O vice-prefeito de Santa Cruz do Sul, Elstor Renato Desbessell (PP), e outros quatro servidores do alto escalão da prefeitura foram afastados dos cargos, nesta terça-feira (14), em uma operação do Ministério Público (MP). Eles são suspeitos de fraudes que teriam causado prejuízo de até R$ 47 milhões aos cofres do município do Vale do Rio Pardo. Os afastamentos foram determinados pela Justiça.
Além de Desbessell, são investigados os secretários municipais de Planejamento e Governança, Everton Oltramari, de Segurança e Mobilidade Urbana, Valmir José dos Reis, de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Marcio Farias Martins, e de Administração, Edemilson Cunha Severo, além de quatro servidores, cinco empresários e seis empresas. O vereador Henrique Hermany, filho da prefeita de Santa Cruz do Sul, Helena Hermany, também é alvo de investigação.
Uma das irregularidades apontadas pelo Ministério Público envolve a reforma do Autódromo Internacional de Santa Cruz do Sul. Segundo o MP, além de fraudada e superfaturada, a obra teria sido executada com material de baixa qualidade, o que, conforme investigação do MP, teria colocado em risco pilotos da Stock Car que disputaram corrida nesta pista em setembro de 2022.
— Há indícios de que na nova obra de reforma do autódromo, cujo edital de licitação já foi lançado, a organização criminosa tentou obter ilegalmente de valores públicos. Neste caso, uma das empresas investigadas elaborou novamente um projeto técnico e definiu os valores da obra, orçada em mais de R$ 8 milhões, e inseriu no edital uma cláusula restritiva de concorrência com o objetivo de direcionar o certame — disse o promotor de Justiça João Beltrame.
Em junho de 2022 a pista foi reformada e um asfalto novo foi colocado. No entanto, o asfalto esfarelou em alguns pontos e foi alvo de críticas por parte dos pilotos. Isso fez com que o autódromo precisasse de nova intervenção e ficasse de fora da temporada 2023 da Stock Car.
De acordo com o MP, caso semelhante ocorreu na duplicação de trecho municipalizado da BR-471, em Santa Cruz do Sul.
— De acordo com as provas coletadas, a mesma empresa investigada fez todos os projetos técnicos e definiu os valores da obra, fraudando e direcionando a licitação, cujo valor já ultrapassa R$ 21 milhões, após aditivos igualmente fraudulentos. Além disso, as investigações demonstraram que o grupo suspeito segue atuando no município, visto que já foca em mais uma nova obra a ser licitada para a construção de ciclovia na Avenida Leo Kraether. Os projetos dessa obra estão sendo, mais uma vez, elaborados e avaliados por engenheiros da mesma empresa suspeita, juntamente com a contratação de uma terceira, usada como fachada na intermediação de integrante de associação empresarial local — disse o promotor Flávio Passos.
Segundo o MP, as investigações comprovaram a diversidade de ações do grupo, que também teria atuado em fraudes na contratação direta, mediante dispensa de licitações, de um prédio de luxo usado como casa de festas e de salas comerciais de empresas suspeitas para locações de secretarias municipais, sem qualquer necessidade de interesse público e com valores acima do normal no mercado. Houve também direcionamento nas licitações.
Segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP, a organização possui dois três núcleos. Um político, que seria liderado pelo vereador que atuava como advogado de algumas empresas, e outros dois de empresários.
A operação
Foram cumpridas 139 ordens judiciais contra os investigados. Além dos mandados de busca e apreensão, foram bloqueados bens e valores que passam dos R$ 47 milhões, valor estimado da fraude. Entre os bens, 28 veículos, três embarcações, sequestro de 10 imóveis, afastamento de funções públicas de 10 pessoas e a proibição dessas empresas de contratarem com o poder público.
