O governo do Rio Grande do Sul tem um dos mais baixos índices de transparência sobre divulgação de dados de coronavírus entre todos os Estados do Brasil, segundo relatórios recentes de entidades internacionais que fiscalizam o direito à informação. As análises apontam que há indicadores que não são divulgados, outros têm disponibilidade parcial ou estão "escondidos" em sites e planilhas. Para o Palácio Piratini, "a posição atual do Estado nos dois rankings sugere que temos percurso de aperfeiçoamento a realizar, mas não representa que o governo do Estado não seja transparente".
Segundo o governo, a maioria das informações epidemiológicas está no boletim epidemiológico publicado uma vez por semana em formato PDF (veja o último). Esse formato é considerado pouco acessível pelas especialistas em direito à informação ouvidas pela reportagem porque dificulta o cruzamento de dados.
Entre os 27 Estados, o RS tem a sexta pior transparência sobre dados epidemiológicos da covid-19, segundo a análise da Open Knowledge Brasil, feita na quinta-feira (21), e a oitava pior divulgação de compras emergenciais, conforme relatório da Transparência Internacional de terça-feira passada (19).
Uma das principais falhas apontadas pelas entidades é não oferecer download de todos os microdados em planilha aberta, algo feito pela maioria dos Estados. Isso permite aos interessados encontrar tendências sem depender da interpretação oficial. Outro problema é não informar detalhadamente características dos doentes e do ritmo da covid-19 em municípios.
O Piratini afirmou em nota que o baixo desempenho no relatório da Open Knowledge decorre de "questões ligadas à granulidade e o formato dos dados acessíveis e que trabalha pelo seu aperfeiçoamento". Também diz que "não medirá esforços" para aperfeiçoar a transparência porque "as informações são públicas e as ações, custeadas pela sociedade, a quem o poder público tem a obrigação de divulgar todo e qualquer conteúdo". No entanto, o Rio Grande do Sul foi um dos poucos Estados a não responder aos relatórios que começaram a ser feitos no início da pandemia, afirma a Open Knowledge.
Em Estados considerados mais transparentes, como Ceará, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e Espírito Santo, as informações estão concentradas em um portal único e destacado, com visualização acessível a leigos e download de microdados em planilha. É possível checar, por exemplo, evolução diária de casos e mortos por cidade, perfil de infectados no geral por gênero, raça e comorbidade, número de testes em estoque e aplicados por tipo de exame. Algumas regiões vão além e divulgam o total de profissionais da saúde contaminados e de grávidas com coronavírus.
No Rio Grande do Sul, avaliações sobre sexo, raça e comorbidades apenas de hospitalizados e mortos por covid-19, e não de todos os confirmados, são divulgadas no boletim epidemiológico, não no portal. Os dados aparecem em gráficos que não permitem precisar os números específicos, como mostra a imagem a seguir.
A prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, divulga ocupação de leitos por hospital, o que permitiu a GaúchaZH analisar que a epidemia chegou à periferia da Capital após redução da ocupação de leitos em hospitais privados. Já o Piratini traz, em um de seus portais na internet, um panorama mais geral: consta a evolução diária de ocupação de leitos em nível estadual, por macrorregião, região covid-19 e por município. Também é informado o uso atual de respiradores.
A evolução diária de síndromes respiratórias agudas graves desde o início da pandemia no Rio Grande do Sul aparece na última página do boletim epidemiológico, informou a Secretaria Estadual da Saúde. A imagem é pequena e também não permite precisar o números de doentes em cada dia nem semana, como indica a reprodução a seguir.
A transparência do governo gaúcho é incompleta e não segue parâmetros de acessibilidade e visualização que permitam ao cidadão entender o perfil dos gaúchos com coronavírus, resume Fernanda Campagnucci, diretora-executiva da Open Knowledge Brasil.
— Faltam dados detalhados e abertos para baixar. Do jeito que está, não é possível fazer projeções e acompanhamentos por região e se depende da interpretação colocada ali pelo governo. O que é divulgado no boletim epidemiológico não cumpre o mínimo que se espera: há informações sobre sexo e doenças preexistentes apenas para óbitos ou hospitalizados, e não para todos os casos confirmados. Só com transparência conseguimos monitorar e participar da política pública para verificar sua eficácia — avalia.
