O rápido crescimento das despesas da prefeitura de Porto Alegre com Previdência e pessoal, ao mesmo tempo em que as receitas foram prejudicadas pela recente crise nacional, deixa em situação preocupante um Tesouro municipal que, até o começo dos anos 2000, era reconhecido como exemplo de pujança.
Antiga referência nacional em contas públicas, a Capital viu triplicar o déficit previdenciário em uma década. Hoje, atrasa pagamentos de fornecedores e, no ano passado, parcelou salários. O cenário embala o discurso oficial de penúria, mas a oposição e representantes de servidores acusam a gestão Marchezan de pintar um cenário mais caótico do que o real com o objetivo de aprovar cortes em benefícios do funcionalismo.
Pouco depois de assumir o cargo, no ano passado, o prefeito Nelson Marchezan chegou a dizer que a crise financeira de Porto Alegre era pior do que a vivida pelo Estado. Já representantes dos municipários sustentam em discursos e panfletos que o balanço anual da prefeitura apresentou um superávit de R$ 163 milhões em 2017 — cifra utilizada como evidência de que não existe o rombo apregoado.
A verdade não está em nenhum desses extremos. Uma análise das contas municipais demonstra que a realidade financeira de Porto Alegre ainda é melhor do que a do Estado, afundado em uma dívida sufocante de longo prazo, mas o superávit apontado no ano passado está longe de representar uma folga no orçamento da Capital. A razão é simples, conforme o especialista em finanças públicas Darcy Francisco Carvalho dos Santos: o balanço consolidado é um resumo de tudo o que a cidade gasta e arrecada, mas o simples resultado final não indica a verdadeira disponibilidade de caixa.
Um total de R$ 495 milhões são recursos que não podem ser utilizados livremente pelo Tesouro. A maior parte desse dinheiro (R$ 313 milhões) corresponde ao superávit do regime capitalizado de Previdência que o município criou em 2001 e, por ser recente, ainda acumula recursos para custear futuras aposentadorias.
— Se retirarmos do superávit os recursos da Previdência capitalizada, do Dmae e outros recursos vinculados ou carimbados, a conta fica negativa em R$ 331,7 milhões. Isso porque os recursos carimbados tem destinação específica, os do Dmae lhe pertencem por se tratar de uma autarquia, e os recursos previdenciários são destinados à formação de um fundo que só pode ser utilizado para pagamentos de benefícios dos servidores vinculados — sustenta Santos.
Assim, na prática, faltam R$ 331,7 milhões para deixar o caixa no azul. Um dos principais gargalos é o crescente déficit da Previdência. Embora o resultado do sistema capitalizado (fundo para pagamento futuro, criado justamente para evitar um rombo ainda maior) esteja positivo, o modelo de repartição simples (que contempla os servidores mais antigos) fica no vermelho. A conta final apresentou um déficit de R$ 779 milhões no ano passado, dos quais R$ 714 milhões precisaram ser cobertos com recursos do Tesouro Municipal — o restante ficou por conta de outros órgãos, como Câmara de Vereadores e Dmae. Neste ano, a cifra deve se aproximar de R$ 900 milhões negativos.
— Poucas pessoas se deram conta do crescimento recente do déficit da Previdência, principalmente nos últimos três, quatro anos — observa o secretário municipal da Fazenda, Leonardo Busatto.
Nesse período, a prefeitura teve de arcar com cerca de R$ 200 milhões a mais por ano para custear as aposentadorias. Isso não significa que os aposentados são responsáveis pelas dificuldades financeiras da cidade, mas que, ao longo do tempo, os gestores não adotaram as políticas necessárias para evitar esse problema.
— Em qualquer Capital, as finanças públicas são sempre muito sensíveis. É preciso controlar muito porque, qualquer coisa, escapa do controle — afirma o ex-secretário da Fazenda entre 2005 e 2010 (durante a gestão de José Fogaça, PPS/PMDB) Cristiano Tatsch.