A Polícia Federal (PF) investiga supostos rastreamentos ilegais de celulares pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Dois servidores que teriam feito o uso de um sistema de monitoramento sem autorização judicial foram presos na manhã de sexta-feira, quando foi deflagrada a Operação Última Milha.
No centro do suposto esquema de espionagem, está Alexandre Ramagem, que comandou a Abin durante a gestão Bolsonaro e hoje é deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro. Nem ele nem o ex-presidente, porém, foram alvos dos mandados cumpridos na sexta-feira. Além das duas prisões, foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão. As medidas foram autorizadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que também determinou o afastamento dos atuais diretores da Abin, que foram mantidos após a troca de governo. Com um deles, foram apreendidos US$ 171 mil em espécie.
Dentre os alvos do esquema, que envolve uma ferramenta chamada FirstMile, estariam opositores de Bolsonaro e até membros do STF. Conforme a PF, a rede de telefonia teria sido invadida "reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos" (leia abaixo). Os servidores também teriam utilizado o conhecimento sobre o esquema como "meio de coerção indireta para evitar a demissão" em um processo administrativo disciplinar do qual eram alvo. Se condenados, responderão pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Contrapontos
Em nota, a Abin informou que, em março, foi instaurada uma sindicância para apurar se o FirstMile foi utilizado de forma irregular. "Todas as requisições da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal foram integralmente atendidas pela Abin. A agência colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações", informou o órgão. Veja a íntegra:
"A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) informa que, em 23 de fevereiro de 2023, a Corregedoria-Geral da ABIN concluiu Correição Extraordinária para verificar a regularidade do uso de sistema de geolocalização adquirido pelo órgão em dezembro de 2018.
A partir das conclusões dessa correição, foi instaurada sindicância investigativa em 21 de março de 2023. Desde então, as informações apuradas nessa sindicância interna vêm sendo repassadas pela ABIN para os órgãos competentes, como Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal.
Todas as requisições da Policia Federal e do Supremo Tribunal Federal foram integralmente atendidas pela ABIN. A Agência colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações.
A ABIN vem cumprindo as decisões judiciais, incluindo as expedidas na manhã desta sexta-feira (20). Foram afastados cautelarmente os servidores investigados.
A Agência reitera que a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021. A atual gestão e os servidores da ABIN reafirmam o compromisso com a legalidade e o Estado Democrático de Direito."
Também em nota, Alexandre Ramagem não negou a espionagem investigada e disse que, quando assumiu a Abin, determinou uma auditoria interna sobre o FirstMile. Segundo ele, a operação de sexta-feira “só foi possível com esse início de trabalho de austeridade”. “Rogamos que as investigações prossigam atinentes a fatos, fundamentos e provas, não se levando por falsas narrativas e especulações”, disse.
Entenda
O que é o FirstMile e como ele funciona?
Trata-se de uma ferramenta capaz de identificar a localização de aparelhos que usam as redes 2G, 3G e 4G. Para encontrar o alvo, basta digitar o número do celular e acompanhar em um mapa a última posição. Desenvolvido por uma empresa israelense, o programa se baseia em torres de telecomunicações que captam, em diferentes regiões, os dados dos aparelhos telefônicos. O sistema oferece o histórico de deslocamento do dispositivo e até alertas de movimentação em tempo real, mas não materiais armazenados no aparelho ou mensagens trocadas.
Em que período a Abin utilizou o FirstMile?
O programa foi comprado por R$ 5,7 milhões, com dispensa de licitação, no fim de 2018, ainda durante o governo Michel Temer (MDB). De acordo com a Abin, a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021.
O que a operação da Polícia Federal apurou?
Segundo a investigação, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), o FirstMile foi utilizado por servidores da Abin, sem a devida autorização judicial, para espionagem. Foram identificados 1,8 mil acessos ilegais à plataforma.
Quem são as pessoas que teriam sido monitoradas?
Seriam políticos, jornalistas, advogados, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e adversários do ex-presidente. Os nomes não foram divulgados.