Pouca informação sobre compras emergenciais
O relatório da Transparência Internacional aponta que o governo do RS também precisa melhorar a transparência sobre compras emergenciais, como leitos, aventais, máscaras e outros equipamentos.
Dentre os problemas, estão divulgar apenas o valor total da compra, sem o preço unitário pago por cada item (o que aumenta riscos de superfaturamento), não ter um portal único para divulgar as compras emergenciais (o site com informações é do Tribunal de Contas), dar pouco destaque ao site existente e não expor a legislação que regula as compras emergenciais.
— A transparência é importante sempre para gestão pública, é princípio da boa governança e democracia. Mas, neste momento de excepcionalidade da pandemia, a divulgação de informações de gastos públicos, compras e aquisições se torna ainda mais importante. São essas informações que permitem a identificação de irregularidades de mau uso de verbas públicas — diz Maria Dominguez, pesquisadora do Centro de Conhecimento Anticorrupção da Transparência Internacional.
A falha na transparência foi verificada também pela bancada do Partido Novo na Assembleia Legislativa, que protocolou na quinta-feira (21) um projeto de lei para que o Piratini crie uma política estadual de transparência que divulgue melhor os gastos de compras emergenciais. No cenário atual, o governo está autorizado a não seguir o caminho normal de compras públicas, mas há aumento de risco de corrupção, diz o deputado Giuseppe Riesgo:
— Apesar do portal de transparência do Rio Grande do Sul ser bom, não é completo. Algumas coisas faltam e outras poderiam ser melhores, como informar detalhes e dados abertos. Além disso, neste momento de pandemia se altera a forma de contratação. Se o curso normal não é seguido, então que os dados de compras sejam disponibilizados a todos.
O Piratini afirma que "trabalha em um plano de aperfeiçoamento, principalmente em relação ao formato de apresentação dos dados", o que permitirá melhora no ranking, e cita que criou uma área especial de transparência no novo portal da Secretaria de Saúde, na qual informa todas as compras feitas, os critérios de distribuição, os municípios beneficiados e quantos itens foram enviados.
Leia a íntegra da resposta enviada pelo governo do Estado
"A respeito do questionamento do jornal Zero Hora sobre as estratégias de transparência do governo do Estado no enfrentamento da Covid-19, cabe fazer os seguintes esclarecimentos:
1. A transparência é um dever da administração pública, não uma escolha. Trata-se de um compromisso do governador Eduardo Leite e um princípio de ação da Secretaria de Estado de Comunicação;
2. É um atributo que se espalha de maneira distinta por inúmeras ações governamentais e é composta por iniciativas que se complementam, não só em relação ao acesso aos dados, mas também no tocante ao atendimento das demandas da imprensa e da sociedade;
3. Desde o início da estratégia de enfrentamento da pandemia, o governo do Estado colocou em ação inúmeras iniciativas que ampliaram o acesso às políticas públicas e ao acompanhamento de informações sobre a doença, envolvendo a Secretaria Estadual da Saúde (SES), a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), a Secretaria de Governança e Gestão Estratégica (SGGE) e a Secretaria de Comunicação (Secom), com o respaldo tecnológico da Procergs:
- Criação de um site específico com informações, o coronavirus.rs.gov.br, que aglutina todas as informações públicas sobre a doença;
- Criação de um Mapa de Casos, pelo qual é possível acompanhar a evolução e a distribuição geográfica da doença, além de comparações do Rio Grande do Sul com outros Estados;
- Criação de um Mapa de Leitos, no qual é possível monitorar a distribuição regional dos leitos e a ocupação deles por pacientes com e suspeitos de Covid-19 ou outras Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAGs);
- Criação de um site específico para o modelo do Distanciamento Controlado, o distanciamentocontrolado.rs.gov.br, no qual a população pode acompanhar a evolução do sistema de bandeiras para as regiões;
- Realização de lives com o governador, que até o dia 21.5.2020 foram diárias, as quais compartilharam e justificaram as principais medidas do governo;
- Produção de um programa diário de rádio, de cinco minutos, distribuído para rádios do interior com esclarecimentos sobre as ações de enfrentamento.
