na zona sul de Porto Alegre, estão denunciando uma situação vista por eles como inadequada no atendimento aos pacientes no local. Segundo eles, há risco de contaminação com o coronavírus. Conforme a coordenação da pediatria do pronto-atendimento, a ala destinada a pessoas com síndromes respiratórias está sendo usada para atender tanto crianças com problemas comuns no inverno, como asma e resfriado, quanto pessoas que chegam com sintomas que indicam suspeita de contaminação por covid-19.
Em função da pandemia, foi montada uma tenda do lado de fora do posto para recebimento dos pacientes com sintomas respiratórios, separando-os dos que apresentam outras enfermidades. Porém, conforme relato do coordenador da pediatria da unidade de saúde, Hélio Simão, o local não possui as condições necessárias para prevenir uma possível contaminação de pacientes e funcionários.
Segundo Simão, para a doença não se proliferar, o local precisa ter condições de ventilação natural ou equipamentos de isolamento respiratório com pressão negativa do ar, requisitos que ele afirma que não são cumpridos.
— Além de utilizar um espaço insalubre para os adultos, crianças com crise de asma ou até mesmo com resfriado comum estão esperando atendimento juntamente com seu responsável, em contato direto com um adulto que pode estar com covid-19. Ou seja, o fluxo de atendimento aqui coloca os pacientes pediátricos na mesma área física dos pacientes adultos. Em nome dos 26 pediatras do posto que eu represento, digo que não concordamos com isso — explica o médico.
Simão salienta que, pelo fato de as crianças terem um índice de contaminação por coronavírus muito pequeno, a exposição a adultos com suspeita da doença gera um risco não só para elas, mas também para seus acompanhantes. O coordenador afirma ainda que foi enviado à Secretaria de Saúde de Porto Alegre um comunicado sobre a situação, mas relata que não obteve retorno.
Simão também cita que o local está há 27 dias sem diretoria interna. Ele acredita que essa pendência esteja influenciando na situação.
O caso está sendo acompanhado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren-RS) e pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers).
Por meio de nota, o Coren-RS informou que realizou uma fiscalização no Postão da Cruzeiro na última terça-feira (26) e encontrou as seguintes inconformidades:
- Não havia uma sala de administração de medicações exclusiva, sendo improvisada no quarto de isolamento da pediatria. O posto informou que ainda não internaram crianças no local;
- Há um único banheiro para uso coletivo dos pacientes (adultos e pediátricos);
- Não há sala de descanso e sala de lanches para os profissionais (estão em obras para adequação);
- Os profissionais da área covid estão tendo que fazer a lavagem e desinfecção das roupas de trabalho, quando o correto seria a instituição fazer isso;
- A instituição não possui um serviço de controle de infecção. Desta forma, faltam informações de precauções, não há check-list nem controle de validade eficaz de materiais e medicamentos;
- Os profissionais informam que faltam capacitações para o atendimento ao paciente com covid-19 e a apresentação de fluxos descritos orientando o atendimento dos casos suspeitos e confirmados.
Fiscalização no local
A partir dos apontamentos, o Coren-RS vai avaliar o encaminhamento de ofício para a Vigilância Sanitária em função das irregularidades na área física e os demais problemas para o Ministério Público, Ministério Público do Trabalho e a Secretaria Municipal da Saúde.
O presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade, disse que a entidade recebeu a denúncia e que esteve no postão realizando uma fiscalização na última sexta-feira (22).
— Estivemos no local averiguando a situação e estamos fazendo uma análise do que foi visto. Para emitir um parecer, estamos aguardando o retorno dos questionamentos feitos para o secretário de Saúde municipal para definir que providências precisam ser tomadas. Temos algumas inconformidades com a estrutura física, mas ainda não podemos afirmar o risco. Nosso parecer deve sair na próxima sexta-feira (29). A gente tem que garantir uma estrutura física adequada para todos os pacientes — esclarece.
Diferentemente do Cremers e do Coren-RS, que funcionam como órgãos de fiscalização, o Simers, por ser um sindicato, não pode ter acesso ao local para verificar as denúncias sem autorização da prefeitura, o que, segundo Eduardo Dias, diretor da instituição, não foi concedido.