Em Santa Cruz do Sul, as ordens judiciais aconteceram nas sedes das secretarias e Câmara de Vereadores. Também foram cumpridos mandados em Lajeado, Estrela, Vera Cruz, Venâncio Aires, Mato Leitão e Santa Clara do Sul.
Posicionamentos
O vice-prefeito Elstor Desbessell deu entrevista coletiva nesta tarde. Ele confirmou que o MP esteve na casa dele e que apreendeu o celular dele e um computador, e se disse "surpreso" e "chateado" com a situação.
— Como secretário de Planejamento que fui, até abril, eu assinava todos os processos, encaminhava todas as licitações, mas estou muito tranquilo e já estou tomando as devidas providências, buscando minha defesa — afirmou.
Filho da prefeita Helena Hermany, Henrique é o líder do governo na Câmara de Vereadores. O político nega qualquer envolvimento com atos criminosos e atribui as buscas na sua residência e gabinete à atuação como advogado de uma das empresas investigadas.
— Eu fiz questão de franquear acesso a minha casa, eu abri. Mas agora vou em busca do contraditório, de restabelecer minhas prerrogativas profissionais e de esclarecer a opinião pública também — afirmou Henrique.
Procurado por GZH, o secretário de Planejamento e Governança, Everton Oltramari, afirmou que a defesa ainda não teve acesso aos autos.
— Assumi a Secretaria de Planejamento em abril deste ano e sempre atuei de forma correta e de acordo com a lei. Vou colaborar com as investigações e desejo muito que tudo seja esclarecido com celeridade. Tenho 34 anos de serviço público e nunca fui processado criminalmente, acredito na Justiça e tenho convicção de que não pratiquei nenhuma irregularidade — afirmou Oltramari.
O advogado do secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Marcio Farias Martins, Cassio Anversa afirmou que não irá se manifestar no momento.
O secretário de Segurança e Mobilidade, Almir José dos Reis, disse que não vê vínculo entre o objetivo da operação e a sua pasta:
— Estamos de consciência limpa e tranquilos, embora chateados, porque analisando os assuntos apresentados não vemos qualquer vínculo direto com a secretaria de Segurança e Mobilidade e acreditamos nos técnicos das outras áreas específicas citadas.
Em nome do secretário de Administração, Edemilson Severo, a defesa informou que vai se manifestar durante a semana.
A prefeitura de Santa Cruz do Sul, por meio de nota, disse que colabora com a investigação. "A prefeitura reforça seu compromisso com a transparência e seu propósito de que todos os aspectos relativos ao tema sejam amplamente esclarecidos", afirmou a nota.
Notas na íntegra
Posicionamento da prefeitura:
A Administração Municipal de Santa Cruz do Sul informa que está colaborando integralmente com o Ministério Público do Rio Grande do Sul no andamento da operação ocorrida nesta terça-feira (14).
A prefeitura reforça seu compromisso com a transparência e seu propósito de que todos os aspectos relativos ao tema sejam amplamente esclarecidos.
A reportagem tenta o contato com o vice-prefeito para ouvir seu posicionamento. O espaço segue aberto para a manifestação.
A Câmara de Vereadores também enviou uma nota dizendo que está à disposição do Ministério Público e do Poder Judiciário para colaboração nas investigações.
Posicionamento da Câmara Municipal:
A Presidência da Câmara Municipal informa que, na manhã de hoje, foi franqueado o acesso de autoridades do GAECO para cumprimento de mandado de busca e apreensão.
Esclarecemos que as investigações não têm como objeto atos praticados pelo Poder Legislativo, tendo foco em atividades supostamente relacionadas ao Poder Executivo.
Houve buscas no gabinete de um vereador, com ligação com a Prefeitura, e na sala de uma servidora ocupante de cargo em comissão. Em relação à citada servidora, já afastada judicialmente, as investigações tem como atos ocorridos na época em que ela ocupava cargo no Poder Executivo.
Este Poder Legislativo permanece à disposição do Ministério Público e do Poder Judiciário para colaboração nas investigações.