4. Quanto às perguntas específicas pelo jornal Zero Hora, o veículo afirma que o Rio Grande do Sul não oferece as seguintes informações:
- Confirmados por sexo e raça: dado está disponível no Boletim Epidemiológico elaborado semanalmente pelo Centro de Operações de Emergência (COE) da Secretaria da Saúde — clique para acessar
- Pacientes grávidas com coronavírus: não são grupo de risco, conforme preconiza o Ministério da Saúde, apenas os casos
- Número e evolução de profissionais da saúde contaminados: o dado não estar disponível no portal oficial do governo do Estado. Também não é um parâmetro usado pelos dois rankings utilizados como referência pelo jornal.
- Número de confirmados e de mortos com comorbidades, evolução de casos de síndromes respiratórias agudas graves ou outras doenças que possam indicar suspeita de covid-19: dados estão disponíveis aqui.
- Número de testes disponíveis, total de testes aplicados com classificação por tipo de teste, número de testes em análise evolução de casos por município: não disponível nestes critérios. O Estado informa a quantidade de testes distribuídos, por localidade.
- Download de microdados em formato aberto (CSV ou ODS): não disponível como dado aberto em portais oficiais do governo do Estado.
- Total de EPIs disponíveis no Estado por tipo de EPI: disponível aqui.
- Evolução do índice de distanciamento social: disponível por acordo com a empresa inloco para nortear as políticas públicas, cuja visualização aberta pode ser conferida aqui.
- Acumulado de casos por hospitais do RS e total de internados no dia por hospitais do RS: Não disponível neste critério. No entanto, em seu mapa de ocupação de leitos (acesse aqui), a SES informa a taxa de ocupação de leitos de UTI no Estado, por macrorregião, por região Covid-19 e por município, bem como o número de leitos disponíveis, o número de pacientes e a taxa de ocupação. Também informa o número de respiradores e a quantidade em uso, além de outros detalhamentos sobre pacientes e internações como leitos pediátricos, evolução diária das internações, pacientes Covid-19, suspeitos de Covid-19 e não Covid.
5. Sobre os rankings citados pelo jornal, é importante analisar a metodologia de ambos para compreender a posição do Rio Grande do Sul. Os dois levantamentos são referência no tocante à certificação de transparência. A posição atual do Estado nos dois rankings sugere que temos percurso de aperfeiçoamento a realizar, mas não representa que o governo do Estado não seja transparente.
6. Em relação ao levantamento da Open Knowledge Brasil, a Secretaria da Saúde reconhece que a posição do Rio Grande do Sul decorre de questões ligadas à Granularidade e ao Formato dos dados acessíveis, como pode ser constado na Nota Metodológica do site, e que trabalha pelo seu aperfeiçoamento.
7. Quanto ao levantamento da Transparência Brasil, vale lembrar que se trata de um ranking que avalia especificamente as compras emergenciais ligadas ao enfrentamento da doença e que o governo está comprometido com a lisura e a divulgação destes processos. Também vale salientar que o governo do Estado trabalha em um plano de aperfeiçoamento, principalmente em relação ao formato de apresentação dos dados e com o objetivo de atender melhor os seus critérios de avaliação, o que permitirá um avanço no ranking de certificação. Um projeto de lei que cria uma legislação específica para as compras emergenciais em tempos de pandemia auxilia na normalização e tem, inclusive, impacto no ranking. Além disso:
- No novo portal da SES sobre o coronavírus, foi criada uma área especial de Transparência (acesse aqui), que mostra em detalhes todas as aquisições de materiais feitas pelo Estado para conter a epidemia, como equipamentos de proteção para profissionais de saúde, de higiene etc. O portal também mostra os critérios de distribuição de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para todos os municípios, bem como disponibiliza para pesquisa dos municípios a quantidade recebida de cada item.
8. O governo do Estado reitera que não medirá esforços para aperfeiçoar todos os mecanismos de transparência, pois as informações são públicas e as ações custeadas pela sociedade, a quem o poder público tem a obrigação de divulgar todo e qualquer conteúdo.