Anunciada às vésperas do final do ano, a proposta do governador Eduardo Leite de elevar de 17% para 19,5% a alíquota do ICMS, principal imposto estadual, pegou de surpresa deputados aliados, empresários e a sociedade em geral.
Como consequência, provocou uma reação rápida e organizada. Federações que representam os principais segmentos do setor produtivo (indústria, comércio, serviços e agronegócio) anunciaram de imediato sua contrariedade à medida, alegando que será prejudicial à economia gaúcha.
Além de compensar a redução abrupta no ICMS imposta em 2022, por decisão do governo Jair Bolsonaro e do Congresso, que derrubou a alíquota do combustível, energia e comunicações, a medida também é apontada como necessária para evitar perdas futuras com a reforma tributária federal. Pela regra de transição prevista no texto (que ainda pode ser modificada), o Rio Grande do Sul perderia arrecadação ao longo das próximas décadas se mantiver o ICMS no patamar atual.
Governo e empresários têm confrontado argumentos a respeito do tema e, nos próximos 18 dias, centrarão foco no convencimento dos deputados estaduais, responsáveis por decidir o destino da proposta no dia 19 de dezembro.
Na quarta-feira (29), a Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) divulgou na internet um placar parcial, no qual 30 deputados se manifestaram contra o aumento, e os outros 25 não responderam. A margem seria suficiente para derrubar a iniciativa, mas nem a entidade e nem o governo consideram o placar definitivo.
Cautela governista
Cientes das dificuldades para conseguir os votos para a aprovação, o governador Eduardo Leite e secretários têm dedicado boa parte da agenda ao tema. Nesta semana, o governador recebeu jornalistas, conversou com presidentes de partidos políticos e visitou pessoalmente as federações empresariais que reagiram à proposta.
Por enquanto, o Piratini ainda não traçou um mapa do plenário e luta para emplacar a narrativa de que, embora a medida seja antipática, sua rejeição significará perder R$ 4 bilhões ao ano nos próximos 25 anos, como consequência da reforma tributária.
Na quinta-feira (30) a secretária da Fazenda, Pricilla Santana, ficou quatro horas na Comissão de Finanças tirando dúvidas dos parlamentares a respeito do quadro fiscal do Estado. Ela deve retornar na terça-feira (5) para mais uma rodada de perguntas.
Na segunda (4), Leite tem audiência com prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais na Famurs, instituição que representa as prefeituras gaúchos. A expectativa é de que, no mesmo dia, a entidade declare apoio à majoração do imposto, visto que 25% do que é arrecadado com o ICMS fica com os municípios.
Responsável pela articulação política, o chefe da Casa Civil, Artur Lemos, nega que estejam sendo negociadas indicações para a máquina estadual em troca do apoio ao projeto, mas tem alertado aliados que, com menos dinheiro em caixa, a capacidade de atender pedidos da base será reduzida.
—A política no RS não é rasa a ponto de ser um troca-troca. Mas é fato que, com mais recursos, o Estado terá mais capacidade de atender as demandas da sociedade, inclusive as que chegam por meio dos deputados — diz Lemos.
Líder do governo na Assembleia, o deputado Frederico Antunes (PP) minimiza o efeito o painel divulgado pela Federasul, que aponta a maioria dos deputados disposta a votar contra a iniciativa:
—Como as pessoas podem se posicionar contra ou a favor de algo que ainda exige muito debate? Nosso trabalho será proporcionar aos deputados a capacidade máxima de interpretação para que possam firmar sua convicção.
Para além do convencimento, um fator que joga a favor do governo na votação é a possibilidade de aprovar o projeto com maioria simples de votos. Nesse caso, aliados que não quiserem abraçar o desgaste de votar a favor podem se ausentar da sessão, reduzindo o número de votos que o Piratini precisa conquistar para aumentar a alíquota.
Mobilização contrária
Assim que se tornou pública a informação de que o governo iria propor o aumento de ICMS, as principais representações do empresariado gaúcho entraram em polvorosa. De imediato, lançaram notas contestando a iniciativa e convocaram reuniões para discutir os impactos da proposta.
Com maior capacidade de articulação na Assembleia, a Federasul promoveu uma reunião-almoço com cinco líderes de bancada para protestar contra o aumento e planeja intensificar as pressões em todo o Estado. Além de lançar o painel com a promessa de voto dos deputados, a entidade coordena ações de 190 filiadas nas bases dos parlamentares.
—Nossos diretores regionais irão para rádios e jornais locais, para mobilizar a opinião pública nas bases dos deputados. Também vamos atuar junto a pré-candidatos a prefeito e vereador, que apoiam os deputados, além de usar muito as redes sociais. No dia 19, também teremos uma forte mobilização no plenário — elenca o presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa.
Em movimento semelhante, a Federação do Comércio de Bens e de Serviços do RS (Fecomércio) articula ações de seus cem sindicatos filiados no Interior. Nesta semana, a entidade cobriu o outdoor que fica em frente à sede, à beira da Freeway, com uma faixa em protesto ao aumento de ICMS.
—Estamos notando que os deputados estão muito preocupados e desconfortáveis com esse projeto. Queremos que continuem assim e percebam que não é possível aumentar impostos— diz o presidente da Fecomércio, Luiz Carlos Bohn.
Tanto as entidades quanto os deputados que fazem oposição ao governo Leite pretendem usar as redes sociais como arma para pressionar os parlamentares. Líder do PL, Rodrigo Lorenzoni (PL) diz que um dos focos será chamar atenção para deputados que se ausentarem da votação.
— Vamos mostrar que o "não-voto" é concordar com o aumento de impostos — salienta.
Maior partido de oposição, o PT também declarou voto contra a elevação do ICMS, mas tem protestado em faixa própria, sem articulação com deputados de direita contrários ao aumento.
Tira-dúvidas
O que é o ICMS?
Maior tributo estadual, o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação incide sobre diferentes produtos vendidos no Estado. Cada unidade da federação tem autonomia para definir a alíquota cobrada. É um imposto aplicado de forma indireta (embutido no preço do produto ou serviço) e considerado regressivo, pois os mais pobres são mais onerados, proporcionalmente, pela cobrança.
Qual a participação na arrecadação?
É a principal fonte de arrecadação do governo estadual. Em 2022, dos R$ 50 bilhões arrecadados pela Secretaria da Fazenda em tributos, R$ 44 bilhões foram relativos ao ICMS.
O que vai mudar com a reforma tributária?
Ainda em discussão no Congresso, a reforma tributária vai unificar o ICMS e o Imposto sobre Serviços (ISS), cobrado pelos municípios. O novo tributo se chamará Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), terá uma alíquota única em todo o país e será arrecadado nacionalmente, para depois ser redistribuído.
O critério para a distribuição do novo IBS, no caso dos Estados, será a arrecadação do ICMS apurada entre 2024 e 2028.
O que será votado na Assembleia?
Projeto enviado pelo governador Eduardo Leite estipula que, a partir do ano que vem, alíquota do ICMS passaria dos atuais 17% para 19,5%. Para valer em 2024, aumento precisa ser aprovado e sancionado até o final do ano.
Quando será a votação?
Em regime de urgência, o projeto tranca pauta a partir do dia 17 de dezembro. A primeira sessão prevista para depois dessa data é no dia 19 de dezembro.
Quantos votos são necessários para a aprovação?
Para ser aprovado, projeto precisa da maioria simples de voto dos deputados. Se todos os 55 deputados estiverem presentes, são necessários ao menos 28 votos. Se, por exemplo, seis deputados faltarem, texto pode ser aprovado por 25 a 24.