O sindicato, no entanto, conversou com profissionais da saúde que atuam no posto para identificar os problemas relatados. Segundo ele, foi constatada uma questão no fluxo de pacientes e funcionários que gera risco de contaminação tanto para um quanto para outro. Ele afirma que os funcionários não possuem, por exemplo, uma área em que possam vestir os equipamentos de proteção individual antes de terem contato com os pacientes.
— Esse fluxo precisa ser feito para proteger trabalhadores, pacientes e acompanhantes. A coleta de material biológico é feita dentro da tenda respiratória, pois não existe uma sala isolada para a coleta desse material. Além disso, não existe um fluxo bem definido na unidade. Há uma semana houve um óbito por complicações respiratórias e ninguém sabia para onde direcionar o paciente sem contaminar o local ou outras pessoas. O corpo acabou circulando por partes do posto que não eram da ala respiratória. Esperamos que esse fluxo esteja sendo pensado pela gestão — alerta Dias, que afirma não ter havido um treinamento sobre essas situações.
Entre outras questões, ele também salienta que a divisória dos leitos para pacientes com problemas respiratórios não vai até em cima, que o banheiro utilizado por essas pessoas é o mesmo dos acompanhantes da pediatria, que as janelas da ala não são adequadas para a situação e que a área em que são colocados os materiais que precisam ser desinfetados ficam ao lado da sala em que as crianças tomam banho.
Segundo o Simers, não há uma separação entre profissionais que atuam apenas com suspeitas de covid-19 e os que atendem outros pacientes. O sindicato também diz que não há um esquema de segurança na parte da tenda que foi feita em função do coronavírus, e que isso causa medo nos profissionais, já que a região é considerada área de risco.
— O que o sindicato está buscando não é o fechamento ou negativa de atendimento, o que a gente quer é que esses impasses se resolvam e as adequações sejam feitas. Isso evita que os profissionais se afastem por motivos de doenças e desfalquem o atendimento à população. O volume de atendimento não tem sido um problema, e justamente por isso acreditamos que poderíamos dar conta de organizar esse fluxo antes que haja mais casos de doenças respiratórias — explica Dias.
Contrapontos
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde da Capital informou que o Postão da Cruzeiro trabalha desde 20 de março com fluxo separado para atendimento dos casos sintomáticos respiratórios, através de tenda de atendimento instalada na entrada do serviço. E que essa medida foi tomada desde o início do enfrentamento à covid-19 em Porto Alegre, que tem seis tendas diferentes espalhadas pela cidade, e explica, em parte, o "excelente controle da epidemia" e, até hoje, "a inexistência de surtos nas emergências hospitalares públicas de Porto Alegre".
O texto segue dizendo que, prevendo o aumento e a complexidade nos atendimentos, a equipe de manutenção e obras do pronto atendimento trabalhou na adequação de uma área interna para receber adultos, liberada para utilização em 15 de maio. E que o local foi vistoriado pela Vigilância em Saúde no mesmo dia, a qual apontou algumas poucas adequações, que estão em fase de conclusão.
Conforme a secretaria, tanto o local quanto os fluxos de atendimento seguem as normativas existentes para atendimentos aos casos suspeitos da covid-19, com isolamento e profissionais devidamente paramentados. A Coordenação de Urgências ressalta que o local é destinado para o primeiro atendimento, e que "pacientes que necessitam de maiores cuidados são transferidos para os hospitais de referência com máxima brevidade".
Segundo a coordenação, não faltam equipamentos de proteção individual (EPIs) e os estoques dos EPIs são monitorados semanalmente em todos os serviços da cidade.
A prefeitura de Porto Alegre ressalta que "desde o início da pandemia, são adotados protocolos padronizados para todos os serviços de saúde da Capital para atendimento de pacientes com suspeita de covid-19, baseados nas melhores evidências científicas e nas recomendações do Ministério da Saúde".
O órgão municipal "reafirma seu papel de cuidar da saúde das pessoas e reforça que a população pode seguir procurando o serviço normalmente".