O crescimento dos gastos com pessoal que desafiam as contas de Porto Alegre hoje foram amplificados pela manutenção de uma política salarial formatada há mais de duas décadas, com uma série de benefícios automáticos que faz a folha crescer R$ 90 milhões ao ano.
O primeiro alerta sobre o perigo de uma crise financeira estrutural foi dado 15 anos atrás, durante a gestão do ex-prefeito João Verle (PT), falecido em 2015. Até então, a Capital era vista como raro exemplo de equilíbrio fiscal em uma grande cidade brasileira. Por isso, foi sob grande surpresa que Verle anunciou em 2003 o risco de terminar o ano com um déficit de R$ 75 milhões. Os avisos, porém, não foram suficientes para evitar o quadro atual.
Um dos problemas identificados já naquela época foi o descompasso entre o gasto com pessoal e a capacidade da receita. Os servidores municipais recebiam aumentos para corrigir a inflação a cada dois meses — a chamada bimestralidade. Verle decidiu suspender o benefício, sob protestos do funcionalismo, para ajustar o caixa. O gatilho salarial acabou definitivamente engavetado em 2005 pela gestão de José Fogaça (eleito pelo PPS e reeleito pelo PMDB).
— A situação da prefeitura era muito boa (até o começo dos anos 2000). A dívida era muito pequena, e não havia pressão dos gastos com pessoal, embora os servidores tivessem benefícios concedidos durante o período de inflação alta. Evidentemente, se a situação não for muito bem administrada, não garante equilíbrio futuro — analisa o ex-secretário da Fazenda Odir Tonollier, titular da pasta entre 1999 e 2000, durante a gestão de Raul Pont (PT).
Na maior parte dos anos seguintes, as despesas seguiram crescendo em ritmo superior ao da receita. A bimestralidade foi extinta, mas ao longo da última década foram criadas 11 novas gratificações para servidores, por exemplo, totalizando mais de 40 extras capazes de turbinar os salários atualmente. Além disso, a manutenção de adicionais por tempo de serviço (15% ao completar 15 anos e mais 10% aos 25 anos) e triênios (5% a cada ciclo) contribuem para inflar automaticamente a folha mesmo sem a concessão de reajustes gerais ou a contratação de novos funcionários.
A União extinguiu os avanços trienais em 2001, e o Estado reduziu a alíquota de 5% para 3%. O governo federal também aboliu os adicionais, e o Piratini tenta aprovar um projeto nesse sentido. A gestão de Marchezan apresentou projetos à Câmara para tentar reduzir os triênios e barrar os adicionais por tempo de trabalho para os futuros contratados.
Secretário da Fazenda entre 2005 e 2010 (durante a gestão de José Fogaça, PPS/PMDB), Cristiano Tatsch admite que os gestores públicos têm dificuldade em planejar as despesas com pessoal de forma mais técnica e adequada à capacidade do caixa.
— O gestor fica muito vulnerável para conceder reajustes, não consegue força para negar ou cortar benefícios. Se não tem muita determinação e apoio político, não consegue contrapor os interesses das corporações. Nem entro no mérito se isso é justo ou injusto, mas complica as finanças públicas.
O diretor-financeiro do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Adelto Rohr, contesta essa visão. Ele afirma que a responsabilidade pelos problemas do Tesouro é da falta de administrações eficientes, e não do custeio do funcionalismo.
— O governo poderia utilizar fundos como o Fundeb, ou destinar recursos que vão para pagamento de dívida, publicidade ou isenções a empresas de ônibus para pagar os salários dos servidores. Não se presta serviço público sem servidores. Salário tem de ter prioridade — observa Rohr.
Além da questão salarial, a implantação do sistema capitalizado de Previdência amenizou mas não resolveu o desafio de um número cada vez maior de aposentadorias — desde 2010, o número de aposentados passou de 6,6 mil para mais de 10 mil. A situação se agravou com as quedas do PIB verificadas a partir de 2014 no país, que reduziram as transferências do Estado e da União para a Capital — onde 65% da receita depende de transferências e 35% de fontes próprias. Apenas em 2017, Porto Alegre recebeu R$ 283 milhões a menos do que o esperado.
Para tentar evitar um rombo ainda maior nas contas, nos últimos seis anos uma das soluções foi contratar menos servidores. Assim, o número de funcionários ativos da administração direta e autarquias caiu de 18,1 mil para 15,3 mil entre 2012 e o ano passado. Essa redução também pode ser explicada pela terceirização de serviços como o de garis e pela política de estabelecer parcerias com creches ou hospitais, que reduz a necessidade de contratação de pessoal.
Saques do caixa único e venda da folha de pagamento também foram algumas soluções parciais e temporárias utilizadas ao longo dos últimos anos para fechar as contas nos finais de ano ou amenizar déficits. Mas a Capital ainda precisa encontrar uma saída definitiva para equilibrar suas finanças.