Vereadores envolvidos ou não nas últimas brigas na Câmara de Vereadores de Porto Alegre dão declarações semelhantes ao tentar mensurar o nível atual de tensão do parlamento.
— Somado o tempo em que trabalhei junto ao gabinete do meu pai e os meus três mandatos, são 24 anos dedicados à Câmara. Eu nunca tinha visto discussões desse nível — declara a presidente da Câmara, Mônica Leal (PP).
— Estou no quinto mandato. E, olha, acho que nunca tinha visto coisa igual — opina João Bosco Vaz (PDT).
Em 10 de agosto, final de tarde de sábado, a discussão em torno de uma possível nova votação do projeto de mudança do IPTU descambou para agressões verbais pesadas no grupo dos vereadores no WhatsApp.
— O grupo servia mais para avisos entre os vereadores. No meio do final de semana, explodiu de mensagens. Brinco que eu só peguei pipoca e fiquei assistindo — declara Felipe Camozzato (Novo).
Divergências pessoais e rusgas passadas afloraram e, após muito fogo cruzado, boa parte dos vereadores deixou o grupo, criado ainda na gestão de Moisés Barboza (PSDB) como líder de governo. Desde então, o bate-boca segue em veículos de imprensa e não tende a arrefecer.
Na segunda-feira, Mônica chamou os vereadores Mauro Pinheiro (Rede) e Valter Nagelstein (MDB) de machistas por, na visão dela, agirem de forma diferente "entre uma discussão com uma mulher e com um homem". Mônica se irritou especialmente que as mensagens com divergências entre os vereadores e Ricardo Gomes (PP) sempre vinham antecedidas de gentilezas. Tanto Nagelstein quanto Pinheiro alegam ter tratado Mônica com respeito, mas com a dureza que a pauta exigia.
— Quando falei que a presidente estava à beira do crime de responsabilidade, não foi para ofendê-la. Foi para alertá-la de que ela precisava dar andamento a um assunto decidido pela Câmara em abril (a votação do IPTU). Estamos em agosto — declara Pinheiro, líder do governo Marchezan.
Após uma decisão da Justiça que impediu uma renovação da votação do IPTU, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, nesta terça-feira (20), enfim aprovou o texto do projeto.
Principais personagens do conflito, Mônica e Nagelstein — respectivamente presidente e ex-presidente da Casa — vêm se estranhando desde o início de 2019. Para a presidente, o seu antecessor não admite que ela exerça o mandato na Mesa Diretora à sua maneira. Ela se diz cansada de ser atacada sobretudo publicamente, nas redes sociais de Nagelstein.
— O vereador Nagelstein não consegue desencarnar da presidência — declara Mônica.
A afirmação, para o emedebista, é injusta e antiga. Segundo Nagelstein, em fevereiro ele leu pela primeira vez, na imprensa, uma insinuação semelhante.
— Estranhei, porque justamente por 2018 ter sido um ano pesado, que envolveu a perda do meu pai, problemas de saúde e uma campanha eleitoral malsucedida, e tudo isso exercendo a presidência da Casa, eu fiquei um mês isolado na praia em Santa Catarina no início do ano. Como eu estaria influenciando no mandato dela quase incomunicável? — questiona o vereador.
Ficou o incômodo. Mas, para Nagelstein, o conflito mesmo começou logo depois, quando Mônica o chamou para conversar e o cobrou por ter protocolado uma homenagem ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Segundo Nagelstein, a homenagem foi sugerida a ele pelo escritor Luiz Coronel, que é primo do vice-presidente e, em 2018, conviveu com o vereador em razão da ópera rock sobre a Revolução Farroupilha patrocinada pela Câmara, inspirada em texto seu.
— Jurei pela memória do meu pai que eu não sabia que ela tinha a intenção de homenagear o Mourão. Em resposta, ela disse que passaria a fazer homenagens à comunidade judaica — conta Nagelstein.
Fato é que os dois nunca mais se falaram fora do plenário, embora as divergências sigam e acabem nos ouvidos um do outro pelos corredores da Câmara. Nagelstein é crítico, por exemplo, a Mônica não ter dado andamento à implementação de um sistema que colocaria processos legislativos à disposição na internet. Já ela teria tecido críticas às obras de um centro de convivência para os servidores da Câmara, obra da gestão Nagelstein prestes a ficar pronta.
A briga em torno do IPTU — que opôs o MDB de Nagelstein ao PP de Mônica na base do governo — serviu como estopim e, o WhatsApp, como o ambiente perfeito para que o tom da discussão descambasse mesmo que os vereadores praticamente não se falem pessoalmente.
— Isso é um problema. A divergência é natural, mas o debate político, mesmo com palavras duras, deve ser feito no espaço político. É para isso que serve a tribuna — opina Adeli Sell (PT).
O pedetista Bosco Vaz, faz coro:
— Temos dois códigos de ética. Um é escrito, literal, mas tem um outro que é informal. Nós sabemos que devemos tratar uns aos outros com respeito porque temos nossas divergências e precisamos conviver. É esse segundo que alguns colegas vão ter que ajustar, pelo menos ao usar o celular.